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Negritude deu um viva à liberdade em Garanhuns

Na noite seguinte ao Dia Internacional da Mulher Negra Latina e Caribenha, artistas como Xênia França e Emicida cantaram a beleza afro e o fim da opressão ao povo negro

TEXTO SAMANTA LIRA, DE GARANHUNS*

27 de Julho de 2018

Emicida mandou seu recado em show potente

Emicida mandou seu recado em show potente

Foto Felipe Souto Maior/Secult-Fundarpe

Esta 28ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG) nos presenteou com uma noite para lembrar que “as coisas vão ficar cada vez mais pequenas pros racistas”, como esbravejou o rapper Emicida em seu show. Sucedendo a comemoração do 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latina e Caribenha, as apresentações desta quinta (26/7) já anunciaram a que vieram no Palco Pop, onde a poeta pernambucana Luna Vitrolira recitou o seu Mulher negra, numa simbólica homenagem à data.

A presença do cantor e compositor baiano Giovani Cidreira deu início a shows que marcam a música contemporânea no Brasil de matriz afro. Um corpo negro, que pisava repetidas vezes com seu tênis de cano alto, nos dizia: “Estou aqui”. Um protesto à altura de versos que atravessam o território particular do artista, aproximando-se dos tormentos de qualquer ouvinte. “Já já eu me jogo nos braços de vocês”, brincou Giovani ao convidar uma plateia ainda tímida para se aproximar ao palco. O gelo logo foi quebrado com a sua canção Pássaro prata, entre as mais conhecidas pelo seu público. Vibraram. O entrosamento foi tanto, que até se viu o músico tomar um gole da bebida de uma pessoa da plateia.

Num discurso politizado, a cantora Xênia França, também parte da nova cena baiana, mas radicada em São Paulo, deu continuidade à energia da noite. Apropriação cultural e empoderamento do povo negro foram questões que permearam a sua apresentação. Na plateia, ouviam-se elogios a uma beleza completa. Com seus longos cabelos crespos, o figurino brilhava, sua performance no palco também. Desta vez, um público mais cheio pareceu ter esquecido do frio. “Aqui é o lugar que eu mais me sinto amada”, confessou em meio a um repertório com as conhecidas Pra que me chamas?, na abertura, Minha história e Miragem, com direito a um sincronizado estalar de dedos entre ela e a plateia.


Carisma de Xênia França aqueceu o Palco Pop. Foto: Jan Ribeiro/Secult-Fundarpe

Em direção ao Palco Mestre Dominguinhos, o principal do festival, foi possível prestigiar a mistura de arrocha e pagode baiano com música eletrônica da banda Àttøøxxá. O som autoral de uma nova safra de artistas independentes vem dominando o festival nos últimos anos, como é o caso da Baiana System, que se apresentou na edição passada. Um dos principais atrativos da banda é o estilo híbrido, que bebe de fontes da cultura da Bahia (presença da guitarra baiana), da África (percussão) e da Jamaica (sistemas de sound system), caminho que tem inspirado também outros grupos baianos, como é o caso do Àttøøxxá.

Neste ano, aliás, estes músicos também marcaram o discurso de ascensão do povo negro aos espaços culturais, o que antes era ecoado apenas nas periferias, bem como relembraram o lugar que ocupavam quando o sonho ainda parecia distante: “Nós vimos Nação Zumbi tocar nesse palco, hoje nós estamos tocando com os caras”. Para encerrar o show, o refrão "é som de preto,/ de favelado,/ mas quando toca ninguém fica parado” reverberou pela praça junto ao público.

“Você é preto! Você é preto! Você é preto!...”, grita o ator Wagner Moura a Lázaro Ramos, no filme Ó paí, ó (2007). A cena foi transmitida no telão atrás de Emicida, durante seu show. As luzes foram apagadas e o rapper se colocou de pé, nos encarando, provocando uma reação. A impactante letra da música Boa esperança foi a resposta.


Público de Emicida no FIG 2018. Foto: Felipe Souto Maior/Secult-Fundarpe

Assim como ela, outras faixas do seu disco Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa, inspirado numa viagem do artista ao continente africano, fizeram parte do repertório. Para encerrar, um público que se espremia na grade estirou o dedo indicador da mão e pediu por Mandume. Mas antes, entre a fala sobre o que o inspirou na escrita da letra, soltou um: “Nós gosta do nosso cabelo igual à nossa autoestima, pra cima”. Foi ovacionado.

A banda pernambucana Nação Zumbi fechou a noite, fazendo ecoar outras manifestações da matriz africana nos dias de hoje.

O FIG trouxe “um viva à liberdade” de um povo que sempre foi silenciado, reduzido a coadjuvante em uma história em que, na realidade, é protagonista. Pouco a pouco, a cultura negra se torna visível. Para completar, Emicida: “Nós quer ser dono do circo, cansamos da vida de palhaço”.

SAMANTA LIRA é estudante de Jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.

*A repórter viajou a Garanhuns a convite do festival, realizado pelo Governo do Estado de Pernambuco.

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