Araeen, que nasceu no Paquistão, em 1935, não só foi um dos nomes a integrar a primeira onda de artistas não europeus a viver na Europa (no seu caso, em Londres), mas ainda a figura principal na Inglaterra a militar, como editor, escritor e artista, pela inclusão dos artistas do “terceiro mundo” em um imaginário social eminentemente eurocêntrico. Em 1972, integrou o Movimento dos Panteras Negras (apesar de sua origem não ser exatamente negra) e, seis anos depois, fundou o jornal Black Phoenix, que, em 1989, se transformou na publicação Third Text: Critical Perspectives on Contemporary Art and Culture. Trata-se de uma das principais publicações a articular reflexões sobre arte, pós-colonialismo e pesquisa etnográfica.
Embora o artista e editor não mais se envolva diretamente com a publicação (hoje, Richard Dyer, professor de Estudos Fílmicos da King’s College, é a pessoa que lida mais diretamente com as diretrizes editoriais da revista), a Third Text ainda segue a orientação principal proposta por Rasheed Araeen de refletir sobre o impacto da globalização nas práticas culturais e sobre a teoria pós-colonialista. Na última edição, por exemplo, é possível encontrar artigos sobre o lugar das mulheres na economia de mercado, o papel do coletivo artístico Gugulective em suas críticas ao neoliberalismo na África pós-Apartheid e a arte de bonecos no Sudeste Asiático pós-internet, festivais e galerias de arte.
É claro que a Third Text é uma publicação bastante intelectualizada, mas ela foge de todo e qualquer academicismo (os textos são autorais e contam, inclusive, com ilustrações), sendo um espaço de reflexão sobre temas que concernem todos aqueles sujeitos cujos corpos e modos de viver fogem da lógica eurocêntrica. Aliás, a revista está com chamada de trabalhos abertas (confiraAQUI) e, fazendo um apanhado de suas últimas edições, basicamente não se veem reflexões sobre a arte brasileira.
O IMPÉRIO DO OLHAR Mais recentemente, Araeen tem buscado refletir, em obras como Shamiyaana — Food for thought: thought for change, exposta atualmente na documenta de Atenas, sobre as relações possíveis de serem estabelecidas com a arte, questionando o contato visual como a única maneira disponível de interação artística. Como disse em breve conversa com a Continente, em Kassel, “a minha principal ideia é tratar a arte dentro da vida cotidiana. Vida cotidiana é jogar, cozinhar, comer e ser. O problema da documenta é que tudo aqui é para ver. No meu trabalho, você pode ver, mas você pode também comer, jogar”.
Assim, a obra Shamiyaana — Food for thought: thought for change consiste em uma espécie de tenda com estampas geométricas, dentro da qual os visitantes podem se sentar juntos para experimentar uma refeição baseada nas receitas ao redor do mediterrâneo, que foram cozinhadas em colaboração com a ONG grega Organization Earth, cujo propósito é desenvolver o conceito de inteligência social e ambiental através de uma educação experimental e não formal. "Shamiyaana", aliás, é o nome das tendas tradicionais de casamentos paquistaneses.
Questionando o olhar como único modo de interação artística, as obras mais atuais de Araeen brincam com uma geometria que deve ser moldada e mudada pelo próprio público. No Museu de Arte de São Paulo (Masp), onde esteve no ano passado, Araeen levou cerca de 400 estruturas que poderiam ser desmanteladas e desmontadas pelas pessoas como elas quisessem. A geometria das criações de Araeen também está presente em Kassel, logo ao lado de The reading room. Aqui, o olhar também cumpre um papel central, mas é um olhar mais leve e divertido, apesar da postura engagément da documenta.
BÁRBARA BURIL jornalista, mestre em Filosofia pela UFPE.
* A repórter foi a Kassel através de uma parceria entre a Continente e o Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA).