Ao optar por não percorrer os movimentos binários Norte-Sul ou Leste-Oeste, a obra se propõe a retomar as antigas rotas nômades, através das quais é possível encontrar cidades abandonadas, povos rejeitados e o cansaço de todos aqueles que vivem à margem dos caminhos tradicionais. A tenda, aliás, funciona exatamente como este lugar de acolhimento, na qual se entra sem pagar e na qual também se pode conversar, tocar música ou simplesmente dormir. A Kulturbahnhof, espaço cultural de Kassel, não se trata exatamente de um ambiente de agruras, mas ter o símbolo de uma tenda em uma estação de trem sugere exatamente o modo de socialização daqueles que estão de passagem.
Uma tenda na qual se pode entrar sem pagar oferece toda uma sorte de reflexões sobre a nossa lógica atual (capitalista) de socialização. Só interagimos se temos dinheiro, afinal. No entanto, o que não fica muito claro é como as rotas nômades foram percorridas com a van Volkswagen que acompanhou o grupo de artistas, uma vez que as rotas não tradicionais, na maior parte das vezes, carecem de local para a passagem de carros.
De modo bastante contraditório, é preciso enfatizar que a marca de automóveis Volkswagen é a patrocinadora principal da documenta este ano. O patrocínio se traduziu tanto em um alto montante reservado para a montagem da exposição, quanto para a execução de obras como a performance de Nikhail Chopra, a montagem do Parthenon de Livros, da artista argentina Marta Minujín, e o acompanhamento do artista escocês Ross Birrell, no caminho de Atenas a Kassel à cavalo, que ele ainda percorre com a obra O trânsito de Hermes. O percurso de Birrell, que começou no dia 9 de abril em Atenas, durará 100 dias.
Embora a Volkswagen já tenha apresentado o primeiro carro elétrico no ano passado, provavelmente a ser lançado em 2020, hoje a empresa alemã é a maior produtora de automóveis movidos a gasolina e diesel do mundo. Em 2015, por exemplo, a Volkswagen esteve envolvida em um escândalo após a descoberta de que os seus veículos a diesel continham um elemento que reconhecia o momento em que passava por um teste de emissão de poluentes para, somente durante os testes, diminuir essas emissões. Durante o uso cotidiano, estes automóveis superavam em até 40 vezes o limite máximo estabelecido pela legislação estadunidense para a emissão de óxido de nitrogênio.
Para um evento dedicado não só a questionar os desastres ecológicos em uma era neoliberal, mas os processos de desenvolvimento ambíguos no Sul político e econômico, o patrocínio da Volkswagen soa, para dizer o mínimo, um paradoxo. Já a obra de Chopra, apesar da perspicácia ao refletir sobre formas de socialização diferentes, poderia ser mais provocativa quanto ao modo nômade e ecológico de se locomove, se tivesse sido feita sem um Volkswagen.
BÁRBARA BURIL jornalista, mestre em Filosofia pela UFPE.
* A repórter foi a Kassel através de uma parceria entre a Continente e o Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA).