Talvez ela não tenha gostado do fato de que, dos músicos que pintam, Bob Dylan, por ser Bob Dylan, seja o mais badalado deles. Suas exposições são concorridas, divulgadas, comentadas, e, sim, também julgadas. O que alguns críticos questionam é que, se essas telas – vendidas a preços que variam entre US$ 2,5 mil e US$ 400 mil – fossem pintadas por artistas que não tivessem o peso de seu nome, receberiam a mesma atenção, despertariam algum interesse.
Duas mostras do artista – uma inspirada nas suas viagens ao Brasil, a outra à Ásia – causaram polêmica. Descritas como “diário de suas viagens”, “representações em primeira mão de pessoas, cenas de rua, arquitetura e paisagem”, foram pintadas a partir de fotografias tiradas por outras pessoas.
O crítico Michael H. Miller, no artigo The Joker to the thief: Gagosian goes electric with a show of paintings by Bob Dylan, publicado no New York Observer, apontou que uma das telas da série da Ásia, Opium, em que aparece uma mulher deitada no piso de um quarto, baseou-se numa imagem de 1915 do fotógrafo francês Léon Busy. Para ele, essa pintura, sem essa informação crucial, leva a crer que foi o próprio Dylan quem pintou a moça em uma de “suas viagens”.
“Perversidade e uma possível falta de autenticidade de lado, Opium não é uma pintura ruim, mas se quer saber quanto do seu interesse recai sobre a pessoa que faz isso e não na qualidade do próprio trabalho. Não é apenas uma representação de uma jovem mulher drogada, é uma representação de uma jovem mulher drogada feita pelo homem que escreveu Like a rolling stone”, destaca Miller, em referência à canção de Dylan, cuja letra narra a derrocada de uma mulher que está largada à própria sorte.
O crítico AD Coleman, em seu site, foi mais longe: “Conhecendo as fotografias que serviram de suas fontes (tanto na série sobre o Brasil, quanto sobre a Ásia), eu diria que não há nenhuma possibilidade de Dylan simplesmente ter olhado as fotos e, em seguida, esboçado à mão livre nas telas. A replicação dos padrões é muito exata para isso. Ou as fotos foram projetadas nas telas, e feitas dessa forma, ou as imagens foram digitalizadas, ampliadas, impressas em telas, e depois pintadas”. E compara essas telas com o traço tosco de Bob Dylan para a capa do disco da The Band, Music from the big pink, de 1968, e de seu álbum Self portrait, de 1970. É possível que ele tenha evoluído como pintor desde então?
Coleman não considera as pinturas do artista “amadoras”, como vários outros críticos chegaram a apontar. “Dada a extraordinária variedade do que o mundo da arte hoje tolera e até aplaude em termos de habilidade e estilo de representação, o termo ‘amador’ tornou-se quase problemático. Dylan alcançou um nível profissional de competência a esse respeito. Ele certamente não pode competir com uma virtuosa como a pintora britânica Jenny Saville, com a impressionante Continuum, série de desenhos e pinturas exposta paralelamente na Gagosian (em 2011).”
A mais recente investida de Bob Dylan no mundo das artes plásticas é uma enorme escultura chamada Portal. O arco de ferro estará em exibição no National Casino Porto da MGM, em Maryland, a partir do final deste ano. O cantor exibiu, pela primeira vez, esculturas de ferro na galeria Halcyon, em Londres, em 2013. Mas, de acordo com um comunicado à imprensa, esse “é o primeiro trabalho permanente da arte de Dylan para um espaço público”.
Vários outros músicos, de diversos estilos musicais, também abraçaram o mundo das artes plásticas, Dee Dee Ramone, Josh Homme, Ron Wood, Patti Smith, Miles Davis, David Bowie, Paul McCartney e Kurt Cobain. Alguns deles conseguiram bom retorno financeiro, como Pete Doherty (Libertines) – cujo quadro mais famoso, Ladylike, traz, entre as tintas, o sangue de Amy Winehouse, e foi, em 2012, vendido por 35 mil euros – e Marilyn Manson, que começou a vender suas telas para traficantes e, a partir de 2002, passou a expor em galerias de arte na Alemanha, França e Áustria.
DESENHOS DE LENNON
John Lennon é um caso ímpar na relação entre música e artes plásticas, seu trabalho como artista visual ficou bem mais conhecido após sua morte em 1980. Ligado ao desenho desde a infância, chegando a estudar no Liverpool Art Institute entre 1957 e 1960, o beatle mergulhou nas artes plásticas nos últimos cinco anos de vida, período em que não lançou nenhum álbum. Depois de seu assassinato, o lançamento de produtos como o documentário Imagine, com o famoso autorretrato em rabiscos, a caixa John Lennon Anthology, repleta de desenhos lúdicos, e o livro Skywriting by word of mouth (1987), com ilustrações suas, ajudaram a projetar seu estilo como desenhista.
Para comprovar a força de seu nome, seus trabalhos estão expostos em 44 galerias nos Estados Unidos. A Pacific Edge Gallery, responsável pela divulgação de sua obra, já produziu mais de 100 exposições suas nos EUA e Canadá – a primeira delas ocorreu em 1988. Litografias foram doadas à coleção permanente do Museum of Modern Art (MoMA) e a coleção gráfica já viajou pelos Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Itália, Japão, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Hong Kong e Filipinas.
“Em sua vida, John Lennon, o artista, permaneceu um outsider no mundo das artes, em grande parte por sua fama como um beatle, e ele era visto pelo mundo como resultado disso. Pensando bem, isso foi uma sorte, no sentido de que permitiu aos seus trabalhos que mantivessem sua pureza, livres de comentários e ‘sugestões’ de críticos e marchands. Ele manteve seu estilo único, intocado por modismos. John fez seus desenhos com inspiração e rapidez, muito parecido com a forma que criava suas músicas. Era óbvio que havia uma forte, inata necessidade para que continuasse a criar esses trabalhos. Na maior parte do tempo, seus desenhos refletiam seu ânimo. Apesar de que, uma vez, quando John estava de mau humor, olhei sobre seu ombro e vi que estava desenhando algo muito engraçado. Outra vez, John estava alegre, fazendo um desenho sombrio. Apenas ele faria isso, pensei. Era como se estivesse usando o ato de desenhar para equilibrar e unir suas duas mentes – uma, sombria e pessimista, e a outra, alegre e otimista. Ao lado de seu violão, o papel e a caneta pareciam ter servido como ferramentas ideais para expressar as complexas emoções de John”, analisa sua viúva, a artista Yoko Ono, no site que mantém para divulgar a obra visual do marido e parceiro.
“Agora, não existe dificuldade em encontrar galerias para exibir seu trabalho de arte. Alguns de seus trabalhos se tornaram até parte das coleções de grandes museus. Imagino o que John teria pensado de tudo isso. Provavelmente teria aceitado, com seu típico humor irônico.”
Tão irônico quanto o leilão por U$ 1,3 milhão, em 2013, de um pedaço de um muro roubado. Apenas porque tinha um grafite de Banksy.