Ainda no Brasil, fui apresentado ao documentário Atravessando a ponte – O som de Istambul, do diretor alemão, filho de pais turcos, Fatih Akin. No filme, Alexander Hacke, integrante da banda alemã Einstürzende Neubauten, investiga a 5ª cidade mais populosa do mundo em busca da diversidade de sua música. Mais do que uma seleção dos sons produzidos em Istambul, o documentário tem a capacidade de reforçar o interesse por uma cidade complexa, que se apresenta de diferentes e aparentemente contraditórias maneiras.
O documentário de Akin encanta ao retratar a maneira como Istambul produz e consome música em uma amplitude de estilos admirável. As influências ocidentais, a presença da população cigana, os conflitos com a comunidade curda, a proximidade com a Grécia e inúmeras outras variáveis que participam da construção de um contexto musical exuberante.
Ao andar pela região de Taksim – considerada o coração do lado ocidental e famosa por suas opções de compras e diversões –, fui atraído pela diversidade de estilos musicais presentes nas ruas. Distantes entre si por menos de 20m, produziam uma trilha sonora ora conflitante – uma vez que em alguns locais se escutava mais de um som ao mesmo tempo –, ora solitária, mas sempre agradável.
Os sons atraem os ouvidos por sua peculiaridade e, no caso de boa parte dos turistas, por sua estranheza ao padrão ocidental. Cítaras, alaúdes, clarinetes e instrumentos de percussão são os mais frequentemente utilizados, numa tentativa de referenciar os diferentes estilos da sonoridade turca e árabe e refletir um amplo espectro de culturas.
Pairava uma forte impressão de que a existência de tais artistas era relativamente estranha à cidade. Nesse ponto, optei por investigar os músicos de rua em seus diferentes estilos, composições, uso de instrumentos e respostas do público. Os espectadores, diferentemente do que esperava, eram em sua maior parte os próprios moradores de Istambul, que se detinham diante das pequenas aglomerações e seus sons. Não raro, filmavam e fotografavam com seus celulares, gesto repetido por turistas.
Os músicos se apresentavam por dinheiro, mas evidenciavam interesse pelo contato com o público e pelos aplausos. A performance, com duas horas de duração, de dois ingleses e um turco, que viajavam pelo Oriente Médio de bicicleta, rendeu ao trio o equivalente a R$ 420. Aqueles que atraíam menor atenção precisavam trabalhar por mais tempo.
Depois da apresentação do trio, fui convidado por eles para assistir ao show de um dos artistas registrados no documentário de Fatih Akin. Acompanhado por outros quatro músicos ciganos, o clarinetista Selim Sezler se apresentava no sétimo e último andar de um prédio, enquanto era filmado por dois cinegrafistas australianos.
Minha presença em Istambul se justificava no desenvolvimento de um ensaio fotográfico sobre os músicos locais, mas, em alguns momentos, a tarefa de fotografar esses personagens se mostrava frustrante: o que ouvia era muito maior do que aquilo que conseguia registrar visualmente. A sensação se repetiu, até que percebi que o registro seria mais eloquente quanto mais singelo – ou sincero – fosse.
Istambul é uma cidade capaz de mobilizar seus visitantes por todo o tempo que estiverem dispostos a conhecê-la. Parte dessa atração vem de sua exuberância musical, seja nas ruas ou em espaços fechados. Reservar-lhe menos de cinco dias oferece o risco de não se ir além de uma percepção superficial, colocando-a no mesmo patamar de muitas outras cidades com forte apelo turístico.
É com mais tempo que se desvelam as questões que fazem da antiga Constantinopla uma cidade singular. Mais do que sua arquitetura, seu perfil cravejado de mesquitas e minaretes ou seus mercados, é o efeito que a história da cidade tem em seus habitantes que constrói o eixo de sua personalidade. É preciso andar para além das ruas principais, explorando os pequenos becos, os bairros residenciais, a rotina de seus moradores e deixar-se conduzir por seus peculiares sons.
FERNANDO LARA, diretor de comunicação da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.