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A crítica discute a renovação

Diante do processo de reinvenção do cinema nacional, especialistas refletem sobre questões cruciais para a produção independente

TEXTO Luiz Joaquim

01 de Maio de 2011

Festival que acontece na cidade mineira de Tiradentes tem se notabilizado por se constituir num espaço de reflexão

Festival que acontece na cidade mineira de Tiradentes tem se notabilizado por se constituir num espaço de reflexão

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado às reportagem de "Claquete" | ed. 125 | maio 2011]

Felipe Bragança é celebrado por suas análises
fílmicas publicadas, antes, na revista eletrônica Contracampo e, posteriormente, na Cinética. Depois, teve sua carreira marcada pelas realizações que já somam a direção de três longas-metragens (dois deles, A fuga da mulher-gorila e A alegria, coassinados com Marina Meliande; e um, Desassossego, fruto de um coletivo experimental). Em março, Felipe publicou na coluna Prosa e Verso, de O Globo, o artigo Meu último texto de cinema, que originaria uma polêmica no meio cinematográfico, sobretudo com Carlos Alberto Mattos e Filipe Furtado.

No artigo, Bragança contextualiza o cinema brasileiro da época em que criou seus primeiros textos, em 2000, dizendo que “fora do Brasil, Walter Salles e Fernando Meirelles apareciam como os dois únicos do cinema brasileiro de ficção a conseguir uma aura em torno de seus filmes”, para, na sequência, anunciar seu desejo: “que entre o humanismo polido de Salles e o espetáculo habilidoso de Meirelles pudesse emergir outra forma, uma derivação mais arriscada e afiada de cinema que nos ampliasse esteticamente o horizonte”.

Felipe cita Abbas Kiarostami, Tsai Ming-Liang e Manoel de Oliveira como nomes obrigatórios de encantamento e descreve o anseio de ver “aquelas questões cênicas, de luz, de tempo e de montagem ecoarem ou serem digeridas pelos longas realizados no Brasil”. Mas, desde 2006, diz o crítico, “aquela velha agenda da ‘renovação de linguagem’ do cinema brasileiro começou a sair da teoria da cinefilia alternativa e se expressar em filmes”.

Mais adiante, pondera: “Pela primeira vez, em 20 anos, talvez a crítica brasileira – a independente e a de grandes meios – tenha que se ver diante do desafio de não mais propor agendas geracionais no deserto, mas descer para acompanhar e comentar e destrinchar os filmes e suas inter-relações geracionais sem a obsessiva fixação pelo ‘cinema contemporâneo’ internacional como único oásis no horizonte, ou, nos anos 1970, como nosso maio de 1968”. Para daí constatar: “Estamos diante de um processo de longa transformação, de reinvenção do cinema brasileiro – ainda que não se dê de maneira homogênea entre os diferentes realizadores (ou críticos) dessa ‘geração’”.

Uma semana depois, Carlos Alberto Mattos, em seu blog ...rastros de carmattos, publica Menos silêncio, por favor..., no qual questiona com veemência não apenas os pontos colocados por Bragança, como a própria validade de alguns filmes dessa já famigerada “nova geração”. Mattos diz que o artigo do colega pede para ser lido “como peça política de um movimento que se autointitula de ‘reinvenção do cinema brasileiro’”, e que apesar das “muitas novidades por aí, é necessário não confundir manifesto com panegíricos”.


Diretor Felipe Bragança, também conhecido como crítico, desencadeou polêmica pela publicação do artigo Meu último texto de cinema. Foto: Divulgação

Diz que Bragança, para elevar os chamados novíssimos, rebaixa os que os antecedem. Destaca que, exceto por certos trabalhos pernambucanos, pelos recentes longas do Alumbramento (Ceará) e alguns mineiros, “são poucos os filmes aptos a ultrapassar o filó de uma certa patota e a curiosidade prospectiva de alguns festivais internacionais”.

Lembra também a Mostra de Tiradentes como “frequentemente citada como ‘prova’ de sucesso... Mas, sem contar as comuns debandadas em meio à projeção, muita gente sai rindo dos filmes e fazendo comentários bem distantes do que os seus diretores gostariam de ouvir”.

E é duro ao descrever que “há uma síndrome de autocontentamento com o filme barato e sem rumo. Uma espécie de masturbação coletiva acompanha os intercâmbios de talentos entre grupos e estados da federação”. E que “as realizações dos críticos-cineastas, praticamente sem exceção, têm naufragado num misto de pretensão, infantilismo intelectual, umbiguismo cool e referencialismo blasé. Elas se somam a um panorama de cinefilia e filosofia maldigeridas, transformadas em filmes abúlicos”.

Mais uma semana à frente, e o crítico e realizador Filipe Furtado relativiza os dois textos com o seu artigo É, acho que a publicidade venceu..., postado no seu blog Anotações de um cinéfilo. Furtado chama de indulgente o artigo de Mattos, e de tão ideológico quanto o de Bragança. Ele explica que se Bragança olha com desconfiança o deslumbramento com o “cinema contemporâneo”, o de Mattos mostra “uma certa fobia do mesmo”.

E diz: “O que (Mattos) sugere é que esses filmes do tal novíssimo cinema brasileiro foram até hoje festejados por uma suposta rede de proteção, seriam filmes intocáveis, em suma”. E resume assim: “O discurso pró-ordem estabelecida do Carlos Alberto Mattos e o discurso radical da Contracampo se encontram na mesma recusa aos ‘novíssimos’, vistos por sina sob o mesmo olhar generalizante”. Ao final, Furtado nos conclama a falar mais dos filmes e menos dos manifestos e contramanifestos. 

LUIZ JOAQUIM, crítico de cinema, mestre em Comunicação e curador do Cinema da Fundaj.

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