Entrevista

“O homem não é mais o centro do mundo”

O professor e pesquisador Vincenzo Susca traz argumentos sobre a cultura contemporânea, que não pode ser mais vista a partir da centralidade ideológica no ser humano

TEXTO Olívia Mindêlo

05 de Maio de 2020

O sociólogo italiano Vincenzo Susca

O sociólogo italiano Vincenzo Susca

Foto Massimo Maggipinto/Divulgação

Em outubro do ano passado, o sociólogo Vincenzo Susca veio ao Brasil para lançar um livro e ministrar, no Recife, o minicurso Mídia e imaginário: do século XVIII às redes sociais. No início da sua aula, realizada na Universidade Federal de Pernambuco, o pesquisador e professor italiano foi logo falando em crise e decadência. O novo coronavírus ainda nem era notícia quando isso aconteceu e ele já estava citando Nietzsche: “É preciso saber viver em decadência. Eu venho de um lugar que está em decadência há 1.500 anos”, brincou, sério.

Atualmente professor associado de Sociologia Imaginária na Universidade de Paul-Valéry 3 (Montpellier, França), Vincenzo é um desses intelectuais inquietos, cheios de referências culturais e que se arvoram a estudar uma área tão ampla quanto complexa: a cultura contemporânea e sua relação com a política, os meios digitais, as emoções, a pornografia. Acadêmico incansável e amante da música eletrônica e do cinema, tem vários livros publicados, alguns traduzidos para o português, com edições brasileiras, como o recente As afinidades conectivas: para compreender a cultura digital (2019). Além deles, o Pornocultura: viagem ao fundo da carne (junto a Claudia Attimonelli, 2017) e o Nos limites do imaginário: o governador Schwarzenegger e os telepopulistas (2006), todos pela Editora Sulina. Afora isso, na internet, é possível ter acesso a artigos seus em nosso idioma e navegar por exemplares da revista acadêmica Le Cahiers Européens de l’Imaginaire, que ele dirige com Michaël Dandrieux (acesse aqui), e que está disponível em francês e inglês, com artigos relacionados a temas de atual interesse das Ciências Humanas, como o fake, a viagem, a rua, o amor.

Entre os fundamentos do pensamento de Vincenzo Susca, que trafega por Sociologia, Antropologia, Filosofia, História e Comunicação, está a nossa condição contemporânea de pós-humanos, ou melhor, de pós-humanistas, pois, para ele, “o homem não é mais o centro do mundo”, embora reconheça que parte da elite e das figuras de poder ainda pense como em tempos atrás. “Somos obrigados a entender que não somos o centro do mundo. E, com frequência, existem as catástrofes ecológicas que nos obrigam a compreender esse ponto, embora ainda existam muitas pessoas que pensem estar no mesmo lugar de anos atrás”, diz nesta entrevista à Continente.

Pensando ou não, é preciso, segundo ele, compreender este momento que vai deixando para trás o foco no racionalismo e passando a ser governado pelas emoções, que são o substrato das nossas relações atuais, sobretudo no que concerne às mídias digitais. “A gente agora está na era da emoção pública”, afirma Vincenzo, procurando mostrar por que não podemos mais trabalhar com a ideia de opinião pública, dentro dos parâmetros da racionalidade ocidental.

Ao fim do minicurso no Recife, ele topou conversar com a Continente sobre suas reflexões, seus temas de estudo e sobre a atualidade. Aqui, trazemos o resultado dessa conversa que aconteceu numa mesa de bar, em um broken English de ambas as partes. Nada mais contemporâneo do que o meio e a mensagem aqui postos.

CONTINENTE Sabemos que você tem interesse por estudar vários assuntos. Mas posso dizer que você é, no geral, um estudioso da cultura contemporânea?
VINCENZO SUSCA Sim, você pode. Você pode, mas, quando eu estudo a cultura contemporânea, para mim não existe cultura contemporânea sem tentar pesquisar ou buscar uma arqueologia.

CONTINENTE Então, o que é ser um ser humano contemporâneo?
VINCENZO SUSCA (Risos) No Recife, todas as pessoas fazem perguntas inteligentes? Não estou acostumado a isso. Na Europa, as pessoas fazem perguntas muito estúpidas... Para mim, ser humano agora é um passo atrás. O homem não é mais o centro do mundo. Na cultura ocidental, utilizamos a ideia, o fato de que o homem é o centro do mundo. Mas existem cachorros, objetos e o meio ambiente. Para mim, o ser humano está descentralizado. E todo o passo do ser humano se torna o centro, e nós somos os caminhantes. Para mim, essa é a condição pós-humana, em que o homem não é o centro, é uma parte elementar do mundo. Não é mais alguém que faz algo, que pratica a ação, mas que depende de outro. Dependemos da Terra, do meio ambiente, do social.

CONTINENTE Não estaríamos antes vivendo uma ilusão, então? Porque a impressão é a de que sempre dependemos um do outro, de uma rede.
VINCENZO SUSCA Então, eu poderia dizer que não existiu uma ilusão, mas uma ideologia, um programa político para transformar o outro em objeto. Essa foi a grande ideia da modernidade. Essa ideologia nos trouxe uma distração do meio ambiente.

CONTINENTE E agora sofremos as consequências.
VINCENZO SUSCA Exatamente.

CONTINENTE Você falou que estamos numa condição pós-humana, parte da contemporaneidade. Mas parece que estamos vivendo num paradoxo, pois algumas estruturas da modernidade persistem e o homem parece ainda se achar o centro do mundo. Como podemos solucionar isso, pensar sobre isso? A impressão é de que seja mais uma transição.
VINCENZO SUSCA Entendo seu ponto e concordo com você. Pessoas com muito poder, pessoas da elite ainda pensam que o homem pode ser o centro da história. E mesmo a ideologia do “capitalismo verde”. Por exemplo, na França, existe um movimento que é o Decreasence Hereuse, algo como o “decrescimento econômico feliz”. Uma forma de não focarmos no crescimento econômico, mas em fazer atividades de uma forma feliz. Então, nós somos obrigados a entender que não somos o centro do mundo. E, com frequência, existem as catástrofes ecológicas que nos obrigam a entender esse ponto, embora ainda existam muitas pessoas que pensem estar no mesmo lugar de anos atrás.

CONTINENTE A História é um estado mental?
VINCENZO SUSCA Sim, acho que sim. E nós temos que começar a pensar de uma forma diferente. Estamos sendo convidados a ter uma certa humildade. Isso significa reconhecer que existe algo mais forte e maior do que a gente.

CONTINENTE E sobre essa condição pós-humana? O que seria exatamente?
VINCENZO SUSCA Eu prefiro falar sobre uma condição pós-humanista, e o pós-humanismo significa exatamente que o homem não é mais o centro do mundo. Já o conceito de pós-humano, acredito, supõe a superação do humano, enquanto que o pós-humanismo sugere que superamos o humanismo, que o ser humano está ainda aqui de uma maneira pós-humanista.


Obras de Vincenzo Susca editadas no Brasil

CONTINENTE E qual o papel da emoção nesse contexto?
VINCENZO SUSCA Acho que ontem (durante a aula que deu no Recife, na UFPE, no final de outubro de 2019), eu falei sobre isso. Não existe mais opinião pública, no sentido de os indivíduos pensarem coletivamente, experienciando juntos uma racionalidade para tentar refletir sobre as questões do mundo. A gente agora está na era da emoção pública, que não é mais um período no qual a racionalidade governa os sentidos, mas a era em que os sentidos governam a racionalidade. As emoções, as paixões, os sentimentos. E não acho que isso faz com que seja uma era estúpida. O grande problema da esquerda tradicional, por exemplo, é ter pensado que a questão emocional significa sempre populismo, algo de ruim. A esquerda tem que passar a pensar que a emoção é a racionalidade. Se a esquerda começar a compreender a racionalidade das emoções, alguma coisa pode mudar. De outra forma, oferece à direita a grande dádiva das pessoas.

CONTINENTE Observando, nesse sentido, essa onda de extrema direita no mundo, então.
VINCENZO SUSCA Não é só a extrema direita, mas todos os populistas que entendem o “estômago” das pessoas, a linguagem das emoções. Eles podem fazer isso porque a esquerda está muito cansada com a cultura alfabética, o esteio da racionalidade. Já a cultura eletrônica está do lado das emoções. Se não entendermos que estamos mudando, trocando, damos à direita o trunfo nas relações. Nas últimas eleições no Brasil, vi que amigos de esquerda do Rio de Janeiro levaram um livro para as eleições, mostrando que eles eram inteligentes, não bárbaros. Mas não acho que seja uma boa forma de estigmatizar quem é ignorante.

CONTINENTE Você tem ideias de como a esquerda possa fazer a coisa certa?
VINCENZO SUSCA Não, não sou nenhum... (risos). Mas entendendo a linguagem das emoções, é fácil, só que você não deve ser esnobe, não ser uma esquerda caviar, esse é o problema. Eu escrevo e leio livros, mas não acho que a cultura da internet é só para os bárbaros. Existiu uma pessoa que entendeu isso, o primeiro presidente da cultura digital, esse foi Obama e ele é americano, num país em que não podemos perguntar se alguém é comunista, homossexual (risos)! Acho que ele entendeu algo que podemos aprender.

CONTINENTE Você falou sobre escrever e ler livros nessa era das emoções públicas e defende que estamos numa era pós-humanista. Você é professor universitário na França, com formação europeia ocidental. Penso que você seja um humanista. Como resolver esse paradoxo?
VINCENZO SUSCA Sim, eu sou. É um paradoxo interessante. Pensando em Marshall McLuhan, no livro A galáxia de Gutenberg (1962), ele disse que temos que entender a cultura eletrônica, mesmo que ele a detestasse. Existe uma diferença entre entender essa cultura e ser completamente à parte dessa cultura. Eu acho que eu realmente gosto da cultura alfabética e não acho que seja o fim. Acho que A galáxia de Gutenberg agora não é mais o centro, funciona do mesmo jeito que o vinil para música. É exatamente a mesma coisa. Ainda existe alguma importância no livro, mas ela é cada vez mais transferida para a centralidade da cultura eletrônica. E nós temos que encontrar essa relação entre o livro e a cultura eletrônica. A cultura eletrônica é um tipo de hibridização entre a cultura escrita e a cultura oral, colocando no centro a cultura oral. A hierarquia entre a palavra e a carne, ou a palavra e o corpo, está se invertendo. A cultura digital transforma o corpo na mensagem, o corpo é a mensagem. E eu acho que os emoticons são a linguagem do corpo tornando-se linguagem em si e substituindo a própria língua. Mas não é o fim da cultura escrita; nesse contexto, podemos dizer que é o intervalo entre você e eu. É a possibilidade de não estar, a toda hora e em todo lugar, perto do outro, mas aquilo que faz a separação entre você e eu, entre mim e o sistema de objetos. A abstração e a individualização, ou seja, a cultura escrita. Já a cultura eletrônica é a confusão e a empatia, mas mesmo nela permanecem o intervalo e a distância entre mim e você, entre você e o objeto. Quando você me manda uma mensagem pelo Telegram ou pelo WhatsApp, existe uma diferença de quando você me manda uma carta. Quando estamos conectados, estamos mais próximos. O ponto de interesse em A galáxia de Gutenberg é a distância entre mim e você. O indivíduo nunca vai morrer até onde existir uma pequena distância entre mim e você, mesmo na orgia, porque há momentos em que você só observa, não participa da relação. 

CONTINENTE Falando em WhatsApp e em expressar emoção de uma maneira digital, o que significa esse espaço das redes sociais do ponto de vista sociológico?
VINCENZO SUSCA Para mim, é o espaço de estar junto, estar sozinho, estar sendo transformado. É o espaço real onde estamos experimentando nossa mutação, nossa mutação antropológica. E também, em partes, a maneira de estar aqui e agora. É um espaço que nos ensina uma forma de compartilhar a vida e estar próximo do outro.

CONTINENTE Você acredita que ficamos mais próximos?
VINCENZO SUSCA Acredito que ficamos mais próximos de uma forma obscena.

CONTINENTE Fale mais sobre isso, sobre pornografia, erotismo, obscenidade nesse contexto, temas presentes em um de seus livros.
VINCENZO SUSCA Talvez estejamos muito próximos agora. Tem uma professora americana, o nome dela é Sherry Turkle, que tem um livro chamado Alone together, em que ela faz uma provocação, dizendo que, na cultura digital, nós estamos juntos sozinhos. Acho que isso não é muito inteligente, porque nós estamos sempre sozinhos juntos, mesmo antes das redes sociais, mesmo quando eu danço em uma festa eletrônica, estou sozinho junto. Tem sempre um momento em que estou sozinho em minha mente. É a tragédia do estar junto. Estar junto é uma grande ilusão, porque estamos sempre sozinhos, mesmo que apaixonados por alguém.

CONTINENTE Estar sozinho também não seria uma ilusão, tanto quanto estar junto?
VINCENZO SUSCA Ah! Tudo é ilusão, mesmo a realidade (risos). Mas, ao contrário da nossa tradição, esse tipo de mídia nos coloca muito, muito próximos. E, da mesma forma, estamos sempre sozinhos, mesmo se próximos. Por exemplo, agora estou conversando contigo e só pensando em jantar daqui a pouco. E você pensando em ver seus amigos mais tarde.

CONTINENTE Me desculpe, espero não estar incomodando.
VINCENZO SUSCA Não, de forma alguma, é um prazer! Mas é uma forma de dizer que a ideia de comunidade é uma ilusão.

CONTINENTE Bem, então gostaria de entender a parte do prazer, da cultura pornô da qual estávamos falando.
VINCENZO SUSCA Para mim, a cultura pornô é a expressão mais sincera da cultura digital, não a mais bonita, talvez, mas a que expressa a dor e o prazer da carne. Uma maneira de ter orgasmo, mas sofrendo sem a presença do outro. Uma forma violenta. Uma forma de proximidade com sofrimento e prazer.


Imagem: Vyacheslav Argenberg/Commons.Wikipedia

CONTINENTE Você é um hedonista, Vincenzo?
VINCENZO SUSCA Eu escrevi um livro há 10 anos chamado Joie tragique, ou Tragic joy. A alegria trágica é a nossa condição contemporânea. Então, o hedonismo real significa também se perder, não é o prazer que é fácil, é o prazer que é burguês. O real hedonismo é trágico, é a festa eletrônica, a cultura pornô, quando você se perde. Como Daft Punk, em sua música, muito bonita, Lose yourself to dance. Porque você se dá algo.

CONTINENTE Então existe uma diferença entre o hedonismo e o prazer?
VINCENZO SUSCA Sim, uma grande diferença. Para mim, o prazer interessado é um prazer em que você se arrisca. Não é um prazer controlado.

CONTINENTE É por isso que você ama a música eletrônica?
VINCENZO SUSCA Sim, é por isso, e porque eu entendo isso como um laboratório do pós-humanismo. E eu não sou como meus amigos, porque meus amigos, em Berlim, vão numa dessas festas uma vez por semana. Gostaria de fazer isso, mas não posso.

CONTINENTE O que você pensa sobre o Brasil e outros países, digamos, marginais no mundo, pensando nessa ideia de prazer, de dança?
VINCENZO SUSCA Eu não me sinto muito confortável para falar sobre o Brasil, porque não conheço vocês muito bem. Eu não estudei a história de vocês, estou aqui como um turista. Mas posso entender, posso sentir e dizer que o país de vocês é o mais importante do mundo no que diz respeito à relação entre prazer e sofrimento. A alegria tem seu sacrifício. É o país da cultura da escravidão, que tem a sabedoria de transformar aquilo que é obrigado a fazer em algo que possa gerar um pequeno prazer. A sabedoria do escravo é tomar a vida como ela é. E, para mim, isso soa extremamente importante hoje em dia, nessa era de alienação e exploração. Temos que aprender muito com os povos descendentes dos escravizados. Eis porque falo de Carnaval, porque também acho que a cultura no Brasil é um laboratório para o futuro. Para o melhor e para o pior. Tem o Carnaval e tem Bolsonaro. Mas eu não sou um expert na cultura brasileira.

CONTINENTE O que você diz tem algum sentido.
VINCENZO SUSCA Bem, mas penso também que exista uma grande diferença entre o populismo de vocês e o nosso. Mesmo entre Bolsonaro e Berlusconi existe diferença. Berlusconi nunca poderia matar pessoas. Em nosso país (Itália), todas as classes políticas têm que rechaçar o fascismo. E eu sei que no Brasil teve ditadura, mas tem gente que diz que não foi tão ruim assim. Na Europa, isso é impossível. Porque, se você diz algo similar, como na extrema direita na França, jamais terá poder. Jamais.

CONTINENTE Você já veio ao Brasil muitas vezes? Se sim, quais suas impressões ao longo desse tempo?
VINCENZO SUSCA Tem uma coisa que acho bem interessante. Eu venho ao Brasil desde 2008, há 11 anos. E então, a cada ano, estive pelo menos uma vez no Brasil. E eu tenho que dizer que, no governo Lula, existia algo mais leve na cultura underground. A resistência era suave, digamos assim. Existia uma espécie de “aburguesamento”. Então, eu nunca dancei no Rio de Janeiro como agora, após a eleição de Bolsonaro. Eu achei a Gruta, que é um espaço underground de música eletrônica no Rio, bastante diferente. Acho que pode ser uma vantagem quando a extrema direita governa, porque as pessoas podem expressar sua ira. Quando a esquerda está no poder, tenho a impressão de que isso é mais leve. Falo da resistência. Agora nós temos a oportunidade de expressar. Eu gosto de Lula, fez coisas importantes e boas, mas, no final, havia muitos comprometimentos.

CONTINENTE E como está a França em relação a essas questões políticas?
VINCENZO SUSCA Difícil. Na Europa, vivemos um momento difícil, porque agora temos que preferir a esquerda capitalista. (Emmanuel) Macron (presidente da França), (Matteo) Renzi (ex-primeiro ministro da Itália). Os menos ruins. Então, isso é um problema, porque nós temos que dizer que Macron é bom, mas ele não é bom. 


Claudia Attimonelli divide com Vincenzo Susca a autoria do livro Ponocultura: Viagem ao fundo da carne. Foto: Mauro Bellesa/Divulgação

CONTINENTE Voltando a abordar esse conflito entre emoção e razão relacionado ao pensamento ocidental. Podemos dizer que ele esteve presente desde muito cedo na história da modernidade, com movimentos como o Romantismo, depois o Modernismo. Qual a diferença entre esses conflitos iniciais, que atacavam o projeto iluminista racional, em defesa da subjetividade, e agora, a partir dessa concepção pós-humanista, quando as emoções emergem como um ponto central novamente?
VINCENZO SUSCA Eu só penso que estamos atualizando o que o Romantismo ofereceu no início. E, agora, com o poder da linguagem, a ideia do Romantismo é atualizada. Começou dois séculos antes e está sendo realizada agora, com a grande diferença de que nós podemos falar de pós-Romantismo no concerne a todo mundo, não só à elite, não só Schiller, Goethe, os escritores. No pós-Romantismo, todo mundo está envolvido nesse processo, não apenas os poetas.

CONTINENTE Mas é interessante, porque, no Romantismo, os livros foram popularizados.
VINCENZO SUSCA Os livros, àquela época, eram úteis para educar pessoas. Agora, com a emoção pública, não tem esse tipo de educação. Existe o prazer, isso que está no centro da cena.

CONTINENTE Lá no início desta conversa, você falou sobre estarmos dando um passo atrás, referindo-se a esse momento agora. Por quê? Como se voltássemos ao momento anterior do antropocentrismo?
VINCENZO SUSCA Sim, porque o homem não é mais o centro do mundo, mas estou falando de arqueofuturismo. Para mim, é a nossa condição. Nós pegamos alguma coisa que vem da nossa arqueologia, do lado animal, das emoções e vamos para a condição pós-humana. Arqueofuturismo: alguma coisa como King Kong na máquina, as duas coisas juntas.

CONTINENTE Existe uma batalha entre corpo e máquina?
VINCENZO SUSCA Não, existe uma diferença entre hoje e ontem. Não existe, como em Blade runner, o primeiro filme, uma fronteira entre a máquina e o homem. A ficção científica, até os anos 1990, a exemplo de Robocop, Exterminador do futuro e o próprio Blade runner, falava da diferença entre homem e máquina. E agora homem e máquina se confundem, não sabemos mais onde começa a máquina e termina o homem.

CONTINENTE Temos que pensar sobre isso.
VINCENZO SUSCA Temos que experimentar isso. Somos todos ciborgues, mas não sabemos mais quando e onde nos tornamos seres ciborgues, ou deixamos de ser humanos.

CONTINENTE E qual você acha que é o papel da arte diante disso tudo?
VINCENZO SUSCA O papel da arte é absolutamente secundário, pensando as belas artes. O que é interessante é a arte pública, é a arte se tornar pública contra a Arte. Importante é a transformação da vida em arte.

CONTINENTE Você fala em arte contemporânea?
VINCENZO SUSCA Não, não estou falando de arte contemporânea. Mas da nossa forma de nos transformarmos em arte. Mesmo assim, eu tenho que dizer que gosto da arte contemporânea e o que é interessante é a sua relação com o corpo, a festa, a máquina, o video game. Há uma semana, estive na Bienal de Veneza, onde existe algo de muito performático, teatral, então eu gosto da arte contemporânea, porque é próxima da vida. Mas não é mais a arte sagrada; o que é sagrada é a carne.

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Extra:
Leia o artigo A tecnomagia e o cotidiano – Sociologia da emoção pública

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OLÍVIA MINDÊLO, jornalista, editora da Continente Online, com mestrado em Sociologia.

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