Depoimento

A respeito de tornar-se ponte

TEXTO Laura Tamiana

04 de Março de 2020

Dança e música como viés do encontro, em um dos momentos compartilhados com mulheres do vilarejo

Dança e música como viés do encontro, em um dos momentos compartilhados com mulheres do vilarejo

Foto Projeto Retrato: Substantivo Feminino/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 231 | março de 2020]

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Ouolonkoto é um vilarejo do Burkina Faso, país do oeste da África. Quando os meus pés tocaram suas terras pela primeira vez, eu já tinha estado lá duas outras vezes.

A primeira, foi nas palavras de um contador de histórias. Eu estava numa cadeira, em um teatro, em Recife, e vi suas palavras pegarem avião, estradas, caminhos… até me deixarem lá, aos pés de uma grande árvore, onde os mais velhos e as mais velhas contam histórias a quem quiser ouvir. Meus ouvidos quiseram…

Fui logo depois uma segunda vez, enquanto dormia. Num sonho, eu, rodeada de mulheres do vilarejo. Elas mexiam no meu cabelo, queriam cortá-lo curtinho. Eu hesitava um pouco, mas, de repente, percebia que todas tinham o cabelo curto. Era como uma iniciação, um acolhimento. Um ritual de pertencimento, que me deixou cheia de confiança e alegria.

Essa era, então, a terceira vez. Pelo menos, das que eu me lembre… Eu vinha chegando, subindo e descendo ladeiras de um caminho de terra, ladeado de cajueiros e outras árvores e arbustos. Ouolonkoto, na língua senufo, falada pelo povo do lugar – e uma das 65 línguas do Burkina –, quer dizer no oco, no côncavo, no vale, porque o vilarejo é rodeado de colinas. Para pegar esse caminho, já tínhamos rodado cerca de duas horas a partir da cidade de Bobo-Dioulasso, segunda maior cidade e capital cultural do Burkina Faso.

Quem me conduzia era o François, esse mesmo contador de histórias que tinha me levado até lá pelas suas palavras, alguns meses antes. Dessa vez, me levava de carro. Era início de 2018 e já fazia quase 40 dias que ele me recebia em seu país. Tinha chegado, enfim, a hora mais esperada pra mim, a de ir conhecer a terra dos seus, o vilarejo de origem da sua mãe, Fatoumata. O vilarejo de onde vêm suas histórias.

Lá chegamos. Entramos pela rua principal, continuidade da estrada. Uma rua larga de terra avermelhada. De um lado e de outro nos saudavam as pessoas, que primeiro reconheciam curiosas um carro vindo de fora e depois reconheciam alegres o François. Filho do vilarejo que nasceu e cresceu na cidade grande. Na beira da rua, alguns bares, algumas vendas… Animais, bicicletas, motos… Muitas crianças brincando. Um pouco mais adiante, chegamos ao bairro onde vive sua família, os Coulibaly. Estacionamos o carro debaixo de uma árvore e as crianças rapidamente vieram nos receber. Sempre numerosas. Sempre receptivas. Sempre curiosas. Sempre na escuta. Por detrás das árvores se revelavam as casas, a maioria ainda do tipo tradicional, redondas, pequeninas, de terra, com tetos de palha. E outras já quadradas, de blocos de cimento e telhas.

Tudo tão diferente… e, ao mesmo tempo, não. Despreocupado de aquilo tudo parecer tão novo para o meu olhar, meu coração vibrava numa frequência de quem chegava em casa. De lágrimas nos olhos passei boa parte do tempo dessa visita.

Caminhamos acompanhados pelas crianças até a área das casas. Fomos saudados por alguns primos, que nos levaram até a tenda central. Uma tenda de teto baixo, “pra entrar em reverência”, me disse o François. Lugar de descanso, de encontro. Lá, fui apresentada e saudamos os tios, os mais velhos da família. Depois de algum tempo de conversa, era a hora de irmos ao encontro de mulheres oleiras e griôs do vilarejo.


A caminho de onde as mulheres griôs e oleiras vão fazer, juntas, a queima dos seus potes.
Foto: Laura Tamiana



Crianças da família Coulibaly em um momento de preparo da manteiga de carité
(no caldeirão, ao fundo). Foto: Projeto Retrato: Substantivo Feminino/Divulgação

INICIAÇÃO
Mas essa história começa mesmo com o convite do Fabio Pascoal, diretor do Festival de Teatro do Agreste – Feteag, para que eu traduzisse em cena um artista contador do Burkina Faso que ele estava trazendo para Pernambuco. Bem, como toda história, tem muitos outros começos possíveis antes desse. Mas o fato é que esse convite, inesperado, foi como uma pedra certeira jogada no lago!

“Traduzir em cena?! Mas não sou atriz, nem contadora de histórias, nem tradutora… Como vou traduzi-lo em cena?!”

“Só vejo você”, me dizia Fabio.

Aceitei.

François Moïse Bamba chegou para uma semana de estadia, era outubro de 2017. Faria dois dias de oficina e duas apresentações, uma, no Recife, outra, em Caruaru. No nosso primeiro contato, sorrisos grandes de conexão antiga. Na primeira conversa, ainda no hall do hotel, perguntei se ele sabia o que ia contar, se eu podia me preparar de alguma forma. François me respondeu que nunca sabe antes de uma apresentação o que vai contar. Precisa encontrar o público para saber o que o público quer ouvir. Entendi ali que a experiência me ensinaria muito sobre escuta.

Escuta profunda.

“Os mais velhos, de onde eu venho, dizem que, para experimentar uma sociedade a tradição oral, é preciso ser pelo menos dois. Aquele que tem a palavra e aquele que tem a escuta. E, ao contrário do que se pode pensar, não é o que tem a palavra que é o mais importante, mas o que tem a escuta, pois é a escuta que dá importância à palavra.” É como ele começa boa parte das suas conversas com o público.

Quando as atividades começaram, senti um frio na barriga. Aquele que anuncia o medo, mas também a vontade de algo novo.“Por que aceitei?”. Me lembrei da intenção. Tenho trabalhado muito com ela. Em cada fazer, em cada projeto, em cada momento, me conectar com a minha intenção profunda. O que me move? É potente. Procurei um pouco e encontrei: “Ser canal para que ele se expresse através de mim”. E aí tudo clareou.


François Moïse Bamba e Laura Tamiana, no espetáculo Contos e lendas do Burkina Faso, no Recife. Foto: Luiz Felipe Botelho/Divulgação

Os dois dias de oficina aconteceram assim, nós dois numa conexão singular, surpreendentemente fluida. Exercícios práticos e momentos de conversa se misturam no trabalho em sala do François de uma maneira orgânica e profunda. Com suas palavras e sua presença, ele vai nos levando à descoberta de um universo tão rico! E eu lá, junto, ajudando a levar, ao mesmo tempo em que ia sendo levada. Os vilarejos, as grandes cidades. A sociedade tradicional, os contos, os mitos, integrados com a vida de hoje. O visível e o invisível. Nisso tudo, nossos desejos de África iam encontrando um ponto de ressonância, concreto, vivo, atual. Desconhecido e familiar. Revelador de uma saudade. Aquelas palavras, aquelas cenas, aqueles momentos iam preenchendo espaços dentro de mim que eu nem sabia que existiam e fizeram transbordar muitas águas ao longo desse encontro.

No dia do primeiro espetáculo, uma única orientação: “Somos um corpo só”. E assim foi.

Ele, contando em francês, eu, em português, descobrindo, na hora, sua narrativa e a força dessas palavras. E descobrindo que coloridos elas tomavam ao passar por mim. Histórias tradicionais do Burkina Faso, recolhidas no vilarejo de Ouolonkoto. Histórias que ensinam sobre a vida. Essa apresentação, no Teatro Hermilo Borba Filho, foi um dos momentos artísticos mais bonitos que já tive. Artísticos e humanos, porque isso não se separa.

Expansão.

Partilha.

Suspensão do tempo.

E, sobretudo, a experiência de ser “um” com alguém.

E sentir como isso reverberava também no público.

Um ponto de referência novo no mundo dos encontros. Algo que senti ser possível por um estado de disponibilidade. Recíproco. Um estado genuíno do servir, sem condições nem expectativas, uma simples – e tão profunda – oferta da presença.

Nessa noite, tive um sonho em que a presença dele me dava a capacidade de atravessar imensas ondas do marsem me afogar. Do sonho fiz música. Que chamei de... Iniciação.

Nessa breve semana, coube um mundo. Um mundo que abria suas portas. Que essa travessia simbólica se tornaria travessia real parecia um caminho já iniciado. Quase nem era preciso decidir ir.

RAÍZES
Mas, pra falar de travessia, é preciso saber quem atravessa, e a partir de onde atravessa. Que raízes nutrem esse deslocamento. Nos meus primeiros dias no Burkina, uma artista cigana me disse: “Tem um encontro profundo entre você e esse lugar. Mas você precisa lembrar de trazer com você o que você já tem, de onde você vem, os outros lugares por onde passou, suas experiências… Pra não se perder”.

Começo, então, por um começo bem antes dos outros começos: sou filha da Maria da Conceição e do Iran. Família mineira, nasci em São Paulo, morei na França e há 13 anos vivo em Recife. Transito pelas artes visuais, o canto, a música, a dança, as culturas populares, criando ou produzindo. Como terapeuta, trabalho com uma vertente que se chama Constelação Sistêmica ou Familiar, com atendimentos individuais e trabalhos em grupo em torno da energia feminina e da criatividade.

Tenho na minha parede a imagem da Temperança. Íris, a mensageira. A que une céu e terra. A que tem um pé na água, outro na margem. A que tem asas e pode descer ao mundo subterrâneo. A que verte de uma taça a outra o que é líquido, o que é fluido. A que tempera através do movimento. Essa imagem me guia. Sinto que meu fazer no mundo se liga a esse arquétipo da mensageira. A que tece pontes, vai de cá pra lá, faz conexões. Entre fazeres, contextos, lugares, pessoas.

Em tudo isso, o encontro é o ponto central.


Mulheres griôs e oleiras do vilarejo saúdam com música. Foto: Laura Tamiana

Porque eu acredito que é nesse lugar do encontro, do entre, que acontece a magia da vida. Gosto de lembrar que existimos graças à coragem dos nossos pais em encontrar o diferente, se entregar ao mistério, ao desconhecido do encontro. Temos essa coragem gravada nas nossas células.

Sem encontro não tem vida. E a qualidade desses encontros depende da qualidade das histórias que a gente ouve e conta. Para nós mesmos e para os outros. Têm histórias que separam, ferem, iludem. E histórias que unem, curam, celebram, promovem a partilha, permitem que a gente se reconheça uns nos outros, se reconheça humano, se reconheça natureza. Caminho em busca dessas histórias, para ouvir e para contar. Sinto que essa disponibilidade real em estar com o outro, mesmo que isso ainda provoque medo, é de um potencial transformador incrível. Pra mim, a arte é isso. É o convite a esse “entre”, a esse instante do encontro.

A TRAVESSIA
“Aos donos da casa peço licença, pra chegar, pra chegar. Às donas da casa faço reverência, olerê, olará. Esse chão que eu piso agora, é chão novo pra mim. Chão antigo, chão de histórias, vou pisando miudim. Pra chegar abro um sorriso. Peito aberto, ouvido atento. Pra escutar aqui eu vim.”

Quando, poucas semanas depois da experiência no Feteag, recebi a confirmação da minha ida ao Burkina, senti como uma vertigem. Uma alegria imensa e uma espécie de medo, como se fosse me lançar em algo vasto e desconhecido, fascinante e imenso.

Cheguei para participar do Festival Internacional dos Patrimônios Imateriais, que o François começava a organizar naquele início de 2018. Cada edição é dedicada a uma etnia do país. Essa primeira era ao povo Bobo. Uma imersão de duas semanas no vasto patrimônio imaterial local e de outras regiões. Artistas do Burkina e também do Togo, da Costa do Marfim, ciganos da França, Suíça, Escócia estavam lá.

A base do festival fica em Sikasso-Cira, um bairro popular da cidade de Bobo-Dioulasso, de ruas de terra bem vermelha. Num cruzamento vizinho à casa da mãe do François se instala um palco baixinho. Uma lona no chão acolhe as centenas de crianças que se agrupam toda noite e acompanham até o fim. Atrás delas mais centenas de adultos, homens e mulheres, do bairro, das redondezas e outras partes do mundo. Nesse palco, vi muitos grupos de tradição. Balafons, percussões… Koras… Danças… Contadores tradicionais… Máscaras… Em cada um, muita familiaridade pra nós. Aquele tambor, aquela flautinha, aquele jeito de mover. Ao mesmo tempo, um tempero tão diferente.

Depois do festival, fomos ao Masa, um grande evento de artes na Costa do Marfim, país vizinho e, de retorno ao Burkina, visitamos alguns lugares no interior, até chegar a esperada ida à Ouolonkoto. Ao encontro das mulheres do meu sonho.

As mulheres oleiras e griôs do vilarejo vivem num bairro vizinho ao da família. Caminhamos até lá, o François, eu, o Sibiri e o Alidou, dois dos seus primos. Os griôs e as griôs – ou djeli e djelimousso, como se chamam lá – são, na sociedade tradicional da África do Oeste, os responsáveis pela manutenção e transmissão da palavra, são como porta-vozes da vida social. É uma casta, assim como a do ferreiro, do tecelão. Uma função que é passada de pai para filho, de mãe para filha. Em Ouolonkoto, as djelimousso são também oleiras, trabalham com a terra, o barro, para criar potes, panelas e outros utensílios.


Griôs e oleiras a caminho de onde buscam o barro para a fabricação dos potese e panelas


No projeto Retrato: substantivo feminino, foto e vídeo são
ferramentas para mulheres contarem suas próprias histórias.
Fotos: Projeto Retrato: Substantivo Feminino/Divulgação

Cerca de oito delas se agruparam para nos receber. Depois das saudações iniciais, que por lá duram alguns atenciosos minutos, convidaram-nos a sentar. Pedi a permissão para cantar uma canção que pede licença pra chegar, que aprendi na tradição do Cavalo Marinho, na Zona da Mata pernambucana. “Ô de casa, ô de fora, ô manjerona, quem está aí?…” A resposta também veio em música. Acompanhadas de um instrumento feito de cabaça, cantaram para mim uma canção de boas-vindas.

Em todo momento partilhado teve cantos. Cantos que recebem, cantos que agradecem, cantos que abençoam, cantos que selam o encontro. “Ela é realmente daqui, ela não é uma estrangeira. Vocês ouviram, povo do lugar? Ela é realmente daqui”, me dizia uma das canções.

Desse encontro musical fiz um pequeno vídeo, que compõe a série História... conta!, com narrativas dessas viagens pela África do Oeste.

No ano seguinte, 2019, voltei ao Burkina para a segunda edição do festival e separei cinco dias para visitar novamente o vilarejo. Fui ver as mulheres griôs e mostrar a elas o vídeo do nosso encontro. Já não eram mais oito, nem 10, nem 20. Cerca de 50 delas, de diferentes idades, foram chegando para ver o vídeo. No quase escuro, porque lá não tem luz elétrica, eu ia adivinhando as presenças cada vez mais numerosas. “Espera um pouquinho, ainda tem gente chegando”. E, esperando que todas chegassem, cantávamos. E dançávamos. E cantávamos. Uma canção do Burkina… “Agora você, uma canção do Brasil”… Outra canção do Burkina… Outra canção do Brasil…

No dia seguinte, o Sibiri, que seguia me acompanhando nessas visitas, me disse: “As mulheres da nossa família souberam que você foi fazer festa com as griôs. E disseram que querem também”. A noite foi de festa de novo, uma canção do Brasil… Uma canção do Burkina… Começou à luz do fogo dentro da tenda… terminou sob o céu, suadas, dançando ciranda.

Em cada estadia minha lá, o canto e a dança têm sido a principal linguagem de partilha. Principalmente com as mulheres. E também com as crianças. Bonito ver como é uma mesma linguagem, a que tenho aprendido nas vivências junto aos grupos de tradição no Brasil, e a que elas vivenciam lá. Danças de roda, que integram. Cantos de pergunta e resposta, repetitivos, curtos e fáceis de aprender, que falam do que está acontecendo no momento.

Em um encontro musical desses, assim como nos momentos de partilha de histórias e em toda atividade social, os bebês e as crianças estão sempre presentes. Os bebês sempre amarrados às costas das suas mães ou de outras mulheres do grupo. Elas fazem quase tudo com eles assim junto do corpo. As crianças, às vezes, dançando junto, às vezes, observando. No dia seguinte de manhã, elas brincam de imitar as adultas cantando e dançando em roda. Aprendem assim. Conhecem todas as letras. Inclusive as que acabaram de ouvir em português. E pedem pra tocar de novo.

A PONTE
De lá pra cá, foram muitas travessias… Voltei ao Burkina ainda em 2019 para uma estadia mais longa, incluindo um ciclo lunar completo no vilarejo. Dessa vez, acompanhada de uma parceira de criação, a Tatiana Devos Gentile, para fazer um trabalho audiovisual com as mulheres, dentro de um projeto nosso que se chama Retrato: substantivo feminino. Nele, compartilhamos nossos conhecimentos em filmar e fotografar para que mulheres ligadas a tradições culturais contem sua própria história através da imagem. Chegamos lá levando uma carta em forma de vídeo de mulheres brasileiras que fazem parte do projeto, das tradições do Cavalo Marinho, Batuque de Umbigada, Reinado e Jongo da Serrinha. Plantando a semente para encontros presenciais entre essas mulheres, aqui e lá.

Minha quarta ida se prepara enquanto escrevo este texto. Para acompanhar a terceira edição do Festival Internacional dos Patrimônios Imateriais, do qual me tornei parceira e que, neste 2020, tem as culturas brasileiras como convidadas de honra.

O François também tem vindo regularmente. Um encontro potente assim não quis ficar em experiência única. Temos andado bastante por esses Brasis, nessa partilha de histórias, multiplicando os encontros. Esses dias, surpresa, vi que já somamos 50 apresentações juntos. Além de suas oficinas e conferências. Em janeiro, vivenciamos uma imersão de 10 dias junto a comunidades quilombolas no Sertão do Pajeú, um encontro através da oralidade, com um tempo de permanência que deixa aprofundar a experiência. Assim, a cada vinda, ele também retorna levando de volta histórias daqui.


Árvore sagrada do vilarejo, na entrada do bairro das mulheres griôs e oleiras. 
Foto: Laura Tamiana

Demos à nossa parceria o nome de ba-kô. Na língua Bambara, ba-kô tem dois significados: “as costas da mãe” e “na outra margem”. Ba-kô simboliza, para nós, o convite para ir ao encontro do outro, à descoberta do mundo, a partir de um lugar de acolhimento e cuidado, já que é nas costas que as mães africanas carregam seus bebês. A ideia é que nossas travessias desenhem uma ponte. Que, tanto simbólica quanto fisicamente, permita viajar muitos brasileiros e burkinabés, na descoberta dessas duas margens e suas culturas.

Enquanto esse nosso encontro vai gerando mais e mais encontros em volta de nós, e enquanto escrevo sobre eles para vocês, vou sentindo os movimentos do encontro dentro de mim. Vou entendendo que o encontro não é só o objetivo da travessia, mas é em si também a travessia, um movimento incessante de atravessar… De mim ao outro, do outro a mim… de mim a outras partes de mim mesma… do que une ao que separa e ao que une novamente, do que aceita, do que rejeita, do que fascina, do que amedronta, do conhecido ao desconhecido, do que se aprende ao que se revela…

Quando iniciei esta escrita, ainda sem saber que rumo ela tomaria, intencionei que ela fosse ponte, para quem quisesse atravessar. E, no revisitar da experiência, no buscar e no fluir da minha palavra pessoal sobre essa experiência, vi muitas travessias se fazendo em mim. O encontro não é um ponto estático onde podemos chegar, mas um temperar constante, uma dança que se aceita dançar junto.

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Extra: Leia entrevista com François Moïse Bamba

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LAURA TAMIANA, artista, produtora cultural e terapeuta.

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