Reportagem

Desde as jornadas de junho

Analistas sociais, curadores e artistas produzem obras que discutem a crise sociopolítica vivida hoje no país e deflagrada nos protestos de 2013

TEXTO LUCIANA VERAS

01 de Junho de 2018

Manifestantes em Brasília: passeatas de junho de 2013 são consideradas o início do processo de ruptura no país

Manifestantes em Brasília: passeatas de junho de 2013 são consideradas o início do processo de ruptura no país

FOTO VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL

O rio de manifestantes brotou do asfalto, dos edifícios, das estações de metrô, dos ônibus e dos automóveis sem ser anunciado por vozes oficiais. Surgiu como um aguaceiro, movendo o ar parado de um imenso cômodo sombreado, onde nada acontecia aos olhos dos mortais. Quer dizer: acontecia, mas de um estranho modo oculto. Eis que havia um movimento que já estava no ar, embalando os seres até então invisíveis. Não houve sindicatos, partidos, quase não houve ONGs, nenhuma entidade da dita “sociedade civil organizada” agindo na preparação das enxurradas humanas, das ventanias. Daí que o movimento do ar não tinha como ser flagrado pelas câmeras ou pelo discurso dos repórteres, dos políticos, dos analistas. Só restou a eles declarar perplexidade. Um lugar-comum tomou conta do espaço público: “Fomos pegos de surpresa, ainda estamos tentando entender”.

Eugênio Bucci, outubro de 2013

Na edição de número #5 da revista Zum, publicação semestral do Instituto Moreira Salles destinada à fotografia, um ensaio do coletivo Cia de Foto apresenta imagens capturadas em manifestações transcorridas em junho de 2013. Naquele mês, um ano antes da Copa do Mundo do Brasil, os movimentos que viriam a ser denominados de “Jornadas de Junho” tomavam a capital paulista como epicentro e irradiavam para o restante das urbes brasileiras. Em São Paulo, havia uma pauta cristalina: a reivindicação do Movimento Passe Livre/MPL por catracas abertas para que o ir e vir dos citadinos – quer se tratasse de trabalhadores, estudantes ou turistas – fosse gratuito. Nas outras cidades, demandas difusas seriam incorporadas aos pleitos de milhares de brasileiros. No texto impresso nas páginas da revista que circularia quatro meses após as passeatas, o jornalista e professor paulistano Eugênio Bucci resumia o assombro de muitos, talvez de todos: “o movimento do ar não tinha como ser flagrado pelas câmeras ou pelo discurso dos repórteres, dos políticos, dos analistas”.

O fotógrafo pernambucano, radicado em São Paulo, Pio Figueiroa, então um dos quatro vértices da Cia de Foto, era companheiro no curso de Filosofia de alguns dos integrantes do MPL. “Só que, na idade deles, eu estava procurando um software e não organizando alguma mobilização. Eles, por sua vez, eram moleques com uma causa que movimentava tudo. Como eu não podia ir sempre para a rua porque tinha que trabalhar, mas não aguentava ficar longe dos meninos, comecei a fotografá-los ainda em 2012. Nas manifestações de junho, fotografamos pela Cia de Foto e, com as imagens das pessoas nas ruas, eu acendia uma ou outra”, conta.

O resultado foi publicado na Zum sob o título Passe livre. Nas fotografias, o lusco-fusco espelha contornos nem sempre nítidos e as figuras iluminadas pelo tratamento da imagem parecem assumir um protagonismo ante outras ao redor. “Arte, para mim, é uma ciência social cujo resultado não prevê liturgias tão fixas. Deve-se permitir que ela saia contraditória. Ali, estávamos diante de um mundo inflamável”, recorda Pio.

Vídeo da Residência artística Cambridge, de Virgínia de Medeiros:



             

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