Estrela do filme Nise – O coração da loucura, a atriz Glória Pires, 52 anos, encarou o desafio de viver nas telas a psiquiatra alagoana Nise da Silveira. Depois de estudar a personagem através de livros e entrevistas, Glória resolveu imprimir um toque pessoal à interpretação, não imitando Nise, inclusive o sotaque nordestino, abolido durante as filmagens, ocorridas no início de 2012, nas dependências do antigo Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro. O processo de imersão na vida e obra da personagem gerou, no filme, uma Nise dura e firme nas colocações, mas sem perder o lado humano e afetivo, marca registrada da psiquiatra alagoana. “Foi a personagem mais completa que já tive”, garantiu. Ganhadora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Tóquio de 2015, Glória concedeu entrevista à Continente nos bastidores do Festival do Rio do ano passado, comentando sobre sua participação no filme.
CONTINENTE Como classificaria a Nise da Silveira dentro do rol de personagens que você já fez? GLÓRIA PIRES Eu a classificaria como a personagem mais completa que já tive oportunidade de interpretar até hoje, não só pela vida longa que ela teve, mas também pela vida cheia de lances incríveis que passou e pelo tanto que me inspirou como mulher. O que ela deixou é um patrimônio para a humanidade.
CONTINENTE Interpretar um personagem real difere de um personagem fictício? GLÓRIA PIRES Sim e não, porque, embora nós estivéssemos falando de personagens reais, havia uma preocupação muito grande do nosso diretor (Roberto Berliner) de não parecer uma imitação. Ele queria que fosse uma coisa muito orgânica, verdadeira e real. Então, ao mesmo tempo em que o filme estava baseado em fatos, em coisas que Nise escreveu, em informações clínicas, às vezes, todos nós, atores, trouxemos muito de nós mesmos para o trabalho, como se fôssemos camadas superpostas.
CONTINENTE No filme, você lançou mão de uma licença poética ao interpretar Nise, inclusive não imitando o sotaque nordestino dela. De onde partiu essa ideia? GLÓRIA PIRES O próprio Roberto colocou isso. Ele tinha medo de que o sotaque ficasse mais importante que a história que estava sendo contada. Não podia ter uma coisa que chamasse mais a atenção, positiva ou negativamente, que a história de Nise, o caráter, o ser e a visão dessa mulher; as opções todas que ele fez, com tanta pressão, de tão pouco tempo para se realizar o filme, tantas dificuldades que a produção e ele como produtor também enfrentaram. Então, acho que ele foi muito sábio, guiado por uma coisa verdadeira e uma responsabilidade de trazer a história de Nise para as pessoas entenderem o que foi isso. Não é pouco.
CONTINENTE Mudou alguma coisa o fato de o set de filmagem ter sido o próprio local de trabalho de Nise e ainda hoje do Museu de Imagens do Inconsciente? GLÓRIA PIRES A preparação foi toda lá. Ficamos ali praticamente “internados”. A gente chegava muito cedo, saía muito tarde e, a partir disso, fomos entrando naquele universo do inconsciente e aquele universo entrando em todos nós. Então, foi importantíssimo a preparação dos personagens ter acontecido concomitantemente, no mesmo lugar.
CONTINENTE Li numa reportagem que você chorou durante o processo de filmagem, chamando a atenção das pessoas. Isso ocorreu em função da força do próprio espaço de filmagem e da temática do filme em si? GLÓRIA PIRES O ator lida o tempo inteiro com emoções. Então, há uma troca permanente de energias. Esse vislumbre que o ser humano tem por dentro muitas vezes é surpreendente e ficamos realmente emocionados com isso.