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Roberta Guimarães

Ai, meu Padim!

TEXTO Danielle Romani

01 de Abril de 2013

Foto Reprodução

Em junho de 2012, antes de decolarmos do Aeroporto dos Guararapes rumo à cidade de Juazeiro do Norte (CE), a repórter fotográfica Roberta Guimarães e eu fizemos uma espécie de pacto: durante a viagem de pouco mais de dois dias, comprometíamo-nos em não “cair em tentação”. Entenda-se: centraríamo-nos, exclusivamente, na matéria pela qual viajávamos centenas de quilômetros, e que abordaria a confecção das redes de dormir, assunto da próxima edição da revista. E só.

A beleza da Chapada do Araripe e das atrações históricas e turísticas das cidades, por onde circulamos (Crato, Nova Olinda, Juazeiro...), convidavam à debandada do objetivo principal, mas o tempo curto e o assunto carente de apuração nos induziam à concisão. Assim, nosso tema voltava ao centro das atenções.

Mas foi inevitável. Desde o momento em que pisamos no Crato, constatamos que era impossível ficar indiferentes, não perceber, não observar, não nos surpreender com aquela presença. Na revendedora de automóveis, na recepção do nosso hotel, no bar vizinho, na lanchonete, na barraca de pastel, no porta-luvas do táxi, nas paredes... lá estavam as variadas imagens de Cícero Romão Batista, com seu indefectível chapéu preto, sua batina e seu cajado. E seu olhar fixo e imponente.

Num impulso, colocamo-nos em ação. Com a máquina a tiracolo e o bloco em punho, Roberta e eu comprovávamos que “Padim Padre Ciço” é mais do que um sacerdote reverenciado como santo pelos habitantes da região: ele é uma verdadeira “entidade”, um ser que transita na fronteira entre o divino, o familiar e... o comercial.

Onipresente, íntimo, icônico, afetivo, bizarro... Essas e outras adjetivações vieram às nossas cabeças nessa viagem, em especial, quando, ao visitarmos o mercado público de Juazeiro do Norte e as ruas que os circundam, nos deparamos reincidentemente com aquela imagem. Andávamos poucos metros e lá estava ele, em reproduções confeccionadas em barro, borracha, papel, gesso. Em tamanhos pequeno, médio, gigante, Cícero podia ser visto nos estabelecimentos comerciais da cidade. Quem mantinha as imagens quase sempre dava a mesma resposta: com ele por perto, não tinha como os negócios desandarem.

No açougue, na farmácia, na sapataria, nas vestes dos passantes, nos recantos das lojas, no meio delas, nos bares, o Padim estava sempre estampado, como que a dizer: impossível sair daqui sem me ver!

Nas palavras de Bosco, motorista que nos conduziu pelas cidades e ruas do sertão do Cariri – e que, por sinal, tem fixado no painel de seu táxi uma imagem “dele” – é impossível passar por Juazeiro e pelo Crato e não ser atingido pela “força sagrada e simbólica que emana de Cícero. Ele protege os que pedem sua ajuda”, sintetizou o “crente”, que, como outros moradores locais, jura ter presenciado graças e milagres do padre.

Nos espaços entre uma entrevista e outra sobre as redes de dormir, acabamos nos deliciando em flagrar a “coleção” de imagens do padre milagreiro espalhada pelas ruas das duas cidades. Uma prova de fé no beato que é o ícone maior do sertão do Cariri e de outros sertões nordestinos. 

DANIELLE ROMANI, repórter especial da revista Continente.

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