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"Mata?"

TEXTO José Cláudio

01 de Agosto de 2012

Petit Larousse illustré

Petit Larousse illustré

Imagem Reprodução

Na crônica Mens sana in corpore sanoJornal do Commercio, sábado, 23/06/2012, de Joca Souza Leão, o assunto é uma luta chamada MMA, que significa Mixed Martial Arts (artes marciais misturadas) e o chique, diz ele, é dizer “ememêi”, em inglês. A ideia de Joca é que, quando a luta terminar, um painel eletrônico informará a contagem de votos do público, “os que estiverem no estádio, por aclamação (através de um palmômetro); os que não, pela internet, celular ou telefone” em resposta à pergunta: “Mata?”. Fiquei pensando cá c’os meus botões na maneira de morte que desse mais brilho ao certame. Passei em revista os tipos de execuções mais em voga no Ocidente. Insisto: pode-se extrair daí, do fato em si, outra bilheteria, além de uma agência de apostas (quanto tempo o condenado vai resistir, se vai ou não gritar, chamar por mamãe etc.).

Indubitavelmente, a forma de sucesso mais duradouro é a crucificação, ainda mais com o componente erótico de o cara ser crucificado nu (a tanga é invenção da igreja), podendo-se pensar numa versão feminina. As fogueiras, também de muito ibope (vide Joana d’Arc), tão usadas nas festas juninas, em decadência nas áreas urbanas, poderiam ser revitalizadas. Seriam empregadas madeiras de plantio exclusivo, renovável. Ou gás de cozinha.

Enforcamento, atraía muita gente, pelo menos nos filmes de caubói, mesmo com a população rarefeita do faroeste naquelas épocas. Hoje seriam multidões. Poder-se-iam instalar telões para os lances menos visíveis a distância, como o garrote vil espanhol, pouco explicado na gravura de Goya.

Olho com alguma reserva para certos tipos de execuções mais novas. Cadeira elétrica, injeção letal, quanto ao apelo ao grande público, tenho minhas dúvidas. Não acho que se prestem a maiores aberturas cenográficas e acústicas: talvez neste último caso, com o incremento de música de fundo, ópera, tenores dramáticos, sopranos de gritos lancinantes, inclusive coro dos espectadores puxado por uma claque. Ainda assim, não confio muito em tecnicismo, até sobrepujando a coisa em si, uma espécie de desvio. Virando ficção.

Mesmo fuzilamento. A não ser que se tratasse de fuzilamento coletivo, como, voltando a Goya, Os fuzilamentos do 3 de maio, e o estádio tivesse um lado fechado correspondente ao paredón, o que restringia o número de ingressos.

A roda proporciona belo espetáculo. O indivíduo era esticado pernas e braços estendidos numa cruz de Santo André, em xis, ou mesmo numa roda de carroça erguida na horizontal no topo de um poste a uns três metros do chão e o carrasco ia lhe quebrando os ossos com um cacete, ficando o justiçado exposto aos urubus. O erro dos doicódis, que nem doeu tanto assim, foi que só uma elite tinha acesso e não o grande público: por isso que a Idade Média durou onze séculos e a ditadura só uns minguados vinte e poucos anos.

Ainda sou pelo esquartejamento. Os proprietários dos prédios em volta da praça Saint-Sulpice (e não, como muitos dizem, supplice, suplício) em Paris, onde se realizavam as execuções, ganhavam verdadeiras fortunas com o aluguel das sacadas. Numa dessas, levado por um tio, o menino Donatien-Alphonse-François de Sade, mais conhecido como Marquês de Sade, assistiu ao esquartejamento do autor de um atentado ao rei Luís 14, 15, 16, um desses, ao vivo (o de Tiradentes foi moleza): como preliminar, o sujeito teve pedaços do corpo arrancados com alicate e nos buracos o carrasco vertia chumbo derretido; em seguida, amarraram-lhe pernas e braços a quatro juntas de cavalos parrudos, da raça percheront, que foram açoitados até o desmembramento completo (tornou-se necessário que um médico ajudasse cortando alguns ligamentos pois, os cavalos, mesmo com as ferraduras tirando faíscas do calçamento, não conseguiram rompê-los: perguntar a Caio se isso é possível).

Também pensei no método dos astecas de arrancarem o coração com uma faca de pedra e espargirem sangue num altar no alto de uma pirâmide, elementos cenográficos nada desprezíveis. Acresce que pernas e braços eram comidos. Outra ideia. Conheço pelo menos o nome de duas receitas da culinária mexicana para o preparo de carne humana: tlacatlaolli, feito com carne humana e milho, e pozole, que hoje, na falta da matéria prima, fazem com carne de porco. Mas isso é assunto para Lectícia Cavalcanti, da Folha de Pernambuco

JOSÉ CLÁUDIO, artista plástico.

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