Cerca de 66 mil pessoas compareceram ao Maracanã no show de encerramento da turnê brasileira de Paul McCartney, no último sábado (16). Com isso, aproximadamente 390 mil pessoas viram o ex-beatle nas cinco cidades brasileiras por onde ele passou este ano, fazendo nove shows num período de 18 dias (o que dá, em média, um show de duas horas e meia de duração a cada dois dias). Uma maratona para o músico de 81 anos que poderia estar aposentado há décadas, mas encontra prazer encantando multidões e alimentando, por onde passa, a mitologia em torno dos Beatles.
Foi uma noite quente, úmida e estrelada no Rio de Janeiro e McCartney teve de suar no palco. Um ventilador colocado em frente ao piano de cauda chegou a desarrumar seu cabelo. Mas ele tocou o espetáculo em frente, sem toalhinhas brancas (símbolo do estrelismo em shows de rock) e parando somente uma vez para tomar um gole de uma garrafa de plástico.
Cercado de expectativas de que coisas diferentes poderiam acontecer, transmitido por streaming para quem se dispôs a pagar, o show do Maracanã acabou sendo mais uma noite convencional no padrão Paul McCartney: som, imagens, iluminação e pirotecnia de primeira qualidade para encantar multidões à distância. E um repertório de canções fundamentais que fazem parte da vida de muita gente.
Na parte musical, quem esperava algo especial por ser, afinal, “o show do Maracanã”, onde o músico não se apresentava há 33 anos, pode ter ficado um pouco decepcionado. Paul McCartney seguiu exatamente o roteiro do resto da turnê, com as mesmas músicas, na mesma ordem, com as mesmas gracinhas em português (na gíria local), nos mesmos intervalos. Nas poucas palavras com a plateia, não fez menção aos lendários shows de 1990 no Maracanã, tão valorizados por ele e sua equipe pelo recorde de público na época. Apenas, em um momento, puxou o grito e foi acompanhado pela “torcida” brasileira: “A-ha, u-hu, o Maraca é nosso”.
A destacar a verdadeira adoração da plateia, que depois de ouvir o ex-beatle sozinho, no palco levantado, dominar o estádio com a acústica Blackbird, começou a gritar: “Paul, eu te amo”. Ele fez um jeito de quem estava tentando decifrar a frase, mas desistiu, e quando ia dar prosseguimento ao show, ouviu o grito repetido da massa, agora em inglês: “I love you”. Agora sorrindo e fazendo com as mãos o sinal do coraçãozinho, respondeu: “I love you back”.
Outro momento especial, que só ocorreu no Maracanã, foi promovido por iniciativa da produção brasileira, que distribuiu ao público balões de festa coloridos, com a recomendação de que, durante a música Ob-la-di ob-la-da, eles fossem inflados e erguidos juntos com as luzes dos celulares. Na hora combinada, o estádio lotado parecia como se estivesse repleto de milhares de lanternas orientais. McCartney agradeceu de forma original: “Beautiful. Very Disney”.
Vale o velho clichê usado quando Paul vem ao Brasil: é o show que reúne pais e filhos. Isso antes, porque a confraternização geracional (algo raríssimo em música) vem sendo esticada. A esta altura, mais correto é dizer que trata-se de um show que reúne quatro gerações. Quem acompanhou os Beatles no início e tinha a idade dos integrantes da banda, tem agora por volta de 80 anos e pode ter filhos na casa dos 50, netos por volta dos 30 e bisnetos crianças. Se todos gostarem da coisa, o que não é raro, é possível que tenham estado juntos num dos estádios da turnê brasileira. Pais e filhos, pelo menos, foram uma constante no meio das multidões que lotaram os cinco estádios por onde passou a turnê Got back. E mais, pais e filhos em conversa animada sobre música, outra coisa notável de ser ver.
É curioso que décadas atrás era comum se questionar até que ponto Paul McCartney tinha o direito de usar o repertório dos Beatles para fazer seus próprios shows. Nos anos 1970, ele mesmo tinha um certo pudor em cantar músicas da banda, limitando-se às suas composições mais pessoais como Yesterday e Michelle. O tempo superou tudo isso. Como o sobrevivente ativo daquela era, Paul hoje se esbalda no repertório antigo, não somente aquele mais pessoal, mas também no dos outros três componentes. Faz as homenagens que quer a George Harrison e a John Lennon e ninguém mais discute se ele deve ou não fazer isso. Como o baterista Ringo Starr sempre meio aposentado (ele que nunca levou tão a sério a carreira solo), Paul é “o beatle” em atividade e isso basta para o
mundo atual.
No final do show do Maracanã, depois de falar um “até a próxima”, em bom português mesmo, foram soltos fogos de artifício, uma chuva de papéis coloridos picados caiu sobre a plateia e Paul McCartney desapareceu no palco em uma nuvem de fumaça, como um gênio da lâmpada maravilhosa, ou melhor, como um gênio das luzes e do som, que vamos reencontrar em discos e talvez em outros shows ao vivo.
MARCELO ABREU, jornalista e autor de livros de viagens.