Cobertura

Paul despede-se do Brasil

Ex-beatle encerra, no Maracanã, série de nove shows da 'Got Back', após um período de 18 dias no país

TEXTO Marcelo Abreu

19 de Dezembro de 2023

Paul McCartney ladeado pelos guitarristas Rusty Anderson (E) e Brian Ray (E)

Paul McCartney ladeado pelos guitarristas Rusty Anderson (E) e Brian Ray (E)

FOTO Marcos Hermes / Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Cerca de 66 mil pessoas compareceram ao Maracanã no show de encerramento da turnê brasileira de Paul McCartney, no último sábado (16). Com isso, aproximadamente 390 mil pessoas viram o ex-beatle nas cinco cidades brasileiras por onde ele passou este ano, fazendo nove shows num período de 18 dias (o que dá, em média, um show de duas horas e meia de duração a cada dois dias). Uma maratona para o músico de 81 anos que poderia estar aposentado há décadas, mas encontra prazer encantando multidões e alimentando, por onde passa, a mitologia em torno dos Beatles.

Foi uma noite quente, úmida e estrelada no Rio de Janeiro e McCartney teve de suar no palco. Um ventilador colocado em frente ao piano de cauda chegou a desarrumar seu cabelo. Mas ele tocou o espetáculo em frente, sem toalhinhas brancas (símbolo do estrelismo em shows de rock) e parando somente uma vez para tomar um gole de uma garrafa de plástico.

Cercado de expectativas de que coisas diferentes poderiam acontecer, transmitido por streaming para quem se dispôs a pagar, o show do Maracanã acabou sendo mais uma noite convencional no padrão Paul McCartney: som, imagens, iluminação e pirotecnia de primeira qualidade para encantar multidões à distância. E um repertório de canções fundamentais que fazem parte da vida de muita gente.

Na parte musical, quem esperava algo especial por ser, afinal, “o show do Maracanã”, onde o músico não se apresentava há 33 anos, pode ter ficado um pouco decepcionado. Paul McCartney seguiu exatamente o roteiro do resto da turnê, com as mesmas músicas, na mesma ordem, com as mesmas gracinhas em português (na gíria local), nos mesmos intervalos. Nas poucas palavras com a plateia, não fez menção aos lendários shows de 1990 no Maracanã, tão valorizados por ele e sua equipe pelo recorde de público na época. Apenas, em um momento, puxou o grito e foi acompanhado pela “torcida” brasileira: “A-ha, u-hu, o Maraca é nosso”.

A destacar a verdadeira adoração da plateia, que depois de ouvir o ex-beatle sozinho, no palco levantado, dominar o estádio com a acústica Blackbird, começou a gritar: “Paul, eu te amo”. Ele fez um jeito de quem estava tentando decifrar a frase, mas desistiu, e quando ia dar prosseguimento ao show, ouviu o grito repetido da massa, agora em inglês: “I love you”. Agora sorrindo e fazendo com as mãos o sinal do coraçãozinho, respondeu: “I love you back”.

Outro momento especial, que só ocorreu no Maracanã, foi promovido por iniciativa da produção brasileira, que distribuiu ao público balões de festa coloridos, com a recomendação de que, durante a música Ob-la-di ob-la-da, eles fossem inflados e erguidos juntos com as luzes dos celulares. Na hora combinada, o estádio lotado parecia como se estivesse repleto de milhares de lanternas orientais. McCartney agradeceu de forma original: “Beautiful. Very Disney”.

Vale o velho clichê usado quando Paul vem ao Brasil: é o show que reúne pais e filhos. Isso antes, porque a confraternização geracional (algo raríssimo em música) vem sendo esticada. A esta altura, mais correto é dizer que trata-se de um show que reúne quatro gerações. Quem acompanhou os Beatles no início e tinha a idade dos integrantes da banda, tem agora por volta de 80 anos e pode ter filhos na casa dos 50, netos por volta dos 30 e bisnetos crianças. Se todos gostarem da coisa, o que não é raro, é possível que tenham estado juntos num dos estádios da turnê brasileira. Pais e filhos, pelo menos, foram uma constante no meio das multidões que lotaram os cinco estádios por onde passou a turnê Got back. E mais, pais e filhos em conversa animada sobre música, outra coisa notável de ser ver.

É curioso que décadas atrás era comum se questionar até que ponto Paul McCartney tinha o direito de usar o repertório dos Beatles para fazer seus próprios shows. Nos anos 1970, ele mesmo tinha um certo pudor em cantar músicas da banda, limitando-se às suas composições mais pessoais como Yesterday e Michelle. O tempo superou tudo isso. Como o sobrevivente ativo daquela era, Paul hoje se esbalda no repertório antigo, não somente aquele mais pessoal, mas também no dos outros três componentes. Faz as homenagens que quer a George Harrison e a John Lennon e ninguém mais discute se ele deve ou não fazer isso. Como o baterista Ringo Starr sempre meio aposentado (ele que nunca levou tão a sério a carreira solo), Paul é “o beatle” em atividade e isso basta para o
mundo atual.

No final do show do Maracanã, depois de falar um “até a próxima”, em bom português mesmo, foram soltos fogos de artifício, uma chuva de papéis coloridos picados caiu sobre a plateia e Paul McCartney desapareceu no palco em uma nuvem de fumaça, como um gênio da lâmpada maravilhosa, ou melhor, como um gênio das luzes e do som, que vamos reencontrar em discos e talvez em outros shows ao vivo.

MARCELO ABREU, jornalista e autor de livros de viagens.

Publicidade

veja também

Expectativa pelo show de McCartney no Maracanã gera especulações

McCartney em Curitiba se arrisca no repertório mais difícil

Um McCartney mais descontraído em São Paulo