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Vida célebre de um cão altivo e corajoso

Chega ao Brasil 'Rin Tin Tin – a vida e a lenda', festejado livro que conta a história do animal que virou astro de TV e do cinema norte-americano

TEXTO Débora Nascimento

01 de Novembro de 2013

Foto Reprodução

De cada nova fornada de filmes lançados no período das férias, pelo menos um é protagonizado por animal, seja em animação ou em carne e osso. Desavisados podem achar que essa presença é algo recente. No entanto, os bichos estão nas telas desde sempre. Já em The horse in motion, sequência fotográfica produzida por Eadweard Muybridge, em 1882, considerada a precursora do cinema, lá está um deles. Três anos depois, Trabalhadores saindo da fábrica, de Auguste e Louis Lumière, exibido em 1895, seria também o primeiro a mostrar a imagem de um cachorrinho. Após 10 anos, o “melhor amigo do homem” estreia como personagem de uma ficção, no britânico Rescued by Rover, de 1905. A obra de seis minutos circulou tanto, que acabou ficando desgastada e teve que ser rodada novamente. Eis uma prova inicial de que animais e, principalmente cachorros, eram muito bem-vindos nas salas de exibição, algo que seria incontestável duas décadas depois, com o mais bem-sucedido desses astros, Rin Tin Tin. A trajetória do mítico cão é narrada em Rin Tin Tin – a vida e a lenda, livro lançado em 2011, nos Estados Unidos, e que chega agora ao Brasil.

Em princípio, o título da obra pode parecer pomposo, diante do fato de se tratar apenas de um cachorro. No entanto, ele não foi um cão qualquer. Para se ter uma ideia de seu impacto na indústria cinematográfica norte-americana, o primeiro Oscar de melhor ator da história, em 1929, quase foi parar em suas patas. No entanto, com receio de não ser levada a sério, a academia optou por entregar a estatueta dourada ao ator Emil Jannings, que, ironicamente, não era tão popular quanto a primeira opção de vencedor da premiação.

Esse e outros fatos estão no livro de Susan Orlean, cuja ideia, a priori estapafúrdia, se mostrou genial, pois, a partir a vida de Rin Tin Tin, a autora narrou 100 anos da trajetória social, econômica e cultural nos Estados Unidos. O livro começa contando a história do dono de Rin Tin Tin, Lee Duncan, resgata os bastidores de sua família, o casamento de seus pais, a falência da mãe após o abandono do marido, a ida de Lee ao orfanato (quando sua mãe não pode sustentá-lo por um período de três anos). É bom destacar que esses episódios poderiam parecer absolutamente desinteressantes ao leitor, se não contassem com o talento da escritora para narrá-los através de um texto bem-conduzido e sensível.

Há trechos realmente emocionantes, como por exemplo, o do período em que Lee Duncan esteve na Primeira Guerra Mundial, na qual encontrou dois filhotes de pastores-alemães, os quais batizou de Nanette e Rin Tin Tin, nomes dos namorados sobreviventes de um bombardeio a uma estação de trem em Paris, que viraram símbolos de sorte, inspirando até a criação de bonecos e pingentes, tratados como amuletos. Duncan tinha um par desses, carregado ao pescoço.

Encontrar dois pastores-alemães em meio a um canil em ruínas e cheio de corpos já era um sinal de sorte. Na época, um cão da raça chegava a ser vendido por 10 mil dólares, o equivalente hoje a cerca de 215 mil dólares – embora Duncan não pretendesse negociar a venda dos animais. Simplesmente os queria como bichos de estimação. No entanto, apenas Rin Tin Tin estava com saúde suficiente para sobreviver à viagem da Europa aos Estados Unidos.

Por conta da superação do cachorro às adversidades, Duncan suspeitava que havia um destino glorioso reservado para ele. O dono o tratava com todo zelo e acreditava no potencial do seu bicho – algo que fazia parte dos ideais dos integrantes do Clube do Pastor-Alemão dos Estados Unidos, ao qual se filiou em 1922. O grupo surgiu com os primeiros anos da popularização da raça, criada em 1899 por Max Emil Frierich, que buscava um cachorro perfeito, reunindo qualidades como força, coragem, nobreza, lealdade, perspicácia, altivez e beleza. Tudo isso se encontrava em Rin Tin Tin. Duncan presumia que ele e seu cachorro poderiam ser “alguém na vida”, mas não sabia como, até ler o artigo que lhe inspirou, Por que não fazer o seu hobby render dinheiro?

“Hoje, essa ideia é comum, mas na década de 1920 era surpreendente. Trabalho sempre fora somente trabalho, nada tinha a ver com gratificação – fosse por meio de algum hobby ou da realização de uma visão pessoal. Se a fortuna lhe sorrisse, você arranjaria um emprego e prosperaria – talvez até ficasse rico. Mas a guerra toldara essa linha de pensamento”, escreve Susan, experiente jornalista que passou por revistas como Rolling Stone, Vogue, New Yorker, Esquire e escreveu uma dezena de livros, dentre eles O ladrão de orquídeas, que inspirou Adaptação, filme de Spike Jonze, com roteiro de Charlie Kaufman.

O resultado inesperado de Rin Tin Tin – a vida e a lenda garantiu a sua entrada na lista dos best-sellers, dos 100 melhores livros do ano do New York Times, que a proclamou “uma obra de valor inestimável”. Não foi exagero do jornal. E o mais chocante é que a publicação, já tratada como “patrimônio nacional”, parte da ideia esquisita de biografar um cachorro. 

DÉBORA NASCIMENTO, editora-assistente da revista Continente.

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