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Minha vida em Hollywood

TEXTO Ana Maria Bahiana

01 de Janeiro de 2014

Em Hollywood, relações entre mídia e artistas são medidas pelo mercado. Se o jornalista é de um veículo ou território de exibição rentável, seu prestígio cresce

Em Hollywood, relações entre mídia e artistas são medidas pelo mercado. Se o jornalista é de um veículo ou território de exibição rentável, seu prestígio cresce

Foto Reprodução

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 157 | janeiro 2014]

Quando eu vim para cá, nos idos tempos de 1987,
sem conhecer ninguém e sem saber dirigir, e ligava para algum divulgador ou executivo de um estúdio para me apresentar como correspondente para o Brasil, em geral, ouvia uma grande silêncio antes da resposta. E a resposta, muitas vezes, incluía coisas como “hã… onde mesmo é que fica?” e “prefere falar em espanhol?”. Havia certa surpresa em saber que o Brasil tinha tantos jornais e revistas, que se interessava por cinema, música, livros… Pessoas do setor criativo, às vezes, tinham algumas referências cinematográficas: Pixote era a mais comum (mais tarde, Denzel Washington e os diretores Spike Lee e John Singleton se revelaram fãs do filme de Hector Babenco); alguns mencionavam Dona Flor e seus dois maridos. Mas o espanto, cercado de ignorância por todos os lados, era o mais comum.

Muitos fatores contribuíam para isso. Na década de 1980, na verdade até o final do século passado, a indústria de cinema e TV estava voltada prioritariamente para o mercado interno norte-americano. Projetos eram idealizados, desenvolvidos e realizados para atender esse mercado, o maior do mundo em consumo de produtos audiovisuais. O que viesse do exterior era um extra, um bônus. E, quando os estúdios falavam de exterior – ou “os territórios”, no vocabulário da indústria –, estavam se referindo aos “oito grandes” da época: Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália, Espanha e Austrália-Nova Zelândia.

Foi um trabalho de água mole em pedra dura. Muitos telefonemas. Muitos contatos. O envio regular de minhas matérias para cada pessoa que tinha me possibilitado a entrevista ou cabine. Muitas conversas explicando o país, o público, as preferências, o mercado editorial.

Muitas brigas, também: aprendi desde muito cedo que, aqui, ninguém dá respeito de graça, é preciso se impor, se fazer valer. Para muita gente, eu sei, criei fama de carne de pescoço, complicada, marrenta. Uma vez, fiquei “de castigo”, na geladeira, sem ser incluída em atividades de imprensa, porque não aceitei que se negassem materiais de divulgação ao Brasil por, nas palavras do divulgador, “não ser um país importante”. (George Clooney me tirou do castigo. Mas isso já é outra história…)

Aos poucos, algumas coisas importantes foram acontecendo. No meu universo micro, fui aprendendo por que Los Angeles é conhecida como a “cidade das redes” – porque os contatos, as amizades, parcerias e alianças que se fazem aqui são para valer, duram a vida toda e se tornam o maior capital que uma pessoa pode ter.

No mundão lá fora, a saturação do mercado norte-americano, combinada com o estilhaçamento das mídias, além do “ir ao cinema” e o crescimento de novos mercados consumidores de tudo – inclusive entretenimento –, fora das fronteiras dos Estados Unidos, gradualmente inverteu a ordem de prioridades da indústria.

Os “territórios” ficaram primeiro visíveis, depois desejados e, finalmente, indispensáveis. Segundo o mais recente relatório da Motion Picture Association of America, no ano de 2012, 69% da receita de filmes realizados nos Estados Unidos vêm do exterior – 23.9 bilhões de dólares. Nesse universo, duas áreas apresentaram maior crescimento de consumo nos últimos três anos: Ásia/Pacífico e América Latina. Na Ásia/Pacífico, os mercados que mais cresceram foram China, Índia e Coreia do Sul. Na América Latina, um domina todos os outros: o Brasil.

O oposto se passa, agora: projetos são pensados, desenvolvidos e criados para atender primeiro os mercados exteriores (ou você acha que aqueles Velozes e furiosos no Rio de Janeiro foi coincidência?). Campanhas de divulgação planejam cuidadosamente a escalada no exterior. Todo mundo sabe onde o Brasil fica, que idioma fala, quantas telas tem, quando são os feriados, que tipo de filmes, atores e diretores fazem sucesso.

O passo seguinte, acredito, é um diálogo maior, mais inclusivo, que saia apenas da área do consumo e inclua a criação, a troca, a parceria. Filmes como Central do BrasilCidade de Deus e Ônibus 174 recolocaram o Brasil nas conversas como um lugar onde se faz bom cinema e lançaram, acima de qualquer dúvida, as carreiras internacionais de Walter Salles, Fernando Meirelles e José Padilha. Infelizmente, foram arrancos individualizados, isolados, sem a continuidade e a sustentação que outros países, como Chile, Argentina, México, Espanha, Dinamarca, Coreia do Sul e Bélgica, tiveram e têm.

Quando me perguntam “o que falta para o Brasil…. (aqui pode ser: ganhar um Oscar, ser mais conhecido lá fora, fazer sucesso lá fora etc.)?”, eu respondo: esta indústria aqui, já faz algum tempo, está esperando pelo Brasil, tem enorme curiosidade sobre o Brasil, gostaria de ser parceira do Brasil. É como uma grande festa, um jantar, com uma linda mesa posta cheia de gente em volta e com lugar reservado, mas, por enquanto, vazio.

Acho que essa minha vida de desbravadora das selvas hollywoodianas vai ficar completa quando eu puder, afinal, ver o Brasil tomar seu lugar à mesa, dialogando de igual para igual, em todas as frentes, criando junto, produzindo junto, intercambiando, trocando, mostrando sua cara.

Vou ficar bem feliz. Missão cumprida. 

ANA MARIA BAHIANA, jornalista, vive há cerca de 20 anos em Los Angeles, de onde faz reportagens e comentários sobre cinema.

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