Um pintor de costumes e temas clássicos que dedicava horas de suas composições a retratar naturezas-mortas em recantos vazios de salões, detalhes de toucadores, quartos espelhados, vasos com flores, mesas após a refeição, jantares em família, encontros de amigos. Quando levava seu cavalete às ruas, plasmava imagens de cruzamentos barulhentos, portos e ruas movimentadas de diversas cidades europeias em plena era moderna; partidas de tênis no sábado à tarde; passeios de barcos de senhoritas. Retratos... muitos retratos de centenas de rostos e costumes do final do século 19, até a metade do século 20. Jacques-Émile Blanche foi um artista que testemunhou grandes mudanças e modernizações, mantendo-se suspenso num tempo e aura específicos, numa atmosfera aromatizada pelos charutos ingleses, ao som do farfalhar de longos vestidos arrastados nos salões.
O artista de múltiplas habilidades também não cedeu à novidade da fotografia. Para ele, a fotografia era uma mera ferramenta que o ajudava nos seus estudos de composição e iluminação, com resultados impressionantes, como na corrida de cavalos da tela Le Derby d’Epson, que foi pintada a partir de uma foto. Ou nos retratos que fez de Jean Cocteau, Gilda Darthy e Vaslav Nijinsky. Artistas fotografados em seu estúdio e jardim, e em seguida transpostos para a tela em cenários distintos aos da fotografia, numa livre reinterpretação do autor.
Depois de quase 90 anos, o pintor teve a primeira monografia dedicada à sua obra: Jacques-Émile Blanche, de Jane Roberts, pela editora francesa Gourcuff Gradenigo. A autora conseguiu catalogar 1.500 telas produzidas por Blanche. Em homenagem, e concomitante ao lançamento dessa monografia, a Fundação Pierre Bergé-Yves Saint Laurent montou a exposição Jacques-Émile Blanche, un salon à la belle époque, no início deste ano, em Paris.
Uma lembrança sempre justa, mas que infelizmente não chega a introduzir seu nome no panteão dos grandes nomes da música, do teatro, da literatura e pintura da belle époque. Um espaço já romanceado na construção do imaginário e da memória do século 20.
Entretanto, o Blanche redescoberto é como entrar devagar no toucador de Lucie, sem ser percebido. Contemplar o leve azul das paredes e poltronas tocados pela força dourada da luz de fim de tarde e ser dragado pela força mística, quase hipnótica, do olhar de uma moça sentada entre cadeiras vazias. O mundo fez-se outro, mas, de alguma forma, Lucie continua lá, à espera de ser descoberta.
EDUARDO DUARTE, jornalista, professor da UFPE, mestre em Antropologia e doutor em Ciências Sociais.