A mostra extrapola as paredes do Malba e ganha as ruas com frases e instruções – como “Renda-se à paz” – transmitidas em rádio e impressas em jornal, assim como mensagens transmitidas pelas redes sociais.
Yoko começou a mobilizar o público dois meses antes da inauguração, com uma convocatória pela internet chamada Ressurgimento. Nela, convida mulheres de toda a América Latina a enviarem fotos dos seus olhos e um relato sincero, com suas próprias palavras, de alguma violência de gênero que tenham vivido. A experiência, realizada recentemente na Cidade do México e que seguirá por outros países até tornar-se um livro, busca liberação e cura do trauma através da história compartilhada. As capturas dos olhos e textos enviados estão expostas na instalação Ressurgimento na mostra no Malba.
“As obras de Ono são fundadas em um conceito que vai se cristalizando, não tem uma dimensão psicológica, associações, subjetividades. Sua elaboração material está determinada, em boa medida, pelo espectador e participante”, explica um dos curadores, Gunnar B. Kvaran, que também é diretor do Museu Astrup Ferley, de Oslo.
VIDA, AMOR E OBRA
Nascida em 1933 em Tóquio, Japão, Yoko Ono mudou-se com a família para os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Viveu entre as cidades de Tóquio, São Francisco e Nova York, sendo esta última a que escolheu para viver. Sua família queria que estudasse música, mas ela preferiu seguir seus sonhos e tornou-se a primeira mulher matriculada no curso de Filosofia da universidade japonesa Gakushuin. Mais tarde, formou-se em Poesia e Composição Contemporânea no Sarah Lawrence College, Nova York.
Na cosmopolita e frutífera cidade para a arte de vanguarda, iniciou sua carreira ligada à arte conceitual e passou a fazer parte do grupo neovanguardista Fluxus. Participou de performances e de happenings dos anos 60. Sua obra ganhou projeção e atraiu interesse, incluindo o de Peggy Guggenheim e Marcel Duchamp.
Também capturado pelo seu trabalho, John Lennon quis conhecer a artista, o que aconteceu em 1966. Os dois se apaixonaram e compartilharam ideias, bandeiras de paz e amor e a vida artística. Vinculados à música pop, eles criaram a banda Plastic Ono Band, realizando eventos em defesa da paz mundial, como o Bed In, em Amsterdã (1969) e Montreal (1968). Deitados numa cama, eles convocaram a mídia e o interesse do público clamando contra a guerra e a favor do amor. Yoko realizou filmes conceituais, como Fly, e discos marcados pelo experimentalismo, alguns deles junto com Lennon.
Após o assassinato do ex-beatle, em 1980, ela reduziu sua produção e deixou entrever em sua obra seu sentimento de perda. Porém, a partir de 1989, retoma exposições, com esculturas relacionadas à sua produção da década de 1960. A partir dos anos 2000, mantém-se muito ativa com intervenções em espaços públicos, internet e colaboração com artistas musicais.
Sua filosofia motivadora e instruções positivas, coesas, permaneceram em uma linha de tempo e não se contaminaram pelas experiências vividas – mudança de país, ser vítima de preconceito e ter testemunhado o assassinato do marido – e a carga negativa que Yoko recebeu ao longo da vida.
Acusada e odiada por muitos, por supostamente ter separado os quatro garotos de Liverpool, e lembrada apenas como “a viúva de Lennon”, a artista soube construir uma obra autêntica e fértil, emanando otimismo, serenidade e amor. Monta e inaugura exposições pelo mundo, enquanto nutre diariamente seus 4,8 milhões de seguidores no Twitter com mensagens de inteligência emocional, libertação e afeto, mantendo viva a memória do seu grande amor.