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Horror Queer: O vilão como metáfora

Filmes clássicos, como 'A hora do pesadelo', servem como alegoria para expor a condição “monstruosa” do homossexual na sociedade heteronormativa

TEXTO Olivia Souza

01 de Novembro de 2015

Sequência de 'A Hora do Pesadelo' que completa 30 anos neste novembro

Sequência de 'A Hora do Pesadelo' que completa 30 anos neste novembro

Imagem Divulgação

No livro Monsters in the closet: Homosexuality and the horror film – publicação de 1997 e pioneira ao analisar o cinema de horror através de uma perspectiva queer –, Harry M. Benshoff argumenta que histórias de terror e filmes de monstros, mais do que qualquer outro gênero cinematográfico, podem servir de alegoria para expor a condição “monstruosa” do homossexual diante de uma sociedade heteronormativa e restritiva.

A epidemia da Aids, na década de 1980, por exemplo, ajudou a espalhar consideravelmente discursos equivocados, que comparam o homossexual a um predador terrível e contagioso que, “com uma simples gota de sangue”, poderia condenar à morte a mais pura e inocente das vítimas. “Algumas pessoas sempre consideraram intrinsecamente monstruoso e não natural tudo que esteja fora ou que seja oposto ao status quo. Talvez, uma abordagem ideológica de monstros fictícios frequentemente seja perpassada por um reconhecimento dos horrores da vida real, tal como a Aids”, explana Benshoff.

Nesse sentido, ainda que não seja explicitada a intenção de alguns cineastas em abordar questões de gênero e sexualidade de uma forma direta, a teoria queer possibilita que certos filmes sejam analisados sob esse ponto de vista. É o caso da sequência do clássico A hora do pesadeloA hora do pesadelo 2: A vingança de Freddy (1985), que neste novembro completa três décadas desde o seu lançamento, sendo cultuado como um dos filmes de horror “mais gays de todos os tempos”.

Na mitologia do personagem, construída no primeiro longa de Wes Craven (1939-2015), Freddy Krueger é uma entidade que persegue um grupo de jovens dentro de seus sonhos, sobretudo a jovem Nancy, atormentada até a beira da loucura pelo estranho indivíduo de garras e suéter verde. Na sequência dirigida por Jack Sholder, com roteiro de David Caskin, o garoto Jesse Walsh e sua família se mudam para a antiga casa de Nancy, localizada na famosa e maldita Elm Street, e se tornam, automaticamente, alvo da obsessão do assassino – o que já quebra uma das primeiras “regras” dos filmes de terror slasher: a presença de protagonistas femininas, as chamadas scream queens.


Presença do vilão Freddy Krueger está ligada à sexualidade do protagonista (E). Imagem: Divulgação

No filme, Krueger deseja mais do que simplesmente atormentar e assassinar suas vítimas em seus pesadelos. Agora, ele quer tentar chegar ao mundo real e, para tal, utilizará o corpo de Jesse, dando continuidade à matança. Em Monsters in the closet, Benshoff cita o trabalho do crítico Robin Wood, que, em uma série de ensaios produzidos na década de 1970, sugere que a temática cerne do gênero horror estaria exatamente na relação entre a normatividade (patriarcal, heterossexual, capitalista) e o Outro (encarnado na figura do monstro, o ser estranho que surge para desestabilizar o status quo). O monstro seria para a “normalidade” a ameaça que o homossexual é para o hétero. “Dessa forma, histórias de horror e filmes de monstros, talvez mais que qualquer outro gênero, suscitam interpretações queer, por causa das suas formas metafóricas, e dos seus formatos de narrativa que quebram com o status quo heterossexual”, escreve Benshoff.

O subtexto presente em A hora do pesadelo 2 oferece pistas de que a presença de Krueger no filme estaria intrinsecamente relacionada à sexualidade do protagonista (foi confirmado há pouco pelo roteirista e por parte do elenco que a homossexualidade latente do filme era intencional). Jesse tem um “mal” dentro de si, tentando a qualquer custo vir ao mundo real que ele faz de tudo para esconder das pessoas que o rodeiam. Além disso, ele é diferente e incompreendido por sua família, que o ignora solenemente durante suas crises – conflitos que podem muito bem ser trazidos para a realidade de um jovem gay não-assumido. Há também o (des)interesse amoroso de Jesse por uma garota, ao passo que sua curiosidade recai principalmente em seu melhor amigo. Enquanto no longa de estreia da franquia Freddy Krueger é o pesadelo do adolescente hétero suburbano e sexualmente ativo, no filme seguinte, ele se torna o símbolo do horror que ronda a sexualidade de Jesse, o medo de se descobrir (e ser descoberto) e sofrer o “pesadelo gay” dos anos 1980.

Para Benshoff, é equivocado relacionar homossexualidade e monstruosidade de forma negativa. Pois assumir-se como “monstro” (queer, que em tradução direta significa “estranho”, “ridículo”) é, em si, uma estratégia de empoderamento, a partir do momento em que um grupo marginalizado toma para si um termo que a cultura heterossexual dominante utilizou como rótulo depreciativo ao longo dos tempos.

O que não significa dizer que o horror produz, necessariamente, leituras queer – nem todos os espectadores desses filmes, héteros ou homossexuais, fazem esse tipo de interpretação (e às vezes nem mesmo é a intenção dos produtores). Mas vale ressaltar a importância desses cenários fantásticos em que um Freddy Krueger pode – mesmo que de forma aterrorizante e debochada – dar voz e espaço a comportamentos não normativos, estimulando audiências e sensibilidades. 

OLIVIA SOUZA, editora da Continente Online.

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