No filme, Krueger deseja mais do que simplesmente atormentar e assassinar suas vítimas em seus pesadelos. Agora, ele quer tentar chegar ao mundo real e, para tal, utilizará o corpo de Jesse, dando continuidade à matança. Em Monsters in the closet, Benshoff cita o trabalho do crítico Robin Wood, que, em uma série de ensaios produzidos na década de 1970, sugere que a temática cerne do gênero horror estaria exatamente na relação entre a normatividade (patriarcal, heterossexual, capitalista) e o Outro (encarnado na figura do monstro, o ser estranho que surge para desestabilizar o status quo). O monstro seria para a “normalidade” a ameaça que o homossexual é para o hétero. “Dessa forma, histórias de horror e filmes de monstros, talvez mais que qualquer outro gênero, suscitam interpretações queer, por causa das suas formas metafóricas, e dos seus formatos de narrativa que quebram com o status quo heterossexual”, escreve Benshoff.
O subtexto presente em A hora do pesadelo 2 oferece pistas de que a presença de Krueger no filme estaria intrinsecamente relacionada à sexualidade do protagonista (foi confirmado há pouco pelo roteirista e por parte do elenco que a homossexualidade latente do filme era intencional). Jesse tem um “mal” dentro de si, tentando a qualquer custo vir ao mundo real que ele faz de tudo para esconder das pessoas que o rodeiam. Além disso, ele é diferente e incompreendido por sua família, que o ignora solenemente durante suas crises – conflitos que podem muito bem ser trazidos para a realidade de um jovem gay não-assumido. Há também o (des)interesse amoroso de Jesse por uma garota, ao passo que sua curiosidade recai principalmente em seu melhor amigo. Enquanto no longa de estreia da franquia Freddy Krueger é o pesadelo do adolescente hétero suburbano e sexualmente ativo, no filme seguinte, ele se torna o símbolo do horror que ronda a sexualidade de Jesse, o medo de se descobrir (e ser descoberto) e sofrer o “pesadelo gay” dos anos 1980.
Para Benshoff, é equivocado relacionar homossexualidade e monstruosidade de forma negativa. Pois assumir-se como “monstro” (queer, que em tradução direta significa “estranho”, “ridículo”) é, em si, uma estratégia de empoderamento, a partir do momento em que um grupo marginalizado toma para si um termo que a cultura heterossexual dominante utilizou como rótulo depreciativo ao longo dos tempos.
O que não significa dizer que o horror produz, necessariamente, leituras queer – nem todos os espectadores desses filmes, héteros ou homossexuais, fazem esse tipo de interpretação (e às vezes nem mesmo é a intenção dos produtores). Mas vale ressaltar a importância desses cenários fantásticos em que um Freddy Krueger pode – mesmo que de forma aterrorizante e debochada – dar voz e espaço a comportamentos não normativos, estimulando audiências e sensibilidades.
OLIVIA SOUZA, editora da Continente Online.