A familiaridade com desenhos de caracteres, no entanto, vem desde a infância. Caetano conta que seu pai, o publicitário Batista Antônio Calomino, dominava a construção dos sinais alfabéticos numa época em que o computador ainda não estava presente nas agências e os layouts eram criados manualmente. No início dos anos 2000, já durante a graduação em Desenho Industrial, que não chegou a concluir, Caetano trabalhou como tatuador no lendário estúdio Caio Tatoo, na Galeria River, no Arpoador, e lá percebeu sua inclinação para o trabalho com letras.
Após uma temporada como produtor da banda de rock Matanza, Calomino mudou-se para São Paulo. Lá foi empregado numa fábrica de camisetas no Bairro do Brás, região com forte concentração de indústria e comércio de confecções, desenhando estampas para marcas como C&A, Pernambucanas e Hot Wheels. “Nessa época, fiquei obcecado pelo computador. Fazia todos os tutoriais possíveis e imagináveis do Photoshop, Illustrator. Então, saí da fábrica e decidi divulgar meu próprio trabalho na internet”, lembra.
Depois de um curso, Calomino se encantou pelo letramento, e passou a se dedicar à área. Imagem: Divulgação
Incentivado pela esposa, a designer gráfica e diretora de arte carioca Flávia Zimbardi, Calomino aprofundou seus estudos em caligrafia com renomados artistas brasileiros, como Claudio Gil e Yomar Augusto. Em pouco tempo, acabou se aproximando do sign painting, técnica de pintura de letreiros comerciais desenvolvida em vários países e que enverga inúmeros estilos. Uma diversidade estética tão surpreendente quanto exuberante, que abarca desde o fileteado portenho, típico da cidade de Buenos Aires, na Argentina, aos letreiramentos populares criados por abridores de letras em Pernambuco, tema abordado em livro pela designer e pesquisadora Fátima Finizola.
LETTERINGS
Em busca de fundamento para a produção de letterings (termo em inglês para letreiramentos) para grifes, editoras e até shapes de skate, Calomino pesquisou sobre o tema em livros antigos disponíveis no site da Biblioteca do Congresso Norte-Americano, informando-se sobre materiais, tipos de pincéis, detalhamento técnico e repertório de formatos de letras. “Nos Estados Unidos, apesar das dificuldades, a tradição e a cultura do sign painting estão mais preservadas. No Brasil, as pessoas estão mais isoladas e presas às mesmas referências”, considera.
Imagem: Divulgação
No final de 2013, o artista Mike Meyer, um dos principais divulgadores do sign painting no mundo, descobriu a produção de Calomino na internet e o convidou para um treinamento em seu estúdio na cidade de Mazeppa, em Minesotta, nos Estados Unidos. “Só deu tempo de largar a mala no chão e ele já foi logo soltando papel e falando ‘Presta atenção aqui’. E foi assim até eu colocar os pés fora de lá”, comenta. “Eu pintava letras o dia inteiro e, na hora de dormir, Mike me trazia pilhas de livros. Passei madrugadas lendo, fotografando e xerocando”, recorda. “Foi muito pesado. Era janeiro, pleno inverno, e eu dormia ao lado do fogão do estúdio pra me aquecer. Voltei com pereba nas costas, todo doído, mas não me arrependo nem um segundo. Faria tudo de novo.”
Em março, Calomino já estaria de volta a Mezeppa para participar de um encontro internacional de sign painters organizado por Meyer, com a presença de 125 artistas vindos de países como Alemanha, Inglaterra e Escócia. “A diferença de escolas era nítida. Os Estados Unidos, mais chamativos e pop, tudo com muita cor, sombra e volume. O Reino Unido, mais clássico. Os alemães passavam mais tempo medindo do que pintando. Não podia ter uma coisa fora do lugar”, conta.
Hoje, o artista vive e trabalha no Brooklyn, com sua família. Foto: Divulgação
Morando com a família no Bairro do Brooklyn, em Nova York, desde o começo do ano, Calomino acredita que a articulação de projetos a partir de uma base nos Estados Unidos seja mais promissora do que no Brasil. Inclusive em função de um interesse crescente do mercado por comunicações gráficas de inspiração artesanal, em resposta à saturação de imagens digitalmente concebidas. “Hoje em dia, o orgânico, o regional, estão sendo valorizados. As pessoas cansaram do computador, da grande indústria, do padronizado, do pasteurizado”, defende. A transferência para outro país, entretanto, tem motivações ainda mais pessoais. “A gente podia ficar muito confortável no Brasil, sendo um dos poucos que sabem fazer aquilo, e ser um peixe grande num lago pequeno. Mas, se não tiver um cara na sua frente correndo mais rápido, você não vai ver por que precisa se esforçar mais. E eu gosto de correr contra gente grande”, afirma, convicto.
PATRICIA AMORIM, jornalista, professora de História do Design Visual da ESPM São Paulo e doutoranda em Design pelo Programa de Pós-Gradução em Design da UFPE.