Hoje, outros elementos marcam seu trabalho: o hiper-realismo e a escala 1:1 unem-se ao inusitado material do revestimento – em cores e texturas fortes – dos objetos e esculturas. Os materiais que mais utiliza agora são poliestireno, espuma expansiva e cordas de náilon.“As cordas apareceram quando quis me afastar um pouco da pintura. Me emocionei com o resultado. Meu trabalho é autodidata, então, sentir esse prazer e emoção é algo que pontua todas as mudanças no que faço.”
Seu trabalho lança um olhar crítico sobre comunidades
indígenas ameaçadas. Foto: Orlando dos Santos/Divulgação
Mozart é graduado em Arquitetura e trabalhou como cenógrafo de teatro e cinema. Dividiu ateliê com diferentes artistas que “remavam como ele, começando a carreira”. Durante o governo Collor, resolveu tentar a vida longe: foi para a França. “Quem vivia de artes plásticas no Brasil era a classe média, classe média alta, sabe? Era difícil.”
Cordas de náilon foram incorporadas resultando em novas
dimensões e texturas. Foto: Orlando dos Santos/Divulgação
Sua partida ocorreu numa época em que as atenções se voltavam à produção artística do Recife. Mas foi só em Paris, ouvindo uma estação de rádio francesa – hábito que, junto com a audição de canções de jazz, cultiva até hoje durante seu processo de criação –, que escutou pela primeira vez Chico Science (na mesma rádio, bem depois, ouviu também uma versão japonesa de Paraíba, de Luís Gonzaga. Não ficou mais surpreso com nada). Suas referências vêm de todos os lugares, resultando numa obra bastante autoral. “Tudo que vejo, eu assimilo.”
Pelo menos a influência do colombiano Fernando Botero o público recifense pode avistar numa escultura de sua autoria, a Mulher acocorada, feita no ínício dos anos 1990, que compõe o acervo do Parque das Esculturas, no Shopping Recife. “Basicamente porque nós dois trabalhávamos com gordos”, resume.
Grafismo e policromia marcam sua obra.
Foto: Orlando dos Santos/Divulgação
Além da corpulência das obras de Botero, da versatilidade de David Mach e do hiper-realismo gigante de Ron Mueck, o que – naturalmente! – inspira Mozart são seus próprios pensamentos e vivências. A imagem do alvo, constante em suas obras desde seu início, ele afirma ter sido um insight: além do efeito estético hipnótico, há a simbologia de um jogo cínico. “É lúdico e colorido, mas é ambíguo. Há uma ironia, uma diversão estranha naquilo. O que a gente aprecia a gente destrói.” Um dos usos mais marcantes dos elementos desse objeto está nas esculturas de rostos indígenas, esculpidos minuciosamente e revestidos com cordas coloridas, cercados pelas linhas de mira. A criticidade na sua obra é também manifestada em outras coleções, como nos babuínos em posições humanas e nas gueixas com bocas costuradas.
Criador e criatura. A escultura em 1:1 une o mundo real ao da fantasia.
Foto: Kristine Thiemann
Foi, ainda criança, morador do Bairro do Arruda, zona norte do Recife, que ele manifestou suas habilidades artísticas, criando os próprios brinquedos. No nosso encontro, sentado numa varanda próxima ao lugar onde cresceu, Mozart contou de sua saudade: “Uma vez fiquei três anos sem vir ao Brasil. Na despedida, tive aquela dor na hora de embora. Não quero mais isso”. Dias depois, encontro Mozart no Bloco Amantes da Glória, no Carnaval, e lembro uma de suas últimas falas: “Construí minha vida na França e quero ficar lá, mas sou do Recife. Escreve que amo isso aqui e que ainda sou recifense”.
LAÍS ARAÚJO, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.