Um péssimo título não chega a destruir totalmente a reputação de um longa-metragem, afinal, o que importa mesmo é o conteúdo deste, mas é algo inconveniente, porque é o seu primeiro atrativo, principalmente para uma plateia não muito acostumada a acompanhar crítica cinematográfica. A maioria dos espectadores opta por assistir a filmes, seja nas salas de exibição ou em casa, devido estritamente ao que informam suas chamadas. E é exatamente por conta da necessidade de atrair esse perfil de público que surgem os equívocos, os excessos e as bizarrices nessa área.
Um dos exemplos gritantes é a obra que rendeu, até agora, o único Oscar de Melhor Filme a Woody Allen, Annie Hall, cujo original refere-se ao nome da personagem interpretada por Diane Keaton, que, por tabela, recebeu a estatueta de Melhor Atriz por sua magnífica atuação nessa comédia sobre o começo e o fim de um relacionamento amoroso. O título em português ganhou um ar de “sessão da tarde” desmiolada, Noivo neurótico, noiva nervosa, nada condizente com os diálogos extremamente perspicazes e sensíveis do roteiro.
Annie Hall virou Noivo neorótico, noiva nervosa. Foto: Divulgação
Assim como prova o clássico de Allen, as comédias geralmente são as maiores vítimas de títulos despirocados, pois os tradutores costumam apelar para a chacota, o escracho e o clichê. Houve uma época em que a palavra trapalhão (e não estamos falando das dezenas de filmes dos Trapalhões) era sempre lembrada, Vigilante trapalhão (1960), O trapalhão (1964), Um convidado bem trapalhão (1968), protagonizado por Peter Sellers e dirigido por Blake Edwards, Um viúvo trapalhão (1968), Um assaltante bem trapalhão (filme de 1969 de Woody Allen), cujo original é Take the money and run (Pegue o dinheiro e corra). A lista é imensa, como é também a dos que possuem “louco” na tradução brasileira.
Assim como a “tradução” da franquia Se beber não case, que caiu na própria arapuca, outra lambança aconteceu com Meet the parents, que, em português, seria Conheça os pais, mas, no país, transformou-se em Entrando numa fria. Ok, mas o problema é que vieram as continuações. Então, em vez de utilizarem o recurso óbvio do 1, 2, 3, que aliás, vem batizando as sequências de Duro de matar (parou no “4”; o 5º, em vez do “5”, ganhou o subtítulo estranho de Um bom dia para morrer) e Sexta-feira 13 (parou no “9”, mas a franquia continuou sem os numerais), quiseram retrabalhar o título original. Dessa forma, o segundo filme protagonizado por Ben Stiller virou Entrando numa fria maior ainda e, em 2012, o terceiro foi batizado de Entrando numa fria maior ainda com a família. Como se vê, um fiasco, até porque, apesar de imenso, o título não quer dizer absolutamente nada – pode se referir à qualquer situação, uma viagem mal-sucedida, por exemplo. E a história, pelo menos a do primeiro, é sobre um cara que vai conhecer a família da noiva, cujo pai é bastante esquisito.
REVELAR O FIM
A criatividade dos tradutores brasileiros claramente tenta dar uma “melhorada” nos títulos originais. O clássico dos anos 1980, Ferris Bueller’s day off ganhou fama no Brasil como Curtindo a vida adoidado. Já a comédia Airplane teve uma incrementada no título quando chegou por aqui, transformando-se em Apertem os cintos, o piloto sumiu, que, na realidade, é um pequeno spoiler.
Título de O sobrevivente no Brasil conta o final do filme. Foto: Divulgação
A propósito, contar parte do filme é o que boa parte das “traduções” de títulos fazem, como aconteceu com The graduate, mais conhecido no país como A primeira noite de um homem. Outro caso absurdo é o da obra de Werner Herzog, de 2006, O sobrevivente (Rescue dawn). Ou seja, o título simplesmente conta o final da história! E já que revelaram o desfecho, podemos falar da trama, não é? Um helicóptero cai no Vietnã, durante a guerra, e os tripulantes americanos ficam reféns dos vietcongues, recebendo dos algozes tratamento especial à base de pouco arroz e ínfima água. Um dos soldados é interpretado por Christian Bale. Com isso, o espectador já sabe quem será “o sobrevivente”. Outro exemplo clássico de spoiler é o de Vertigo (Vertigem), de Alfred Hitchcock, que aqui virou Um corpo que cai.
Há os casos de traduções ainda mais desconexas do sentido original. Essas versões ganharam tons poéticos e pomposos como Meu ódio será sua herança, clássico faroeste de Sam Peckinpah. O problema é que não existe, para justificar o nome, relação entre pai e filho, muito menos uma herança. O original é The wild bunch, que seria algo como “o bando selvagem”. Já o western de William Wyler The big country se tornou Da terra nascem os homens. Um outro exemplar da mesma época, dessa vez do diretor Elia Kazan, Giant, com James Dean e Elizabeth Taylor, conquistou sua fama aqui como Assim caminha a humanidade, que até música de Lulu Santos virou. Mais um título épico é o de Os brutos também amam. O original é Shane.
Sequência de Meu primeiro amor recebeu, no nome, um absurdo “2”. Foto: Divulgação
A propósito, os tradutores brasileiros parecem ter um problema com títulos originais que tragam nomes próprios – estes logo se transformam em outra coisa, como All about Eve, mais conhecido no Brasil como A malvada. O pior é que a capa do DVD, que traz o rosto de Bette Davis com aquele ar soberbo e meio enjoado, faz com o que o público leigo pense que o adjetivo do título refere-se a ela. E aí, pelo menos, surpreende-se com o desenrolar do enredo.
O já citado Woody Allen geralmente não é tão importunado pelas traduções. Dos seus 70 filmes, pouquíssimos sofreram com novos batismos. Por isso, o diretor não teria muito do que reclamar. Afinal, o maior título da história e mais louco do cinema pertence a ele e foi traduzido literalmente, no Brasil, como Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar. Mesmo assim, o prolífico cineasta tem um contrato de direito sobre seus títulos. Por isso sua obra de maior sucesso de bilheteria, Midnight in Paris, virou Meia-noite em Paris mesmo.
Para concluir, não podemos esquecer aquele que talvez seja o mais bizarro caso de título estapafúrdio no Brasil – e não é o de Se beber não case 3 lá do começo do texto. Estamos falando de My girl, aquele em que o então badalado ator mirim Macaulay Culkin se apaixona por uma menina bem legal, mas daí ele morre e fim. Na sequência, a tal “girl” encontra um novo pretendente em sua vida. Como ficou em português? Meu Primeiro Amor 2. Sem mais.
DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.