A música que intitula o disco foi “vazada” há um mês na internet e ganhou destaque em vários sites e blogs de música. O refrão diz: “Então sintonize aonde quer que você vá/ Ele acenou com sua mão/ Deu-nos o rock’ n’ roll/ A trilha sonora para se apaixonar/ Foi por isso que Deus fez o rádio”. Os Beach Boys falam do aparelho num tempo em que se ouve música com iPods, iPhones, “xingue-lingues” de MP3. A canção soa como se tivesse sido feita há 50 anos, e esse anacronismo permeia todos os 38 minutos que somam as 12 faixas do disco. Mas isso apresenta dois lados. Embora tenhamos nos costumado a esperar de um artista variedade, surpresa, sempre “o novo”, esse extemporâneo álbum comprova que, se o grupo não tentou “modernizar” sua sonoridade, também não deixou de compor e produzir belas músicas, num modo que somente eles podem fazer e que influenciou desde os citados Beatles, passando pelos novaiorquinos Ramones, nos anos 1970, até a californiana Best Coast, em 2009.
Foto: Divulgação
Os Beach Boys são a banda norte-americana com maiores vendagens, mais de 100 milhões de álbuns comercializados e 30 sucessos, incluindo os que chegaram ao primeiro lugar, como I get around (1964), Help me, Rhonda (1965), Good vibrations (1966) e Kokomo (1988). Entre 1962 e 1966, foram 12 álbuns consecutivos nas paradas. O ápice aconteceu em 1966, com o incremento na estética musical e na temática das letras, resultando no clássico psicodélico Pet sounds (lançado em maio daquele ano), que Brian Wilson definiu como “sinfonia adolescente para Deus”. Nos meses seguintes de 1966, os BB tiveram fortes concorrentes na psicodelia: The Byrds, com Fifth Dimension, em julho, e The Beatles (seus principais “adversários”), com Revolver, em agosto.
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Agora, com That’s why..., o grupo volta a explorar as características vocalizações intrincadas (que foram inspiradas no Four Freshmen). O disco abre com a única faixa instrumental, Think about the days, uma espécie de alerta para os fãs saberem que os próximos momentos serão bem emocionantes. O álbum exibe uma sucessão de apuradas composições, trazidas de um lado por Brian Wilson, e do outro, por Mike Love, primos que compuseram juntos alguns dos maiores sucessos dos BB, como Fun, fun, fun, mas que depois se afastaram – Mike, junto com os outros primos Dennis e Carl Wilson, e os amigos Al Jardine e Bruce Johnston, levou adiante os Beach Boys e tornou-se seu principal performer, enquanto Brian seguiu carreira solo.
É de se notar que, no CD, a maioria das faixas são assinadas por Brian, tendo como parceiros, Joe Thomas, Larry Milas, Jim Peterik e até Jon Bon Jovi (!), na tocante Summer’s gone. Mike, cujo crédito aparece em apenas quatro títulos, assina sozinho uma das melhores, Daybreak over the ocean, um hit em potencial. A propósito, o último grande sucesso do grupo, Kokomo, é de sua autoria – a música esteve na trilha sonora do filme Cocktail (1988), com Tom Cruise. As outras canções que se destacam são Isn’t it time, Spring vacation, The private life of Bill and Sue, com letra ao mesmo tempo lírica e irônica sobre reality shows. Nessas canções e, em especial, From here to back again, Brian Wilson comprova mais uma vez seu talento como compositor, arranjador e produtor.
Capa do recém-lançado 29º álbum de estúdio do grupo californiano. Imagem: Divulgação
O mais incrível de That`s why God made the radio é que, se tivesse sido lançado há 40, 30 anos, pelo menos, teria certamente uma repercussão bem maior e entraria para a lista dos melhores álbuns dos Beach Boys, junto com Surfin’ USA (1963), Today! (1965), Summer days (1965), Sunflower (1970) e Holland (1973). Mas é muito provável que essas canções se fixem apenas na memória dos fãs mais fiéis, não toquem nas rádios e não se tornem tão marcantes quanto, por exemplo, God only knows, faixa de Pet sounds, considerada por Paul McCartney a mais bela canção de amor da história.
Nas letras desse 29º álbum de estúdio da banda, a praia, o mar, as ondas, o sol, as garotas, os carros são citados, mas não propriamente como temáticas. As músicas estão menos “ensolaradas” e mais “entardecidas”. Há reminiscências, um sentimento constante de passagem do tempo, dos companheiros que já se foram (como Carl e Dennis Wilson, o único surfista deles) e a lembrança do fim da vida. É comovente constatar que aqueles jovens, bonitos, sorridentes, filhos do american way of life envelheceram (Brian Wilson fez 70 anos, em 20 de junho). O ambiente quase intocado, selvagem e ingênuo das praias mudou; o mar está avançando e praticamente não existe época exata para fazer calor ou frio no planeta. O verão, idolatrado pelos Beach Boys, não é mais como era antes. Nem eles são. Mas sua música, que exalava inocência, alegria e esplendor juvenil, ficou eternizada.
DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.