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Por onde andará Astrud Gilberto?

Livro de jornalista alemão, que pretende desvendar João Gilberto, não valoriza o “sumiço” de sua primeira esposa, a cantora cool que é outro ícone do gênero

TEXTO Schneider Carpeggiani

01 de Fevereiro de 2012

Cantora que se tornaria ativista em defesa dos animais, posa com casaco de pele.

Cantora que se tornaria ativista em defesa dos animais, posa com casaco de pele.

Foto Reprodução

O jornalista alemão Marc Fischer (1970-2011) fez de Ho-ba-la-lá (Companhia das Letras) uma espécie de diário da sua fixação por João Gilberto, que o levou a gastar todas as economias numa viagem ao Brasil para que o “pai da bossa nova” cantasse, só para ele, a famigerada onomatopeia que batizaria o seu livro. Durante sua temporada no país, esse “detetive selvagem” tentou se aproximar de todos que tiveram algum tipo de relação com o músico, de Miúcha a João Donato, passando até pelo cozinheiro de um restaurante carioca que fazia o único filé à altura do altíssimo padrão de exigência do freguês famoso. Muitos toparam falar, outros permaneceram num silêncio “joãogilbertiano”.

O leitor fica impressionado com o empenho de Fischer em revirar o Brasil e tudo o mais que fosse preciso para encontrar seu ídolo. Mas – como nos melhores roteiros – há um furo, uma pista que o “detetive” deixa escapar. Algo tão óbvio, que temos vontade de gritar: “Elementar, meu caro Fischer, elementar!”. O que teria a dizer sobre João Gilberto a sua primeira mulher, a cantora baiana Astrud Gilberto? Ou melhor: quem é hoje e por onde andaria Astrud? Seria ela capaz de decifrar o (ao menos para Fischer) “misterioso” significado por trás de “ho-ba-la-lá” e sua ambição de ser “o amor”, como descreve a letra da canção homônima?

Astrud é citada, rapidamente, num único parágrafo em todo o livro. Fischer diz apenas que ela havia “desaparecido” nos Estados Unidos, seguindo o padrão de mistério do ex-marido. E pronto. Nada mais é dito sobre essa cantora que virou sinônimo de um eterno verão carioca com brisa amena e sorridentes veranistas bronzeados, como se o Brasil permanecesse aquele mesmo da virada da década de 1950 para a de 1960, com rapazes de violão em punho perambulando pelas ruas, e uma garota de/girl from Ipanema que desafia o tempo e permanece linda e cheia de graça.

Resolvemos contornar a falha de Fischer, que se suicidou em abril de 2011, e procurar Astrud pela internet. A ausência de informações recentes só deixa a cantora ainda mais interessante (e não é também a “ausência” que faz João Gilberto ser o mito que é?). Há um site oficial –astrudgilberto.com –, que é tão rudimentar, que parece não ter sido atualizado há, no mínimo, 10 anos. E quando começamos a “navegação”, percebemos que isso é verdade.

No item de novidades, a notícia mais “recente” é que ela entrou para o International Latin Music Hall of Fame. Em 2002! As discussões do site tratam de questões como a participação da cantora no álbum Getz/Gilberto, de 1963, dois anos antes do seu único (!) show (que se sabe) no Brasil. Há, ainda, uma entrevista de 2002, que começa com uma pergunta que diz muito sobre a personalidade em questão: “É verdade que você não dá uma entrevista há mais de 20 anos?”.

Outra novidade “oficial” é seu envolvimento com a proteção aos animais. No site, há inúmeros textos de tons dramáticos de Astrud (todos sem data) pedindo que a humanidade pare de maltratar os animais. Deixamos o site com a impressão de que a “garota de Ipanema dos gringos” virou Brigitte Bardot, a ex-garota da Riviera Francesa, ativista da causa.


Aqui, Astrud está com seu então marido João Gilberto. Foto: Reprodução

Em outro site, encontramos um artigo sobre os seus 70 anos, comemorados no ano passado. O autor diz que a cantora não abandonou a música “totalmente”, ainda que não dê qualquer informação de novo álbum ou noticie shows recentes. Há apenas a informação de que, nos últimos anos, ela estaria se dedicando à pintura e a reprise da história de sua dedicação aos animais. E só. De resto, o velho papo sobre sua mudança para os EUA nos anos 1960 e a divulgação da bossa nova pelo mundo.

Nas imagens do Google, quase não há foto de Astrud envelhecida. A maioria se refere à cantora nos anos 1960 e 1970, muitas vezes com um penteado bolo de noiva, que parece adequado a artistas que se cristalizaram como ídolos da lounge music – a tal “música de elevador”. A musa cool da bossa nova não pode mesmo envelhecer.

Seu último álbum, Jungle, foi lançado há 10 anos e é um trabalho estranho, para dizermos o mínimo. A começar pela capa, com cores e tipografia de péssimo gosto, que mostra Astrud como uma ultramaquiada hippie, que parece não saber direito em que ano está. Mas por que usar a imagem de uma selva (jungle), se pensamos nela como uma eterna visão à beira-mar? O álbum tenta “modernizar” seu som, com um resultado equivocado. A maioria das canções é inédita, quando o melhor do seu repertório consistia num delicado rosário de regravações de standards.

Há algo de interdito em Jungle e que não conseguimos localizar ao certo, como se essa Astrud não fosse mais “aquela” Astrud. Talvez inalcançável para si mesma, ela tenha resolvido se tornar dessa forma para o resto do mundo. Explicação plausível, ainda que não inteiramente satisfatória.

Após a pesquisa “internética”, chegamos à conclusão de que Astrud, assim como João, não existe. Ambos são personagens de um outro tempo, de um reflexo que o Brasil teve de si mesmo, e pronto. A face ficou perdida naquele espelho para sempre.

Astrud e João são “fantasmas” (ou mesmo “vampiros”, como Fischer chega a chamar o seu ídolo no livro), com raras permissões para fazer contato com o “mundo dos vivos”. Tão fantasmagóricos quanto a frustração amorosa que fez o jornalista alemão acreditar que a cura para um coração em frangalhos estaria em algum lugar da letra de Ho-ba-la-lá.

SCHNEIDER CARPEGGIANI, jornalista, editor do suplemento Pernambuco e doutorando em Literatura.

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