Apesar de não ter sido um incensado baterista de rock, adorado como um deus, como foram (e ainda são) John Bonham (Led Zeppelin), Keith Moon (The Who) e Neil Peart (Rush), Ringo tem seu nome cravado na trajetória da música popular e é sempre lembrado nas listas dos melhores bateristas do gênero (mesmo sem ocupar as primeiras colocações), pela importância que adquiriu ao conduzir, com criatividade, fluidez, firmeza e balançar de cabelos, o ritmo daquela que é considerada a melhor banda da história.
O músico entrou nos Beatles após a saída de Pete Best, que tocava com John Lennon desde a época em que o grupo se chamava The Quarrymen. Após a assinatura do contrato com a Parlophone (EMI), foi solicitado aos rapazes que trocassem de baterista – segundo o produtor musical George Martin, Best não era competente, e, de acordo com o empresário da banda Brian Epstein, também não era simpático. Os garotos logo se lembraram do responsável pela bateria da Rory Storm and The Hurricanes, grupo que estivera com eles na afamada turnê de Hamburgo, em 1960. O tal narigudo, Richard Starkey, além de ser bom com as baquetas, ainda se mostrava extremamente bemhumorado – característica que pode ser comprovada em filmes como A hard day’s night (1964) e em diversos outros nos quais atuou, com e sem os Beatles.
Assim como Paul, John e George, Ringo também vinha de uma família de origem humilde da cidade de Liverpool, onde morava com a mãe, Elsie, e o padrasto, Harry Graves. Lá, em 1957, começou sua própria banda, The Eddie Clayton Skiffle Group. No ano de 1959, juntou-se ao Raving Texans, que depois mudou de nome para Rory Storm and the Hurricanes. Foi nessa época que o baterista adotou o curioso apelido, por causa dos anéis (“rings”, em inglês) que costumava usar e, em agosto de 1962, “virou um beatle”.
“Eu estava nervoso e morrendo de medo do estúdio. Quando voltamos para gravar o lado B de (do single) Love me do, descobri que George Martin tinha esse outro baterista (Andy White) sentado no meu lugar. Isso foi terrível – eu havia sido convidado para me juntar aos Beatles, mas parecia que só serviria para tocar com eles em bailes e que não era bom o suficiente para gravar discos”. Ringo, que acabou tocando apenas pandeiro em Love me do e maracas em P.S. I love you, referiuse ao fato de o produtor musical não ter gostado de sua performance na primeira música. Mas foi uma grata surpresa para Martin, descobrir que Starr era um músico versátil.
Ele tornou-se, então, a peça que completou o som da banda, dando suporte rítmico às composições. E não demorou muito até o grupo, com essa nova formação de quarteto (após a saída e posterior morte do baixista Stuart Sutcliffe, em maio de 1962), começar a conquistar o Reino Unido e, em seguida, como se sabe, o mundo. Logo, logo, Ringo se tornaria uma referência para os bateristas de rock que surgiriam a partir de então. “Eu nunca tinha ouvido nada como aquilo. O sibilar dos pratos, a incrível propulsão de seu jeito de tocar bateria – me pegou instantaneamente”, afirmou, à Rolling Stone, Max Weinberg, baterista da E Street Band (“a” banda de Bruce Springsteen), sobre o impacto que teve ao ouvir a arrebatadora Please, please me, lançada em março de 1963.
Ringo (3º à esq.) faz turnê com sua banda, All Starr Band, formada por músicos experientes. Foto: Divulgação
VERSATILIDADE
Com batidas fortes e precisas, Ringo exibiu sua versatilidade em variados momentos da carreira fonográfica do grupo, tais como em Ticket to ride, no período do iê-iê-iê, e Tomorrow never knows, na fase psicodélica. “É um som completamente único e ajudou a mudar toda a percepção sobre como uma bateria devia soar”, disse Weinberg. “Já Helter skelter influenciou uma geração inteira de bateristas de metal, incluindo John Bonham.” Enquanto Jim Keltner, o baterista de estúdio número um dos Estados Unidos, que tocou durante anos com Bob Dylan, John Lennon e George Harrison, declarou certa vez que, se alguém quisesse trabalhar como baterista de estúdio, depois de Ringo, “tinha que aprender a soar como Ringo”.
Infelizmente, o baterista não teve a chance de exibir ao vivo o amadurecimento de sua técnica junto aos Beatles, pois o grupo parou de se apresentar em agosto de 1966 – não aguentavam mais a rotina de tocar em estádios lotados e de não serem ouvidos pelas fãs histéricas, numa época em que os equipamentos de som não eram tão potentes como se tornariam a partir dos anos 1970. Enquanto isso, outros bateristas se destacavam por ter mais liberdade de improvisação, como o tresloucado Keith Moon, que preenchia os compassos com “viradas” contínuas, estabelecendo a sonoridade do The Who e deixando uma enorme brecha no grupo com seu falecimento precoce em setembro de 1978 – dois anos depois, o Led Zeppelin ficou baqueado, após a morte do “mestre dos mestres” John Bonham.
Outro entrave que Starr encontrou tem a ver com aquela piadinha do começo deste texto. Se, para George Harrison, era difícil emplacar alguma composição nos discos dos Beatles, frente à “fábrica Lennon-McCartney”, imagine como era para Ringo. Ele só teve duas músicas suas gravadas pelo grupo: Don’t pass me by, do Álbum branco, e Octopus’s garden, do Abbey Road, e mais quatro em coautoria com os outros integrantes (What goes on, do Rubber Soul, Flying, do Magical mystery tour, Dig it e Maggie Mae, do Let it be). O baterista também deixou sua marca ao interpretar músicas do repertório do quarteto, como Boys (Luther Dixon/ Wes Farrell), Honey don’t (Carl Perkins), I wanna be your man, Act naturally e Good night. Mas as que tiveram maior repercussão foram Yellow submarine, do Revolver, e With a little help from my friends, do álbum Sgt. Pepper’s. Para a alegria dos fãs, essas canções estão previstas no set list do show no Recife.
Outras músicas do repertório da turnê foram retiradas de sua carreira solo, como It don’t come easy, que provavelmente abrirá a apresentação. Lançada como single em 1971, é uma de suas melhores composições. Do álbum Ringo, de 1973, ele pinçou a belíssima Photograph, feita em parceria com George. O disco, seu maior sucesso de vendas, a propósito, é o único que conta com a participação de todos os ex-beatles após o fim do grupo. Das 23 músicas esperadas para essa apresentação, ele deverá cantar pouco mais da metade delas. As outras serão revezadas entre os membros da All Starr Band, cuja formação atual traz Rick Derringer (guitarra), Wally Palmar (guitarra), Richard Page (baixo), Edgar Winter (teclados e sax), Gary Wright (teclados) e Gregg Bissonette (bateria). Apesar de Ringo atuar no show como vocalista, haverá o esperado momento em que pegará nas baquetas.
Olhando em retrospectiva a trajetória de cada um dos Beatles, parece incrível lembrar que foi Ringo o menos elogiado e paparicado deles, o primeiro a querer abandonar a banda – a saída durou apenas duas semanas. Em telefonema para cada um dos músicos, ele fez o anúncio: “Vou sair, porque vocês três são muito próximos e eu fico de fora”. E, incrivelmente, cada um respondeu dessa maneira: “Eu que achava que vocês três eram muito próximos”. Nessa época, Lennon, ao ser questionado se Ringo seria o melhor baterista do mundo, respondeu: “Ele nem é o melhor baterista dos Beatles”, referindo-se ao fato de McCartney ter gravado a bateria de três canções do Álbum branco (1968). Não demorou muito, até todos pedirem para ele voltar. Quando retornou, o estúdio estava cheio de buquês de flores, providenciados por Harrison. Ali ficou claro: Starr, com sua leveza, era o catalizador da banda e sua possível partida só apressaria a inevitável separação.
Com o término do grupo, anunciado em abril de 1970, Ringo acabou sendo, a partir de então, o ex-beatle que teria mais contato com os outros três, sendo convidado para participar de discos, como o Plastic Ono Band, e projetos dos músicos, como o Concerto para Bangladesh, de George Harrison, e que esteve presente em momentos importantes, a exemplo do apoio a Yoko Ono, após a morte de John Lennon, em 8 dezembro de 1980, e a George Harrison, na reta final da doença que o matou em 29 de novembro de 2001.
E mesmo que seu trabalho não tivesse igual ou semelhante impacto artístico e comercial que os dos ex-companheiros, Ringo lançou, entre 26 títulos gravados em estúdio e ao vivo, alguns discos que não envergonham sua legenda de ex-beatle, como o já citado Ringo (1973), Time takes time (1992) e Choose love (2005). Em paralelo às gravações, levou adiante a carreira de ator, que começou com A hard’s day night, integrando o elenco de diversas produções cinematográficas. Também colocou sua voz grave na narração da primeira temporada da animação inglesa Thomas & friends.
Em outubro de 2008, após 45 anos de estrelato, divulgou um vídeo pedindo que, após o dia 20 daquele mês, não lhe enviassem mais cartas, pois não iria mais respondê-las, estando ele, então, já muito velho para isso (embora não fosse apontado como o preferido dos fãs da banda, Ringo tornou-se o ex-beatle que mais recebia correspondências, pois era o único que realmente as respondia). Essa peculiaridade teve tanta repercussão, que até virou mote para o roteiro de um episódio de Os Simpsons, exibido em 1991, no qual ele “aparece” respondendo cartas, entre elas, uma antiga de Marge Simpson.
Apesar de não encabeçar listas de melhores bateristas, Ringo sempre utilizou o seu característico bom humor para se defender: “Dizem que não toco muito bem, mas sou o baterista da melhor banda do mundo... Logo, sou o maior baterista do mundo!”. Ele pode não ser o melhor, mas, certamente, do alto de seus 71 anos, ainda é o mais querido.
DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.