Estudando, Quijada percebeu que cada língua possuía, individualmente, pelo menos um aspecto superior às outras. A língua dos aborígenes australianos guugu yimithirr, por exemplo, não usa coordenadas espaciais egocêntricas como “direita”, “esquerda”, ou “em frente de”. Seus usuários usam apenas direções cardinais. Assim, eles não têm um pé direito e um esquerdo – têm um pé ao Norte e outro ao Sul, dependendo de sua posição, quando proferem a sentença.
Entre os índios wakashan, do Noroeste Pacífico, uma sentença não é considerada gramaticalmente correta a menos que contenha uma inflexão verbal de “evidencialidade”, indicando se o que está sendo dito vem de experiência direta do falante, inferência, conjectura ou “de ouvir dizer”. Quijada tentou, então, forjar uma língua que contivesse o maior número possível desses elementos positivos encontrados em diferentes línguas.
Durante mais de 20 anos, em seu tempo livre, Quijada criou a língua ithkuil, que tem como objetivo codificar o máximo de informação no menor espaço possível, com o mínimo de ambiguidade.
Para quem fala português, existem muitas maneiras de ver o mundo. Podemos olhar, observar, assistir, espiar, vislumbrar. Cada palavra traz consigo um significado diferente do outo. Espiar sugere furtividade, vislumbrar sugere deleite, ou descoberta, observar implica escrutínio, e daí por diante. As interações humanas são governadas por um sistema de códigos implícitos que podem, por vezes, parecer frustrantemente opacos, e cuja má interpretação pode rapidamente levar a gafes, ou consequências mais sérias. Recursos prosódicos, ironia, metáfora e ambiguidade estão entre os engenhosos instrumentos que nos permitem dizer mais do que o que estamos falando. Mas, em ithkuil, a ambiguidade é esmagada, para que se torne explícito tudo o que seria implícito. Uma declaração irônica deve ser marcada com o afixo verbal ‘kçç. Hiperbolismos são sinalizados pela letra ‘m.
A língua ithkuil provê um conjunto preciso de coordenadas, destinado a dar acesso a quaisquer noções, ideias, crenças e afirmações contidas em nosso pensamento. A conlang possui 22 categorias gramaticais para verbos, comparadas às cinco existentes na língua portuguesa – modo, tempo, pessoa, número e voz. 1.800 sufixos refinam ainda mais a intenção do falante. Através de um processo laborioso de conjugação, o ithkuil requer que o falante compreenda perfeitamente a ideia exata que quer expressar, removendo qualquer possibilidade de imprecisão, e as ideias são expressas em poucas palavras, nas quais cada fonema tem um significado diferente, sem redundâncias.
Em 2004, quando já conhecia e fazia parte da comunidade dos conlangers, Quijada começou a publicar, sem alarde, em seu site, as primeiras versões de sua língua. No prefácio para a publicação da ithkuil, o autor escreve que seu principal objetivo foi tentar criar o que seres humanos nunca conseguiriam, criar naturalmente, mas apenas através de um esforço intelectual consciente, uma língua idealizada que visa ao mais alto nível possível de lógica, eficiência, detalhe e precisão na expressão cognitiva, por meio da fala humana, enquanto busca minimizar ambiguidade, vagueza, redundância, polissemia e arbitrariedades em geral, que parecem ser ubíquas às línguas naturais humanas.
A primeira menção ao ithkuil apareceu em 2004, na revista russa de divulgação científica Computerra. Um artigo intitulado A velocidade do pensamento notava similaridades entre o ithkuil e a linguagem imaginária criada pelo escritor de ficção científica Robert Heinlen para seu romance Gulf, de 1949. A história descrevia uma sociedade secreta de gênios, que usava uma linguagem rápida e precisa, chamada speedtalk, que era capaz de condensar frases inteiras em palavras únicas. Usando sua língua eficiente, planejavam tomar o mundo e eliminar os homens comuns.
Pouco depois da publicação do artigo russo, Quijada passou a receber constantemente e-mails vindos da Rússia, sempre interessados em esclarecer minúcias, e requerendo mudanças na língua para facilitar sua pronúncia. Em 2010, ele foi procurado por um acadêmico ucraniano, de nome Oleg Bakhtiyarov, que se apresentou como diretor de uma instituição de educação superior recém-formada em Kiev, chamada Universidade de Desenvolvimento Efetivo, que defende um movimento filosófico chamado psiconética.
Além da Universidade, existem centros de estudo psiconéticos na Carcóvia, Odessa, Zaporizhzhya, Minsk, Elista, São Petersburgo, Alma-Ata, Krasnoyarsk, e Moscou, nos quais estudantes tentam desenvolver métodos para acessar camadas mais profundas da consciência. O e-mail o convidava a participar de uma conferência intitulada Tecnologia criativa: perspectivas e meios de desenvolvimento, a ser realizada em Elista, capital da República de Calmúquia, um pequeno estado semiautônomo na Federação Russa.
Através da viagem, John Quijada tomou conhecimento de que sua conlang estava sendo ensinada a jovens do outro lado do mundo, que o veneravam como o gênio acadêmico que ele teria se tornado, se não houvesse abandonado os estudos em sua juventude. Os estudantes compreendiam o ithkuil da maneira como John havia intencionado. Da mesma forma que a tabela periódica de Mendeleyev havia mostrado lacunas onde deveriam haver elementos químicos que ainda não haviam sido descobertos, o ithkuil poderia ser o instrumento ideal para revelar estados de consciência inexplorados.
Viagens subsequentes acabaram por mostrar que as intenções dos fundadores da psiconética são similares aos da sociedade secreta descrita no romance de Heinlen. O ithkuil estava sendo ensinado e estudado como ferramenta para o desenvolvimento de uma geração superior, um übermensch, que sobrepujaria o resto da humanidade. Por conta disso, Quijada optou por cortar laços com a Universidade de Desenvolvimento Efetivo.
A própria palavra ithkuil, significa, literalmente “representação hipotética de linguagem”, e reflete o fato de que seu criador nunca teve a intenção de que ela fosse falada casualmente. Tarde demais para traduzir, então.
YELLOW, designer, músico e professor.