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"A aparência pede aceitação"

Especializada em Moda, a jornalista Leusa Araújo discorre sobre a influência do cabelo nas convenções sociais

TEXTO Olivia de Souza

01 de Setembro de 2012

Leusa Araújo

Leusa Araújo

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de "História" | ed. 141 | setembro 2012]

Escritora e jornalista especializada em moda
e comportamento, Leusa Araújo estreou na literatura em 1994. O Livro do Cabelo é seu segundo livro de não-ficção junto com Tatuagem, piercing e outras mensagens do corpo, publicado em 2005. É editora e pesquisadora dos livros de Glória Kalil, e atualmente trabalha como pesquisadora de núcleo de teledramaturgia. Na entrevista a seguir, a autora conta sobre sua incursão no tema, fala sobre o cabelo como forte símbolo de identidade e como ele sempre esteve ligado à regulamentação de instituições superiores.

CONTINENTE Por que o modo de pentear/cortar o cabelo sempre esteve tão ligado a uma “ordem superior”?
LEUSA ARAÚJO Incrível. Essa pergunta é quase o mesmo que investigar a razão pela qual os homens vivem sob o poder de reis, ditadores, ou mesmo sob o poder do Estado. De fato, é impressionante como a aparência requer aceitação pública. E isso mostra o quanto o comportamento conforme o establishment é sinônimo de “conformação” – no sentido de ter uma forma pré-estabelecida. Homens de cabelos curtos e barba feita ainda predominam na corporações em todo o mundo – é a aparência estabelecida no longo poderio ocidental, do mundo branco, judaico-cristão.

CONTINENTE Por que perder os cabelos descaracteriza tanto?
LEUSA ARAÚJO Durante séculos, o tipo de penteado usado funcionou como uma espécie de documento de identidade: uma declaração de pertencimento das pessoas a determinado sexo, grupo, idade, religião, profissão e posição ocupada dentro da comunidade. Pensando dessa forma, o cabelo raspado de forma involuntária estará sempre associado ao desejo de apagar identidades pessoais, étnicas e religiosas. O cabelo raspado nos navios negreiros, nas prisões, nos campos de concentração – sob a máscara da higienização – é, na minha opinião, um ato desumanizador. A primeira coisa que o mercador fazia, depois de arrancar o escravo de sua família, era raspar-lhe o cabelo, como forma de submetê-lo à nova condição e, sobretudo, de apagar aquele que era o traço mais marcante da identidade do africano: o penteado.

CONTINENTE Por que a história do cabelo é tão marcada pela intolerância aos considerados “despenteados”?
LEUSA ARAÚJO Se entendermos que a aparência “conformada” significa estar de acordo com os valores do sistema– qualquer movimento que coloque esses valores em cheque vai lançar mão da aparência para isso. Os cabeludos chineses (da Revolução Taiping, de 1850-1864) já o fizeram um século antes dos cabeludos hippies em relação ao modo de vida do branco, americano, de cabelo escovinha a caminho do Vietnã. Para entender a ousadia dos rebeldes chineses, lembre-se de que a etnia manchu, durante o longo período em que dominou China (1644-1911), mandava decapitar os chineses que não usassem o bianzi (um rabicho) no topo da cabeça, como sinal de submissão ao governo. 

OLIVIA DE SOUZA, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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