Portfólio

Luan Banzai

A história de um ‘Yoloartista’

TEXTO Bárbara Buril

05 de Maio de 2020

'Yoloart Motherboard', nankin sobre papel, 29 x 42 cm, 2017

'Yoloart Motherboard', nankin sobre papel, 29 x 42 cm, 2017

Ilustração Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 233 | maio de 2020]

contribua com o jornalismo de qualidade

Loisir + sagesse = art de vivre. Esta é uma das variadas frases que encontramos nos desenhos do artista Luan Banzai, natural de Ponta Grossa (PR) e residente em vários países do mundo, a depender do ano e de suas intenções. Essa frase, no entanto, é um lema que foi se transformando em “lema de vida” – mais precisamente, em arte de vida – com o tempo. Lazer e sabedoria como arte de viver, como forma de vida, só se transformou em quem ele é, o artista, mas também a pessoa, Luan, após uma longa história que parece mentira, não fossem os fatos. É preciso contar essa história, mas prometo fazê-lo curtamente. Vou contar esta história porque, com ela, podemos nos divertir, mas também porque, através dela, podemos entender melhor como o artista chegou hoje em Genebra, na Suíça, e porque já vai para o Japão, assim que o vírus passar e as fronteiras se abrirem novamente. Com esta história, podemos entender como vida e arte se misturam de maneira profunda na obra deste artista meio nômade, meio zen, às vezes conectado, mas não tanto, politicamente um pouco anarquista, mas existencialmente compromissado com a diversão, os amigos e, acima de tudo, o amor.

Já disse que Luan nasceu em Ponta Grossa, mas não disse ainda – como ele nos conta no seu livro-manifesto YoloArt, publicado em 2016 – que isto foi em 1988, quando a sua mãe tinha 16 anos e o seu pai, 18. Quando ele tinha dois anos, os seus pais se separaram. Esse acontecimento parece um pouco insignificante, mas não é exatamente, porque, como a sua mãe era muito jovem, Luan a acompanhava por onde ela ia, de acordo com as oportunidades de trabalho que surgiam para ela. Os primórdios de um nomadismo que se faz patente na sua vida adulta, através de um desejo contínuo de mover.

Luan cresceu em Curitiba, a capital mais próxima de Ponta Grossa. Aos 12 anos, morou sozinho pela primeira vez, em Florianópolis. “O trabalho da minha mãe a transferiu para outra cidade não tão distante [de Florianópolis], e eu e ela concordamos que eu era responsável o suficiente para cuidar de mim durante os dias da semana. Ela viria nos finais de semana”, conta Luan em seu livro-manifesto, numa espécie de revival vida real do filme Esqueceram de mim.  Aos 15 anos, Luan foi morar na Itália com o pai, por um ano. Durante o período, estudou em um liceu artístico. No final do ano, voltou para Curitiba, onde continuou os seus estudos em um colégio que também oferecia formação técnica em publicidade. Nesta época, fundou o Banzai Studio.


Ain’t funny, ilustração digital, 2018

Essa história merece um parágrafo à parte. Hoje, o Banzai Studio não é um coletivo, nem um estúdio de design, nem uma agência, mas apenas “um grupo de pessoas que se reuniam para procurar a magnificência, para experienciar o máximo que poderiam e para estar o mais próximo possível da multiplicidade da experiência humana”, como os próprios membros definem o antigo estúdio no ainda existente site da Banzai.

No entanto, o Banzai foi realmente um estúdio de produção de vídeo até mais ou menos 2015 – e um dos mais reconhecidos do Brasil.  Aos 18 anos, Luan fundou – com o seu tio Thales Banzai (dois anos mais novo do que ele, porém), o amigo do prédio Fernando Nogari e o do colégio Rimon Guimarães, num apartamento vazio do seu avô – um estúdio cujo objetivo inicial era apenas dar livre vazão à criatividade de seus membros. O Banzai Studio foi criado sem capital inicial, mas com a energia de adolescentes que se reuniam para fazer aquilo que mais gostavam: vídeos. Os quatro amigos começaram a morar no apartamento do avô de Luan, pai de Thales, para criar, jogar video game e, basicamente, se divertir.

Essa história teve uma guinada fundamental. Como o grupo de amigos era muito conectado com a cultura hip hop, com o break, o graffiti, a cultura de rua (Fernando era DJ e Rimon era grafiteiro, por exemplo), certo dia, eles receberam de um amigo skatista, patrocinado pela Nike, um material dessa marca multinacional para editarem. “Já tínhamos algum reconhecimento no Brasil, porque já produzíamos vídeos para a MTV. Com a Nike no nosso portfólio, atingimos outro patamar”, conta. Após o clipe da música Just do it, da banda Copacabana Club, que repercutiu internacionalmente com a repostagem do rapper Kanye West, os jovens foram convidados para trabalhar em São Paulo, com a agência Paranoid, do produtor e realizador Heitor Dhalia.

Fábrica, ilustração digital, 2018

Agora é possível imaginarmos o que aconteceu: o mundo da publicidade acachapou os sonhos dos meninos, que dirigiam o Neymar e faziam vídeos para marcas como Coca-Cola, Rexona, Motorola, Tim, MTV, Converse, Heineken, antes de irem para a casa com a impressão de que alguma coisa tinha, de certo modo, se desvirtuado. O cantinho do Banzai Studio em Curitiba, o lugar onde aqueles jovens se encontravam para, antes de tudo, desfrutarem de uma rica experiência de amizade, transformou-se num lugar muito profissionalizado, com regras, orçamentos, deadlines e restrições de estilo.

“Tinha também o problema que, a cada trabalho, nós queríamos nos aposentar”, compartilha Luan, rindo, de seu apartamento provisório em Genebra.  “Depois de cada trabalho, nós saíamos do Brasil, gastávamos todo o dinheiro e voltávamos perguntando: “E aí? Tem algum trampo aí para a gente?”, conta. Após cada pagamento de projeto, em uma soma alta em dinheiro, mas pontual, porque eles não tinham um salário, os jovens pensavam que já poderiam finalmente ir morar na França, ser escritores, artistas em Nova York, fazer cursos na Hungria.

E foi isso mesmo o que aconteceu. Como começaram a trabalhar muito cedo, e em conjunto, cada um deles começou a manifestar “gradualmente” o desejo de criar de modo desvinculado do grupo. “Eu fui o que mais demorei a querer fazer algo sozinho, porque, para mim, amizade e trabalho sempre estiveram ligados”, diz Luan. Assim, cada um acabou seguindo o seu caminho: Luan foi para a França, estudar arte e aprender francês; Thales foi se dedicar a escrever projetos autorais de cinema; Rimon seguiu para as artes visuais, com o grafite; e Fernando foi estudar cinema com o diretor Béla Tarr, na Bósnia.


Seiva, ilustração digital, 2019

Luan foi de Paris a Genebra para estudar na Haute École d’Art et de Design (Head), onde se graduou em Artes, aos 29 anos. Enquanto esteve no bem-sucedido Banzai Studio, ele não teve desejo de fazer uma graduação no Brasil, no percurso tradicional de entrada em uma universidade federal, porque, como membro da Banzai, já recebia currículos de estudantes para estagiar ali. Em Paris, entretanto, desejou se livrar do aparato custoso e exigente das produções audiovisuais. Para ficar mais leve, começou a se dedicar ao desenho.

***

Chegamos, então, mais perto do presente. A arte de Luan Banzai é hoje o que ele mesmo chamaria de yoloart. Seus trabalhos são divertidos, sem serem superficiais; são comprometidos, sem serem sérios; são sábios, sem serem forçados, ou piegas. O termo yolo, muito usado na internet, acrônimo de you only live once, refere-se a um estilo de vida dedicado a prazeres e à tomada de riscos, como se a vida fosse uma mera brincadeira que pudesse ser desperdiçada como se deseja. “Ser um yolo significa, de certa maneira, ser estúpido”, explica Luan. No entanto, ele quis subverter o termo, ao defender uma arte que também é uma brincadeira, mas uma brincadeira séria. “Ser um yoloartist é ser um bom jogador no jogo da vida”, explica, no seu manifesto. Significa viver a vida como quem brinca seriamente. “Arte de viver = Lazer + Sabedoria”, traduzo agora a frase que abre este pequeno texto.

Liberta da estrutura pesada do audiovisual, pelo menos no momento, a arte de Luan Banzai procura ser a sua própria yoloart. Uma arte que se faz há muito tempo e em qualquer momento, em relação com as pessoas de quem se gosta, sem o rígido ritual criativo de alguns artistas. Pode ser feita na rua, enquanto se está com outras pessoas, na parede, na casa de um amigo, na própria casa, mesmo que ela seja apenas um espaço provisório de acolhimento. Uma arte que se faz enquanto se vive, por assim dizer, como fizeram muitos artistas do Fluxus, como Allan Kaprow, uma de suas fontes de inspiração. Como fez o artista suíço Gianni Motti, que, em vez de contratar um assistente para ficar com ele no ateliê, o enviou para viajar o mundo, com o argumento de que a arte não é algo que se faz em um escritório.


Mosaico das obras Flor de fogo, Coração Karate, Calor e MO-GA (Modern girl), todas impressão Fine Art sobre papel de algodão, numerada, 21 x 29 cm, 2020

A arte de Luan Banzai, de maneira ampla, a sua forma, a sua estética, a sua mensagem, é feita há muito tempo. Ela se constitui com a sua história de vida. Por isso, encontramos, nos seus desenhos, diversas referências a viagens: personagens que dizem I miss you, frases em vários idiomas que traduzem o seu nomadismo por territórios e línguas, aviões, linhas que conectam pessoas distantes. Apesar de um certo nomadismo, também encontramos neles muitas referências a ambientes domésticos, permeados de objetos de consumo e itens decorativos: perfume, computador, plantas, lápis, escova de dente, cama, lâmpada etc.  A internet, com a qual cresceu, mas também onde veicula o seu trabalho, e através da qual se conecta com amigos distantes, também se encontra lá, como elemento estético, se não central ao menos secundário: ícones de fechar aba, diminuir aba, janelas, buscas do Google, feeds de redes sociais, logos.

Os seus desenhos também podem ter várias referências ao Japão, onde morou por seis meses durante um intercâmbio de graduação na Head, e para onde vai este ano.  A priori, por um período de três meses. Lá, começou a desenvolver os “fundamentos” da yoloart, quando, no início do semestre acadêmico, o coordenador do curso da Universidade de Kyoto o aprovou em todas as disciplinas previamente, para que ele aproveitasse o período de intercâmbio para fazer laços, conhecer pessoas, apreciar o desfolhar das cerejeiras, conhecer o chá, a meditação – e foi o que fez.


Mosaico com as obras Corpo, Estrela e Chacal, todas em acrílica sobre papel, 30 x 40 cm, 2020

No Japão, esteve mais próximo de uma arte que não se faz com conceitos, mas com pedras, folhas e flores – esta arte de que quer se aproximar novamente, ao voltar para Kyoto. Uma certa arte da vida que não se faz em uma academia onde a arte é uma “questão”, um “assunto”, e não uma prática que permeia as mais variadas esferas da vida.

***

A vivência de criação coletiva no Studio Banzai fez da arte de Luan um território eminentemente afetivo. A amizade, mas também o amor, concerne aos seus trabalhos. Os elementos sexuais estão por todos os lugares de seus desenhos, porque, para ele, estar comprometido com a arte é estar comprometido com o amor. “A arte verdadeira está conectada com criação. E criação está diretamente relacionada com o poder sexual. No entanto, é através do poder sexual que os seres humanos criam vida. Fazendo amor”, escreve no seu manifesto YoloArt.

No seu livro Teoria da navete, feito em parceria com Leila Raverdino, ele também nos conta uma história sobre como o amor se estabelece entre seres: não pelo abandono da própria nave, para que seja possível a entrada na nave do outro, mas pelo encontro de duas naves que se conectam a partir de uma ponte.

Chama, acrílica sobre papel, 50 x 70 cm, 2020, e Cabelo, acrílica sobre papel, 21 x 29 cm, 2020, respectivamente

No seu livro-manifesto, ele nos pergunta se o amor é importante nas nossas vidas cotidianas. Se sim, ele nos propõe que enviemos um e-mail para ele, para que ele possa nos conectar às outras pessoas no mundo que também acreditam no mesmo. Através dessa rede, poderíamos criar projetos, fazer coisas juntos, realmente compartilhar um novo mundo em comum, mas, antes de tudo, precisamos concordar com os termos de que devemos nos engajar na vida como um exercício de amizade e compaixão. Se não, ele recomenda que assistamos a Luzes da cidade, de Charles Chaplin, para só depois, voltarmos ao livro. Ele nos propõe o maior yoloartist da história. Ele nos propõe uma arte que seja engraçada, mas que não por isso deve ser considerada superficial. Que seja profunda, mas sem ser muito séria. Que brinque, mas que tenha regras, como são os jogos, como é o tipo de vida que se vive enquanto se joga: a vida do yoloartist.

BÁRBARA BURIL, jornalista, doutoranda em Filosofia na UFSC e pesquisadora visitante na Universidade de Lucerna (Suíça).

Publicidade

veja também

Thiago Thiago de Mello: ‘Amazônia subterrânea’

Ingeborg Bachmann: ‘O tempo adiado’

Moderno antes do modernismo