Portfólio

Andreas Gursky

O fotógrafo dos não lugares

TEXTO José Afonso Jr.

02 de Maio de 2018

99 Cent, 1999

99 Cent, 1999

FOTO ANDREAS GURSKY

Vivemos em um mundo de excessos. De consumo, de informação, de casas, de deslocamentos, de fluxos e velocidade. Excesso de imagens. Deslocar-se em meio a uma enxurrada de signos visuais leva, aos olhares mais sensíveis e atentos, a perceber a coexistência de uma dualidade apenas aparentemente contraditória: os padrões que se repetem em diversos lugares do mundo por conta das generalizações da globalização, por exemplo, e a singularidade de um ou outro detalhe.

Nos deslocamentos contemporâneos, essa experiência sensível confronta os percursos com os não lugares. Supermercados, aeroportos, shopping centers, eventos massificados, conjuntos habitacionais, estradas. A lista é interminável. De certo modo, eles representam, segundo o antropólogo Marc Augé, criador do conceito, um efeito da modernidade tardia que consiste em espaços incapazes de formar qualquer tipo de identidade. Espaços de transição permanente que, independentemente de onde existam, exercem a função de não criar relações de pertencimento.

Essa característica se enraíza também nas modalidades de comportamento que são formadas. Os protocolos de existência que atravessam o cotidiano das pessoas seguem essa crescente tipificação. Comprar pela internet, pagar com cartão de crédito, usar roupas e utensílios feitos na China sabe-se lá como e em que condições, pedir comida por telefone, descartar em vez de consertar. São ações impessoais, como os não lugares, situadas em um mundo crescentemente justaposto a procedimentos uniformes.

Assim, haveria espaços e ações humanas alinhados entre a descaracterização e a impessoalidade. Uma resultante contemporânea da vida em comum, ao mesmo tempo entulhada de traquitanas às quais não lhes são atribuídos quaisquer tipos de características pessoais exatamente porque não têm significado ou história.

Na fotografia contemporânea, tem-se abordado progressivamente esse eixo visual que se dá através de uma experiência de vida guiada pela lógica do excesso. Mas que, na troca da abundância de oferta, entrega também a sensação de padronização e de solidão. Não é estranho, portanto, nesse alinhamento entre espaços não identitários e discurso visual, perceber a singularidade do trabalho do alemão Andreas Gursky.

             

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