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Sucre: Cidade senhora, vestida de branco

Espanhola na arquitetura, indígena nos costumes e global na atmosfera. Assim é a capital constitucional da Bolívia, uma joia que brilha a quase 3 mil metros de altura

TEXTO Antônio Martins Neto

01 de Dezembro de 2012

Arquitetura colonial local conta com fachadas em arcos e jardins internos bem decorados

Arquitetura colonial local conta com fachadas em arcos e jardins internos bem decorados

Foto Antônio Martins Neto

Sucre é uma cidade branca, e bela. Uma senhora vestida em estilo colonial, orgulhosa do passado de glória e ciente de que, apesar da idade, encanta visitantes de todo o mundo. E eles estão por toda parte: nos cafés coloridos do centro histórico, nas varandas e pátios floridos das pousadas, nas ruas de calçadas estreitas e calçamento secular. Um acervo cuja visão é capaz de proporcionar descanso, conexão espiritual, conhecimento histórico e, por que não, uma certa dose de aventura. Tudo ao mesmo tempo. Tudo o que a Cidade Branca, como é carinhosamente chamada pelos moradores, é capaz de oferecer.

De traçado colonial tradicional, Sucre se espalha a partir de uma grande praça. La Plaza 25 de Mayo foi assim batizada em homenagem ao “Primeiro Grito de Independência nas Américas”, levante popular de 1809, marco do espírito libertário do povo boliviano. É lá que está La Casa de La Libertad, onde, a 6 de agosto de 1825, foi proclamada a independência e a fundação do país. Com museu, biblioteca e salas para exposição de arte, o lugar é o ponto de partida ideal para qualquer giro cultural e histórico pela cidade.

A bela construção começou a ser levantada em 1621 pela Companhia de Jesus para abrigar a Universidade de São Francisco Xavier, a primeira de todo o continente americano, fundada em 1624, 12 anos antes, portanto, da prestigiada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A arquitetura é singela, mas marcante. O portão, em formato de arco, feito de cedro nativo e cravejado de pregos de bronze, abre espaço para um amplo claustro rodeado de galerias, cujo teto é apoiado em colunas de granito. Nas salas em que um dia estudaram os primeiros doutores do continente, estão obras de arte e peças históricas.


Vendedora prepara e oferece na rua iguarias da temperada culinária boliviana

A Sala de La Independencia, originalmente a capela doméstica dos jesuítas, destaca-se na face oposta à entrada. É o coração simbólico da nação, o lugar onde foi assinada a ata de independência. Nas paredes estão retratos de Simon Bolívar, inclusive aquele considerado o mais fidedigno pelo herói sul-americano: uma obra do peruano José Gil de Castro.

De volta à praça principal da cidade, a poucos metros de La Casa de La Libertad está a Catedral de Sucre. A igreja da metade do século 16 teve inicialmente características renascentistas. Mais tarde, ganhou toques barrocos. Sob a ampla nave, estão altar, púlpito e uma série de pinturas. As obras sacras continuam à disposição do visitante na instituição anexa, o Museo de La Catedral, que reúne as mais importantes relíquias religiosas da Bolívia.

A cidade colonial, que desde os primeiros dias se vestiu de branco – a cor está presente no casario espalhado pela cidade –, parece mesmo ter nascido de um longo e bem-sucedido casamento da religião com a história. Igrejas e museus se alternam pelas ruas principais: Templo Nuestra Señora de La Merced, na Calle Pérez; Museo de La Recoleta, na Plaza Pedro Anzures; Convento de San Felipe Neri, na Calle Ortiz; Museo de Los Niños Tanga-Tanga, também na Plaza Pedro Anzures.

Assim segue a longa lista de templos históricos e religiosos a serem visitados na cidade que, em 1992, foi eleita Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Seja qual for o roteiro escolhido, não se deve desprezar uma parada no Convento e Museu de Santa Clara, na Calle Calvo. Ali são vendidas as deliciosas empanadas de Santa Clara, receita tradicional de Sucre, seguida à risca pelas freiras. A iguaria é servida num espaço pequeno, simples e acolhedor, com apenas duas mesas coletivas. E, como tudo o que é bom acaba cedo, a última fornada vai embora antes do meio-dia.


Cafés e pousadas mais baratas atraem turistas jovens 

No que diz respeito à gastronomia, a cidade oferece grande variedade de bares e restaurantes com opções que vão da simples e temperada culinária boliviana à sofisticada cozinha internacional. Nas estreitas e acidentadas ruas do centro histórico, há uma grande concentração de cafés e pubs, que atraem clientela jovem, seja de turistas ou de estudantes locais – afinal, Sucre é uma das principais cidades universitárias da Bolívia.

Já os restaurantes das pousadas e hotéis atendem a um público mais maduro, em geral turistas europeus ou membros das famílias tradicionais que resistiram à migração e permaneceram na cidade, mesmo depois de Santa Cruz de La Sierra se tornar o principal polo econômico do país. Há também cafés, pousadas e restaurantes nas partes mais elevadas e periféricas da cidade. São estabelecimentos simples, repletos de jovens estrangeiros que encontram em Sucre um destino barato e atraente, com paz e tranquilidade de dia e agitação estudantil à noite.

ARREDORES
Sucre está situada a 2.800 metros acima do nível do mar, no planalto central boliviano. É a capital do departamento de Chuquisaca e a quarta mais populosa cidade da Bolívia, com cerca de 230 mil habitantes. Tem clima subtropical, com temperaturas que variam da mínima de quatro graus centígrados no inverno, em julho, à máxima de 20 graus no verão, em dezembro. Portanto, um bom casaco é imprescindível em qualquer época do ano.


Região central caracteriza-se por ruas estreitas, que concentram
pontos turísticos e históricos

Além dos elementos culturais e arquitetônicos da cidade, também há a possibilidade de explorar os seus arredores, onde natureza, tradição e pré-história dão o toque de aventura da viagem. Tarabuco, com pouco mais de dois mil habitantes, a 65 quilômetros de Sucre, é a terra dos Yamparáez, povo que desde o Império Inca mantém costumes, hábitos, roupas, língua e expressões artísticas tradicionais. Uma feira é realizada na localidade todo domingo, quando povos nativos das comunidades vizinhas se encontram para se apresentar e vender artesanato.

A 26 quilômetros de Sucre, está a cidade de Quila-Quila, onde as evidências da luta entre as culturas pré-hispânica e colonial da Bolívia estão por todo lado. O povo Jalq’a mantém os principais elementos da cultura tradicional na arquitetura das casas, nas técnicas de agricultura e nos tecidos feitos à mão, considerados únicos. Ao mesmo tempo, a igreja e o traçado colonial lembram que aquela já foi uma terra dominada pelos exploradores espanhóis.

De Quila-Quila ainda é possível seguir uma trilha inca, de aproximadamente seis quilômetros, do alto das montanhas de Chataquila ao Vale de Chaunaca. O caminho segue por uma vala profunda, provocada pela erosão, pavimentada por imensas rochas, com muros de contenção e riachos.

E se o visitante quiser ir ainda mais fundo nessa viagem ao passado, encontrá pegadas de dinossauros a apenas cinco quilômetros de Sucre. Os vestígios existentes de titanossauros, brontossauros e até tiranossauros datam de 65 milhões de anos. Foram descobertos nos anos 1994, num imenso paredão de 80 metros de altura e 1,5 quilômetro de extensão no vilarejo de Cal Orcko. O local, que pertencia a uma fábrica de cimento, foi transformado num parque, com informações e modelos dos dinossauros que habitaram aquele sítio. São as camadas de tempo que fazem de Sucre um destino altivo no coração da América do Sul. 

ANTÔNIO MARTINS NETO, repórter especial da TV Jornal/SBT e mestre em Jornalismo Internacional.

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