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Martin Scorcese: Produções amadoras de um futuro ícone

Um dos diretores-prodígio da história do cinema conta com uma importante lista de filmes feitos ainda na universidade

TEXTO Duda Gueiros

01 de Agosto de 2012

'Caminhos Perigosos', de 1973, estabelece uma duradoura parceria entre o ator Robert De Niro e Martin Scorsese

'Caminhos Perigosos', de 1973, estabelece uma duradoura parceria entre o ator Robert De Niro e Martin Scorsese

Foto Reprodução

"Tenho certeza de que gravitei para o cinema porque estava procurando alguma excitação melodramática, uma alívio à ‘bondade’ que era o mais alto valor daquele tempo e espaço. Os primeiros anos de Marty foram evidentemente o contrário, passados sobretudo na Little Italy de Nova Iorque – classe trabalhadora, mas também criminosa, com a Máfia comandando boa parte da organização social do bairro. Havia um elemento perigoso nos caminhos perigosos de sua meninice. E havia um elemento de ansiedade em sua casa, cheia de discussões sobre complexas questões familiares, com argumentações tensas, mesmo que amorosas. Quando ia ao cinema, ele estava escapando para uma realidade muito diferente – de melodrama e fantasia, com certeza, mas, na verdade, do tipo menos ameaçador do que as duras realidades que esse pequeno menino asmático encontrava na vida diária”. Palavras de Robert Schickel – documentarista, escritor, historiador do cinema, amigo de longa data de Martin Scorsese – sobre os primeiros passos da vida adulta do cineasta.

Scorsese integra um elenco de grandes cineastas que, no começo de suas carreiras, ainda em universidades, buscou no cinema uma maneira de expressar várias inquietudes de uma fase ideológica e artisticamente fértil, que obteve como resultado pequenas obras-primas de aventuras fílmicas. Inevitavelmente, Scorsese deslanchou desde cedo. Hoje, ele também compõe, junto com cineastas como Woody Allen, outro grupo: o daqueles que se situam conceitualmente entre autores de grandes produções comerciais e de obras que poderiam facilmente circular no circuito B de cinema.

Como estudante de Cinema da New York University, Martin Scorsese teve como sua primeira produção audiovisual o curta What a nice girl like you is doing in a place like this? (1963), que conta a trajetória à maioridade de um escritor fascinado em pintar uma gravura de um homem em um barco no meio de um lago. A crítica da época considerou o filme irritante, mas, mesmo assim, o estudante recebeu por ele um prêmio de U$ 1 mil da Sociedade de Cinematologistas. Endossado por um professor da faculdade e sob supervisão e olhar crítico dele, Scorsese produziu It’s not you, Murray, em que mostra um traço zombeteiro que desapareceria de sua filmografia. É também nessa produção que emerge uma de suas mais notáveis e permanentes características: a habilidade na direção de atores.

Numa reação agressiva ao seu ambiente social e à forma como os Estados Unidos lidaram com a internacionalização militarista, ele produziu, ainda na NYU Film School, The big shave (1967) – um curta que mostra um homem se barbeando até o ponto da automutilação. Tempos depois, numa série de entrevistas à revista Cahiers du Cinéma, Scorsese revela que seu plano inicial era mesclar cenas da Guerra do Vietnã enquanto o barbear acontecia, mas tudo aquilo já era muito hostil para ele, que decidiu deixar a menção direta à guerra de fora.

Ao fim da obtenção do terceiro grau e já com filmes marcantes no currículo, rodou, em 1965, Bring on the dancing girls, que, quatro anos depois, receberia novas cenas, o título de Who’s that knocking at my door e ganharia destaque em festivais dos EUA e simpatia da crítica.

O diretor exerceu um papel de motivador de boas produções dentro da NYU Film Studies jamais visto na história daquela escola. Por conta disso, ganhou apoio financeiro e espaço na cinematografia da época, o que gerou expectativa e burburinho no que concernia à continuidade dos trabalhos fora da faculdade.

Foi, então, que dirigiu Boxar Bertha, sem tanto sucesso. Mas, logo em seguida, lançou o excelente Caminhos perigosos (Mean streets, 1973), resultado da dedicação a uma forte representação autobiográfica, já que se passa no eixo conflituoso dos bairros do Harlem e Little Italy, onde o diretor nasceu e cresceu, e também marca a descoberta de um grande ator. Apresentado por Brian De Palma, o jovem Robert De Niro, que compartilhava a mesma realidade de jovens descendentes de italianos em Nova York, integrou o elenco. Caminhos perigosos é o início da longa parceria de sucesso com De Niro, que permanece até os dias atuais.

Poucos anos depois, já tendo produzido outros filmes, não se podia mais chamar aquele de um começo de carreira, mas não deixavam de ser os primeiros passos firmes de um jovem cineasta com motivações trazidas de uma vivência tumultuada. Scorsese lança, então, Taxi driver e, com ele, coloca-se definitivamente como um diretor ao qual valia a pena prestar atenção.

CINEFILIA
No começo, a inquietação quanto à realidade à sua volta e a dedicação aos estudos levaram Martin Scorsese a formar um acervo impressionante em termos de qualidade e quantidade ainda na universidade. Justo nessa época que seu perfil profissional e estilo fílmico se formavam, adquiriu algumas habilidades que transcendem a competência da direção e o fazem um dos grandes nomes da cinematografia.

Scorsese é um cinéfilo aficionado por todas as nuances da história do cinema, de forma geral. Em 1979, começou a se preocupar com a preservação dos rolos de filmes em cor que estavam sendo manipulados de forma errônea e que os levaria à total degradação. Assim, lançou uma espécie de cartilha para educar cineastas mais relapsos e há 22 anos criou a The Film Fundation que, no mundo, encabeça pesquisas na área de restauro de películas, cuidados na preservação e resgate de exemplares em extinção.

É possível perceber o resultado desse trabalho em seu último filme Hugo, pela utilização de trechos de produções do diretor George Mèlies que acreditava-se terem sido perdidas para sempre, mas cujos rolos foram achados e restaurados pela instituição. 

DUDA GUEIROS, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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