em 'O brilhante futuro da cana-de-açúcar' (2010), o artista utiliza a combustão da planta como metáfora da explosão econômica brasileira
Foto Kilian Glasner
Uma grande investigação sobre os desenhos. Essa seria uma boa forma de definir o conjunto da obra do artista pernambucano Kilian Glasner. Trabalhando com instalações, fotografias, vídeos ou qualquer outro suporte, as suas inquietações sempre recaem sobre o desenho, sua posição e representação na arte contemporânea. Avesso a obras fechadas, que não se conectam com o público, Kilian preza bastante – algo raro no cenário artístico pós-pós-Duchamp – pela técnica, valorizando a plástica, a luz e as formas, não apenas o conceito, como dita a regra atualmente.
Trabalho da série Rua do Futuro (2009) une fotografia e desenho. Foto: Kilian Glasner

Ruínas do ateliê do artista serviram de suporte para criação de efeito cenográfico.
Foto: Kilian Glasner
Essa base acadêmica forte deve-se aos anos dedicados ao estudo e à sua formação como artista. Ainda criança, foi capturado pelo desenho nas aulas da Escolinha de Arte do Recife. Chegou a cursar Música e Arquitetura, mas voltou às Artes Plásticas. Durante mais de dois anos, Kilian aprimorou sua técnica com Shunishi Yamada, com quem estabeleceu uma clássica relação discípulo/mestre. Depois, foi para Paris, onde viveu durante oito anos e cursou a École Nacionale Supérieure des Beaux-Arts, o que, segundo ele, foi fundamental não apenas para o desenvolvimento de suas habilidades técnicas, mas para sua compreensão do mercado da arte.
Dos poucos trabalhos do artista a explorar a figura humana,
este retrata rosto de assassino real. Foto: Kilian Glasner
Valorizando o figurativismo, Kilian passeia entre o real e o imaginário em paisagens, e algumas vezes em figuras humanas. Num de seus primeiros trabalhos, visitando prisões e delegacias, ele fez uma série de desenhos de rostos de assassinos reais, que já apontavam para um universo sombrio, num jogo de luz e sombras – algo marcante em sua produção. Algumas de suas paisagens saltam do papel e se expandem pelas paredes, portas e janelas, provocando efeitos visuais e dialogando com a Arquitetura, a exemplo das duas casas revestidas com suas obras, em São Paulo e no Recife.
Na obra Silêncio, um pastel sobre papel, Glasner brinca com efeitos de luz e sombra, conferindo-lhe um ar sombrio e fantasmagórico. Foto: Kilian Glasner
Em Pista sobre o mar e Pista de decolagem (foto abaixo), a opção foi por composições panorâmicas. Foto: Kilian Glasner

Foto: Kilian Glasner
Em seu mais recente trabalho, O brilhante futuro da cana-de-açúcar, Kilian volta a usar os espaços físicos como suporte para desenhos. Desta vez, foi-lhe cedido o estacionamento subterrâneo da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. A partir das características do lugar, e levando em consideração que o fundador da instituição era conhecido como o “Senhor do Petróleo”, o artista se viu instigado ao questionamento do uso de certas energias e do surgimento de outras, tidas como mais naturais, a transformar aquele ambiente num grande canavial. Para isso, ele ornou a parede poente do edifício com grandes desenhos de cana-de-açúcar, num tamanho 100 vezes maior que o real, transformando o espaço num ambiente de fantasia. Quando carros entram no estacionamento, os faróis refletem nos adesivos que compõem o desenho, dando a impressão de que as canas estão ali, queimando, numa cena que seria trivial para os que trafegam pela Zona da Mata da região nordestina, mas não para os portugueses. ![]()
MARIANA OLIVEIRA, repórter especial da revista Continente.