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Peleja: David de Oliveira Lemes x Rui Belfort

Os games podem ser considerados obras de arte?

TEXTO Revista Continente

01 de Novembro de 2010

Imagem Hallina Beltrão sobre fotos de divulgação

As cifras desse setor já superam as do mercado da música e do cinema. Os três nichos, aliados à internet, marcam a era da convergência: astros do rock compõem trilha sonoras de games, que, por sua vez, rendem franquias cinematográficas. Jogos são entretenimento. Acontece que essa diversão, mais recentemente, tem sido levada a sério, tanto pelos criadores quanto pelos usuários – o que nos leva a questionar se essa é uma nova forma de arte.

DAVID DE OLIVEIRA LEMES
Professor da PUC-SP e editor do blog GameReporter


Foto: Divulgação

Duas grandes discussões
 “filosóficas” permeiam o mundo dos games: videogames podem ser considerados esportes? Seriam os jogos uma forma de arte? Para as duas perguntas, existem duas frentes de respostas distintas. A que defende a conceituação dos games como esporte e a que defende os games como forma de arte. Concentremo-nos, então, em explorar o que poderia tornar um videogame uma forma de arte. O cinema é tido como a sétima arte. Ora, por que não considerar, então, que videogames também podem ser obras de arte? Hoje, os games estão cada vez mais próximos das produções cinematográficas, e não apenas no que diz respeito aos custos de orçamento. Também em suas concepções visuais, narrativas e emocionais.

A diferença principal dos games para o cinema, hoje, não está na narrativa e em sua construção, aspectos em que os dois setores praticamente convergem. A diferença é que, ao contrário do cinema, o videogame dá ao jogador a capacidade de explorar diferentes desfechos. É o poder da interatividade presente nos games, coisa que hoje em dia ainda não existe no cinema.
Mesmo que haja os chamados “filmes enlatados”, criados apenas para alavancar os estúdios com seus enormes números de bilheteria, existem filmes feitos com o propósito de encantar, como uma verdadeira obra de arte.

O mesmo acontece com os games, tanto no setor comercial, com criações vendidas a preços de jogos comerciais, quanto no mercado independente, onde artistas e game designers, normalmente estudantes, exploram as possibilidades narrativas, transformando poemas, músicas e belas narrativas em jogos.

O videogame é uma mídia recente. Popularizou-se há menos de quatro décadas. Muito está sendo explorado e inovações estão por vir. É inevitável que novas formas e diversos padrões estéticos dentro dos games sejam explorados num futuro próximo.
Todavia, mesmo agora, se formos encarar a definição de arte como o meio encontrado pelo homem de se expressar, mostrando sua história e cultura de forma harmonizada e seguindo valores estéticos, não há motivos capazes de invalidar o game como forma de arte.

RUI BELFORT
Diretor de operações da Jynx Playware e jornalista


Foto: Flora Pimentel

Utilizando o conhecimento comum, qualquer obra, artística ou não, pode ser avaliada com base em três perspectivas: as intenções do criador; o formalismo material e as interpretações do usuário. Essa tríade é extremamente relevante, quando se trata da questão desta Peleja. Isso posto, fazem-se necessários alguns esclarecimentos.
Arte existe no que é criado com intenção de expressar pontos de vista sobre questões do mundo, elevando a vanguarda. Em quadros da série Inimigos, por exemplo, o artista plástico Gil Vicente se autorretrata assassinando políticos como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o que expõe algumas de suas convicções políticas.
Também são consideradas obras de arte as que desafiam o formalismo material, subpujando questões utilitárias; há arte naquilo que revoluciona, em forma, o contexto no qual está inserido. Por esse motivo, Oscar Niemeyer é considerado um arquiteto-artista.

Não menos importante é o resultado do encontro entre obra artística e contemplador. O contato com a arte provoca, necessariamente, emoções sublimes. É improvável que alguém, ao deparar-se com as belas imagens do fotógrafo-artista Sebastião Salgado, sobre povos desfavorecidos, não acabe tomado por um estado de extrema inquietação.

Munindo-se desses argumentos, chega-se à Peleja. Jogos carregam, ou não, arte? A resposta é sim e não. Depende do jogo; das intenções que conduziram sua criação, do impacto gerado no contexto em que está inserido e das emoções provocadas no usuário. Mas um olhar generalista permite entender que a esmagadora maioria dos jogos disponíveis não possui valor de arte. 
No estágio atual de desenvolvimento da indústria, que, segundo a PricewaterhouseCooper (PwC), irá faturar US$ 86,8 bilhões ao ano, até 2014, objetiva-se primordialmente criar produtos rentáveis (direta ou indiretamente), na maior parte dos casos, análogos a similares, com o intuito de promover experiências essencialmente divertidas. Essa é a arte do jogo.

Isso não significa que não há jogos em estado de arte. Esses são minoria absoluta, mas existem. Imagine jogos cujo intuito seria desconstruir um paradigma cultural, ou cuja forma desafiasse os padrões amplamente difundidos na indústria ou, ainda, que provocasse emoções completamente inesperadas nos usuários. Esse seria o jogo da arte. 

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