Curtas

Onde nascem os fortes

Com início esta segunda (23/4), série da Globo terá 53 capítulos, atores como Irandhir Santos, Giorgano Castro, Maeve Jinkings e José Dumont, e segue no ar até julho

TEXTO LUCIANA VERAS, DA PARAÍBA*

23 de Abril de 2018

Irandhir Santos está no elenco de 'Onde nascem os fortes'

Irandhir Santos está no elenco de 'Onde nascem os fortes'

Foto Divulgação

A paisagem lunar do Lajedo do Pai Mateus, no sertão do Cariri, na Paraíba, é a âncora de Onde nascem os fortes, "supersérie" que a Rede Globo de Televisão estreia nesta segunda (23/4), a partir das 23h. "Supersérie" é um termo cunhado para diferenciar o produto audiovisual das outras modalidades de seriados – microssérie, minissérie – em que a emissora vem apostando nos últimos anos. Do time que capitaneia Onde nascem os fortes, por exemplo, existiram O canto da sereia (2013) e Amores roubados (2014). Agora, mais uma vez os roteiristas George Moura e Sérgio Goldenberg se unem a José Luiz Villamarim, que assina a direção artística, para “escutar o silêncio do sertão e tê-lo como personagem”, nas palavras de Moura.

Pois Onde nascem os fortes terá 53 capítulos, com exibição programada até meados de julho (o primeiro capítulo, inclusive, já está disponível para assinantes do GloboPlay), e uma estrutura dramatúrgica lastreada em três pilares: céu, terra e coração em movimento. Ambientada na cidade fictícia de Sertão, cujos arredores externos estão na região da Paraíba que a Continente visitou neste mês de abril a convite da Globo, a trama tem um personagem-símbolo para cada uma das vigas-mestras escolhidas para sustentar a narrativa.



Samir (o pernambucano Irandhir Santos) é o céu, um homem que traz uma nódoa do passado que o levou a buscar a espiritualidade e fundar uma espécie de seita no Lajedo dos Anjos (o nome fictício para o Lajedo de Pai Mateus). Nesse mesmo passado, ele tinha uma relação com Pedro (Alexandre Nero), o empresário que é dono da fábrica de bentonita que movimenta Sertão (e, a bem da verdade, o dono de Sertão). Pedro é a terra. Seu filho, Hermano (Gabriel Leone), é protagonista da sequência que desencadeia a avalanche dramática de Onde nascem os fortes. Ao percorrer uma estrada de barro com Gilvânia (a pernambucana Clarissa Pinheiro), Hermano vê Maria (Alice Wegmann) sendo abordada por dois homens e intervém. Descobre, logo, que Maria é do Recife e veio a Sertão para praticar mountain bike com o irmão gêmeo Nonato (Marco Pigossi). E por ela se encanta.

Acontece que Nonato se envolve em uma discussão com Pedro ao flertar com Joana (Maeve Jinkings), a amante do empresário, e desaparece. Assim Maria se transformará no coração em movimento, empreendendo uma jornada em busca do irmão que a levará a um embate com Pedro e ao encontro de Samir – a mesma jornada que trará Cássia (Patrícia Pillar), sua mãe, de volta à cidade onde será cortejada por Ramiro (Fábio Assunção), o juiz que rivalizará com Pedro pela atenção da forasteira que não é, na verdade, tão forasteira assim. “Ninguém é o que parece. Joana, por exemplo, é uma pergunta”, resume Maeve.



E a tônica de Onde nascem os fortes, a julgar pelos depoimentos do elenco e da equipe técnica, é justamente essa: explorar as ambiguidades, as contradições, as linhas de fuga de cada personagem. “É bonito enxergar os três pilares em convergência. Sendo o céu, como eu recebo o coração? E como recebo a terra?”, indaga Irandhir. “É um sertão árido, de código de honra, de ancestralidade. Um sertão que é todo espera, como dizia Guimarães Rosa. Mas a ideia é mostrar esses personagens aos poucos, sem revelá-los de imediato”, pontua o pernambucano George Moura, que trabalhou com o ator pernambucano e com o diretor José Luiz Villamarim no cinema, em Redemoinho (2016).

Entre os personagens, existem aqueles que desafiam as convenções deste sertão de condutas arraigadas. Tião das Cacimbas, defendido por José Dumont, é um deles. Meio eremita, meio exilado por vontade própria do convívio com a população de Sertão, ele mora nas grutas. “Ele é ligado à água, sem a qual a gente não sobrevive, talvez o elemento principal da nossa existência e um líquido que está dentro do coração da gente e que move as nossas emoções. Vive meio fugindo dos traumas que teve na vida, mas isso o eleva a um estado de silêncio importante. É um personagem muito interessante, como a série toda”, descreve o ator paraibano, muito feliz com a possibilidade de gravar na sua terra natal. “Vim daqui, devo tudo a Paraíba”.



Outra figura que provoca comoção em Sertão (e também entre a equipe durante a exibição de um clipe) é o personagem de Ramirinho, interpretado pelo pernambucano Jesuíta Barbosa. Filho do austero juiz Ramiro, ele passa as noites numa performance como Shakira do Sertão. “Ele ilustra bem essa coisa de todo mundo na série não ser o que parece, pois tem uma vida escondida, se monta, e faz performances num lugar próximo de casa. O pai é extremamente preconceituoso e ele sabe disso. A Shakira acontece como necessidade de autoafirmação, dele querer conhecer o corpo dele de uma outra forma. Ele é uma pessoa em transformação que se apresenta num palco, com vontade de revolução contra o que está posto – o sangue, a bala, a violência, o patriarcado, o machismo e a ideia pré-estabelecida do que é ser homem e ser mulher. Ele é contra os códigos mais arraigados e por isso é tão importante aparecer numa história na televisão, mostrando a possibilidade de renovação e transformação”, comenta o ator à Continente.

A antítese entre renovação e tradição está presente não apenas na relação entre pai e filho, mas no embate que se instaura a partir do desaparecimento de Nonato e da chegada de Maria e Cássia. “O sertão tem essa característica: as pessoas são de verdade, têm sagacidade, são poderosas em meio a condições geográficas muitas vezes complicadas. Acho que os personagens todos brotam dessa terra”, observa Fábio Assunção, que pensa Onde nascem os fortes como um enredo “misterioso”. Mas ele sabe bem quem é Ramiro: “Um juiz, viúvo, que vai ter uma relação ruidosa com o filho bem ruidosa. Ele não faz ideia do quem é o filho... Ele é um conservador, um fascista… Estou fazendo um fascista”.



“Qualquer semelhança com os juízes brasileiros atuais não deixa de ser mera coincidência?”, a pergunta feita pela Continente surgiu de imediato. O ator, de longa barba grisalha para compor Ramiro, apenas sorriu. Mas um outro pernambucano no elenco, Giordano Castro, do grupo teatral Magiluth, interpreta Macedo, um policial da equipe do delegado Plínio (Enrique Diaz), pensa que muito do que traz Onde nascem os fortes tem a ver com a realidade atual da região: “É aquela polícia que a gente já conhece, que serve muito mais aos coronéis do que à cidade de fato. A gente chega para resolver as questões de quem tá mandando resolver”.

Sob a direção artística de José Luiz Villamarim, com direção geral de Luisa Lima e direção de Walter Carvalho e Isabella Teixeira, Onde nascem os fortes vem sendo rodada desde outubro de 2017, num esforço que Villamarim rotula como “uma guerra” e que envolve 150 pessoas, todas elas também ligadas à “imersão em um tempo diferente” com que os roteiristas desejam permear toda a narrativa. “Os diálogo são pensados de uma forma mais seca, sobretudo incorporando essa ideia de que essa geografia física estivesse dentro de cada um dos personagens”, coloca George Moura. O processo todo tem deixado o elenco satisfeito. “Nos sentimos mais atuando do que só falando as palavras, em um trabalho de muito coleguismo, muita participação, conseguindo ser um pouco autor também. Não escrevemos, mas as palavras também passar a ser nossas. Isso é lindo”, emociona-se Patrícia Pillar.



*A repórter viajou a convite da Rede Globo de Televisão.

Publicidade

veja também

Adeus a Riva

“Mulher, Corpo, Território: Julieta presente!”

Ô, ô, ô, Saudade do Recife e de Antônio Maria