Curtas

Lara Neon e a arte horrorosa de Fernando Peres

Assumindo uma "dupla identidade", artista volta em nova exposição na qual mistura arte e vida em desenhos e outros suportes, desta vez em plataforma virtual

TEXTO Sofia Lucchesi

10 de Abril de 2018

Desenho Fernando Peres/Divulgação

Quem conhece Fernando Peres, artista plástico, “empresário da noite”, “pernambucano ex-carioca”, sabe que ele sempre buscou sobreviver de forma independente, apesar de já ter exposto em espaços institucionais. Por sua vocação autônoma, mas também porque os limites entre arte e vida integram o próprio conteúdo de sua obra, é difícil afirmar que apenas se “conhece o trabalho” dele. De forma direta ou indireta, acompanhamos sua vida-obra através das redes sociais, onde divulga suas produções – de desenhos a festas do Lesbian Bar, no Recife. E é justamente essa comunicação em rede uma das forças que movem sua nova exposição, um tanto diferente das outras que já realizou até hoje.

A partir de quarta (11/4), pessoas de todos os lugares do Brasil e do mundo poderão visitar gratuitamente a exposição virtual Lara Neon e a arte horrorosa de Fernando Peres. A ideia de criar a plataforma partiu de Marília Cireno, parceira de vida e de “empreitadas”: “Queremos movimentar, divulgar o trabalho e dar saída aos desenhos, porque a gente precisa se manter. Esperamos que isso também incentive outros artistas a sobreviver de forma independente”, explica Marília, que produziu a identidade visual do site.

O convite para a mostra, disponível em endereço online, anuncia: “Todos os cerca de 80 desenhos estarão disponíveis para download. É só salvar, imprimir e colar na parede com fita crepe, a gente faz muito isso aqui em casa”. Os originais estarão à venda durante o período da exposição (que vai até de 21 de abril), e quem se inscrever no endereço http://mesbla.cargocollective.com receberá o link de acesso por e-mail e um cupom de desconto.

A visualidade da plataforma assemelha-se ao tipo de experiência vivenciada pelos frequentadores da Mesbla/Lesbian Bar, festa-obra que acontece todos os sábados na própria casa onde residem Peres e Marília – mais um exemplo dessa relação estreita entre as fronteiras de arte e vida. No site, são duas “projeções” em que o artista aparece, três “ambientes sonoros”, que ora tocam simultaneamente, ora silenciam-se, enquanto múltiplos desenhos “piscam” nos gifs, criando uma estética do “caos” parecida com as festas visuais realizadas em sua casa.



Os desenhos de Peres são sempre um “diário” da sua vida, tendo a palavra como um dos elementos-chave da maioria de suas composições-pirações. No papel, rabisca e delira sobre temas que têm uma certa “obsessão” – como ficção científica, fetichismo e salto alto, dinossauros, biologia –, sobre filmes e livros que está lendo, o que ouve e lê em noticiários, pessoas com quem convive, nomes de atrizes e atores, ironias e frases aleatórias vistas em algum lugar, e dá respostas a algumas dessas “randomicidades” – “não foram encontrados erros”/“tem certeza?”. Apropria-se também de fontes e logomarcas – a exemplo da extinta loja Mesbla –, remixando referências ao longo das diversas camadas do desenho, geralmente feitas com materiais caseiros, como canetas e “a tinta que tiver em casa”. Enquanto estão sob a posse do artista, os desenhos permanecem num estado de “risco” constante, onde tudo pode dar certo – ou errado.

“Lara Neon é um desenho meu de 2002, que era meio como se fosse um parque aquático de ficção científica. Tinha esse nome bem grande, que era também uma brincadeira com o nome Nara Leão”, explica o artista sobre o nome do projeto, que é uma espécie de “capítulo novo” da série que começou com Lara Neon e a irresponsabilidade das hortaliças, mostra itinerante apresentada no ano passado no Recife, na Galeria Maumau; em São Paulo, no espaço Disjuntor; e no Rio de Janeiro, no Parque Laje. “Como eu não podia ser Fernando Peres no Instagram, criei um usuário com esse nome, Lara Neon. Daí, foi um pouco disso pra agora, costurei o Lara Neon com o Fernando Peres, como se fosse uma nova aventura, um serial, tipo ‘Indiana Jones nos tempos de Lara Neon’”, conta.



“Uma vez, um amigo disse: ‘Ah, mas os teus desenhos têm a ver contigo, não tem a ver comigo’. E é verdade. Eu acho que devia ficar com todos eles, mas como eu não sou rico, preciso vender. É um pedaço desse meu microuniverso, da atriz, ou de uma amiga, de Marília, de um ‘treco’ que eu tô lendo, que tô vendo na televisão. É como se fosse um dicionário para coisas que eu vou acessar depois, meio como um diário”, diz Peres. Lara Neon e a arte horrorosa de Fernando Peres segue em cartaz até 21 de abril, mas quem quiser ver “ao vivo” pode ir na farra dos sábados, a partir das 22h, na casa de número 77 da Rua Cond’eu, Santo Amaro, Recife.

SOFIA LUCCHESI, estudante de Jornalismo, estagiária da Continente e fotógrafa.

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