Curtas

Festival do Rio

Três filmes pernambucanos estão na Première Brasil, uma das prestigiadas mostras do evento

TEXTO Luciana Veras

06 de Outubro de 2017

Açúcar, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, é protagonizado por Maeve Jinkings

Açúcar, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, é protagonizado por Maeve Jinkings

FOTO Divulgação

Entre os 75 títulos a ser exibidos na Première Brasil , uma das mostras mais prestigiadas do Festival do Rio (e certamente vitrine das mais relevantes para a produção audiovisual contemporânea do Brasil), estão três longas-metragens pernambucanos: Açúcar, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, Em nome da América, de Fernando Weller, e Amores de chumbo, de Tuca Siqueira. Os dois primeiros, respectivamente, nas mostras competitivas de ficção e de documentários; o terceiro, na mostra Novos rumos. Em sua 19ª edição, o festival se estende até o próximo dia 15 na antiga capital federal, demarcando, no calendário afetivo dxs cinéfilxs, um período de abundância que se completa com a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Açúcar reflete, mais uma vez, a parceria criativa do casal Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. Juntos, assinaram juntos o curta Praça Walt Disney (2011) e doc Estradeiros (2011). Agora, tratam da “identidade cultural brasileira”, nas palavras de Renata. “O filme é sobre uma mulher que é herdeira de um grande pedaço de terra, onde foi um engenho de cana de açúcar, e que se encontra num momento em que ela não se reconhece, um momento em que os trabalhadores já possuem parte das terras, por litígio trabalhista, e estão em ascensão financeira, ao mesmo tempo em que a casa, que é herança dos pais dela, está em decadência financeira. É como se houvesse um movimento contrário: enquanto a casa grande está em decadência, o que foi senzala está em ascensão”, detalha a cineasta, que, diretora de arte que também é, cuidou da cenografia do longa.

Maeve Jinkings interpreta a protagonista. Outros nomes do elenco são Magali Biff, Dandara de Morais (Ventos de agosto) e José Maria Pescador. Na fotografia está Fernando Lockett, que repete a parceria com Renata estabelecida em Amor, plástico e barulho (2013). Açúcar vem sendo feito há anos, segundo a diretora, e chega ao Festival do Rio como uma coprodução da Aroma Filmes, que é dela e de Sérgio, e da Boulevard Filmes. “Rodamos num engenho em Vitória de Santo Antão onde eu filmei Superbarroco, e era um lugar na iminência de ruir, então filmamos em duas semanas, acompanhando esse ciclo de destruição. O filme fala também de transformação”, comenta Renata.

O signo da transformação também rege Em nome da América, primeiro longa de Fernando Weller. Em março de 2015, na edição #171, a Continente trazia uma matéria sobre o projeto, então chamado Steven esteve aqui, em que o diretor falava sobre a ideia de investigar um cidadão norte-americano, o Steven do título, que havia chegado ao Nordeste do Brasil nos anos 1960, como membro dos Corpos da paz. Criado em 1961 pelo presidente John F. Kennedy, o programa de voluntariado havia sido pensando para “ajudar países estrangeiros a aplacar suas necessidades de mão de obra habilidosa”. Na teoria, claro. Pois na prática, eram os tentáculos do Tio Sam chegando ao Brasil em um momento de ebulição política e social: o pré-golpe de 1964.

“O programa é a ponta de uma história que tem várias outras instituições por trás. Inicialmente, eu foquei em um aspecto, mas o filme foi ganhando uma complexidade histórica que não conseguia mais dar conta apenas com a história do Steven. Terminei optando por um filme mais político, um pouco pelo que foi acontecendo no Brasil, um pouco por tudo que nele se interligada. O documentário mostra como o império americano se interessou em comprar sedes dos sindicatos rurais em cidades tão pequenas feito Orobó. Como o Nordeste era uma região estratégica naquela época da Guerra Fria e do medo do comunismo. Se pensarmos no contexto de hoje, vemos que atuação capilar dos Estados Unidos não vem de agora”, condensa Weller.

Em nome da América foi agraciado com recursos do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura/Funcultura em dois momentos, como recorda a produtora Carol Ferreira, da Jaraguá Produções – o doc é uma coprodução com a Plano 9, de Mannu Costa. “Em 2012, recebemos verba para desenvolvimento de roteiro e, no ano seguinte, para produção, o que nos possibilitou investir em pesquisa, algo fundamental em um projeto como esse. Em 2014, vencemos o edital Longa Doc, do Ministério da Cultura. Isso nos deu a segurança para, por exemplo, viajar aos Estados Unidos em busca de imagens que não existem no Brasil”, observa Carol.

Fernando Weller reforça a importância de preservação da memória, algo praticamente inexistente no país onde há quem diga que não houve ditadura militar. “Os Estados Unidos possuem uma política de guarda e acesso à imagem para qualquer pessoa do mundo. Eles têm, por exemplo, imagens de João Goulart chegando para uma visita, a cores. Se essa imagem tivesse sido feita por aqui, provavelmente já teria apodrecido”, constata o diretor.

A memória dos anos nos quais o país estava sob a égide das Forças Armadas também permeia Amores de chumbo, um projeto ao qual Tuca Siqueira se dedica desde 2008. “Aprovei no primeiro edital do audiovisual do Funcultura, há nove anos. É uma alegria enorme poder estrear no Rio essa história de amor que é, também, política”, diz a diretora, que escreveu o roteiro ao lado de Renata Mizrahi e produz o longa por meio da sua Garimpo Audiovisual, em coprodução com a Plano 9 e em parceria com a Alumia Produções e Conteúdo, de Carol Vergolino.

No enredo, o casal Miguel (Aderbal Freire Filho) e Lúcia (Augusta Ferraz) celebram quatro décadas de união, mas a chegada de Maria Eugênia (Juliana Carneiro da Cunha) da França desperta sentimentos conflitantes entre os três vértices desse triângulo. Miguel é ex-preso político, Lúcia lutou para tirá-lo da cadeia, mas qual o papel de Eugênia? “Queria falar de personagens dessa faixa etária, dos seus 65/70 anos, que não são usualmente retratados em seus amores e desejos. Ao mesmo tempo, quando escrevi o roteiro, e mesmo quando filmamos, em dezembro de 2015, eu não fazia ideia de tudo que aconteceria no Brasil depois. Aliás, pergunto: qual vai ser o Brasil quando o filme for lançado nos cinemas? Não faço ideia. Mas sei que Amores de chumbo é um filme político, em vários sentidos, e que amar é, sim, um verbo político”, complementa Tuca Siqueira.

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