Curtas

Criolo expandindo realidades

Neste sábado (23), o artista apresenta ‘CrioloXR’, show inédito de realidade estendida que representa um novo movimento seu de construção de diálogo a partir das novas tecnologias

TEXTO Márcio Bastos

22 de Janeiro de 2021

Criolo

Criolo

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[conteúdo exclusivo Continente Online]

Criolo é um comunicador por natureza e utiliza diferentes meios para transmitir sua mensagem, em um processo simultâneo de exercício dos seus múltiplos talentos. No cenário desolador de um 2020 marcado pela pandemia do novo coronavírus, o artista encontrou mais um recurso para chegar junto do seu público. Através da plataforma Twitch, ele transmitiu, durante a quarentena, a Criolo TV, classificada por ele como "um oásis nessa loucura cibernética; um lugar para aprender junto", com conteúdos ligados a arte, questões sociais e educação. Dando continuidade ao projeto, neste sábado, no dia 23 de janeiro, às 21h, ele transmite gratuitamente na plataforma de streaming o CrioloXR, show inédito de realidade estendida.

A experimentação com a realidade estendida, que engloba realidade virtual, aumentada e outras tecnologias que borram as linhas entre o mundo real e os simulados, como explicou o artista no vídeo de apresentação do projeto, é mais um movimento de Criolo de construção de diálogo a partir das novas tecnologias. Com direção de Denis Cisma e Tito Sabatini, a apresentação contará com canções da discografia do artista, assim como as recentes Sistema obtuso e Fellini, ambas de forte cunho social.

“Teremos a arte de muitas pessoas passando por todo o show que criarão ambientes para cada música. Todos estudando e entendo possibilidades de construção de ambientes e cenários com a realidade estendida. O convite é arte e tecnologia, uma dando suporte à outra e, dia 23, vem um tanto do resultado, já que muitos estudos ficam e não vão pro ar, mas são tão interessantes quanto o que será apresentado. Dá vontade de ter quatro apresentações para dividir tudo”, explica Criolo em entrevista por e-mail à Continente.

O rapper, cantor e compositor paulistano acredita que a relação dos artistas e do público com o ambiente online tende a se fortalecer com a maior democratização do compartilhamento de conteúdos na rede. O diálogo com sua audiência, inclusive, é uma das preocupações de Criolo, que estimula a interatividade em suas transmissões, através dos chats.



“(A Criolo TV é) Uma tentativa de criar um pequeno espaço de troca de conhecimentos e afeto; de modo leve e com muita serenidade, vamos aprendendo juntos. Todos os dias uma boa energia se cria naquele espaço, estou aprendendo muito e grato pela oportunidade dessa troca”, reforça. “(O campo virtual) É um caminho que já existia, mas ainda pouco explorado. Acredito que vai ficar e se aprimorar com o tempo e com os suportes para que isso aconteça – e uma nova ação de comunicar dentro desse mundo que é a W.W.W. E quanto mais caminhos, melhor; se isso vai criar um lugar de mais igualdade, só vamos saber com o tempo, pois, junto a cada revolução da comunicação, existem também os estudos de como restringir os acessos.”

Além de lançar o canal de transmissões online, em 2020 Criolo também estabeleceu uma série de parcerias artísticas na música. Ele colaborou com artistas de diferentes gêneros musicais, iniciantes e consagrados, como Milton Nascimento, Elza Soares, Silva, M.I.L.K., Priscila Tossan, Guilherme Held, Marcelo D2 e Amaro Freitas. Sobre o pianista pernambucano e a pluralidade da cultura do Nordeste, o músico paulistano, filho de cearenses, tem só elogios superlativos: “Amaro é um presente para o Brasil e para o mundo, um presente de Pernambuco e sua música, sua resistência cultural e suas possibilidades. Eu poderia escrever aqui tantas coisas lindas sobre Pernambuco e sobre Amaro, mas não sei nem por onde começar. Acho que essa afetividade com o Nordeste, por ser filho de cearenses e entender que o Brasil não enxerga de modo correto toda a beleza cultural dessa parte de seu povo, e a luta por tantas situações vividas só me levam a ficar quieto, ouvir mais pra aprender. Acho que essa é minha relação não só com Pernambuco, mas todo o Nordeste. Aqui tem um MC do Ceará chamado Rapadura, que pra mim é um dos maiores e autênticos rimadores de rap brasileiro, mas também um grande escritor de ritmos e canções de sua terra natal. O Nordeste é assim, Pernambuco é assim e Amaro é disso tudo um tanto de cada artista que passa por nossas vidas e nos ensinam algo pra curar a alma”.



Ainda no que diz respeito às parcerias musicais, Criolo dá indicativos de que 2021 será um ano igualmente profícuo. No início de janeiro, o artista já pode ser ouvido dividindo os vocais com Gal Costa em Paula e Bebeto, canção de Milton Nascimento regravada para o projeto provisoriamente intitulado de Gal 75, uma celebração da carreira da cantora baiana.

ESPERANÇA PRAGMÁTICA
O engajamento social e político de Criolo remonta à sua própria trajetória. Filho da professora, filósofa e escritora Maria Vilani Cavalcante e do ex-metalúrgico Cleon Gomes, Kleber Cavalcante Gomes cresceu no Grajaú, bairro na periferia da zona sul de São Paulo. Desde cedo, ele se envolveu nas dinâmicas do movimento hip hop e da educação, chegando a lecionar Arte em escolas por mais de uma década.

Respeitado há anos na cena alternativa de São Paulo, ele explodiu no cenário nacional em 2011, quando lançou o aclamado Nó na orelha, seu segundo álbum. O trabalho, que contém canções como Não existe amor em SP, Bogotá e Freguês da meia noite, figura nas listas dos discos brasileiros mais importantes da última década, e confluiu com um momento de rompimento de barreiras do rap no país.

“Ainda vivo sob e sobre este impacto (de Nó na orelha). Foi um momento muito difícil e as pessoas que me estenderam a mão pra este disco acontecer são os verdadeiros agentes transformadores de vida. Eu tinha as músicas, mas não as tinha, elas existiam e não existiam. Às vezes, a gente se sente assim: eu existo e não existo. Acho que isso se encontra com algumas falas e fábulas do inconsciente e daquilo que só se tem oralidade. Quanto plantamos uma árvore ou escrevemos um livro, como exemplos de ver o que se fez. Eu vi o Nó na orelha em minha mente e pessoas fizeram junto comigo este plantar de árvore. Mas fica na oralidade o ensinamento de passar pra frente o que ninguém vê, esse tanto de gente que fez isso se realizar. Na música desse curto espaço de tempo, eu estou ouvindo e aprendendo a cada dia com artistas dessa nova geração”, reflete.

Desde os primeiros trabalhos, suas canções examinam com lucidez a realidade brasileira, mesclando as várias influências do artista. Seus lançamentos mais recentes são carregados de urgência e denúncia do caos implementado no país, a exemplo do videoclipe de Sistema obtuso, que mostra um Brasil pós-apocalíptico, em chamas, paranoico, resultado de um longo projeto de necropolítica. 



“O que vem de fora nos aculturando/ Dizima quebrada, maltrata meu mano/ Não tem 17, na cinta, um cano (...) O herói da quebrada tá morto ou matando/ Antropofagia, hemorragia/ Vaidade vicia, favela sangrando”, rima em Fellini, canção que, segundo ele, é muita coisa ao mesmo tempo. “É aculturação, imposição, repressão e censura num ambiente social que oferece aos nossos jovens uma rotina de extrema solidão e desigualdades”, afirma.

Apesar das circunstâncias, Criolo é um esperançoso pragmático: acredita na transformação proveniente da ação do povo, sem romantizar a luta e as dificuldades impostas por uma conjuntura desenhada para massacrar corpos e vivências fora do padrão. Aos 45 anos, ele continua utilizando sua arte para denunciar as injustiças e incentivar o engajamento da juventude a combatê-las, na construção de uma sociedade mais igualitária.

“O que acontece é que as ações de construção para uma sociedade mais justa vêm sendo atacadas e desestimuladas. Muitas pessoas dedicam suas a isso, mas, nesses últimos tempos, uma dor muito grande tem se estabelecido e se fortificado alimentada pelo ódio da sociedade em tudo que enxerga não ser o padrão”, pontua. “Resultado de muita luta, luta dobrada, triplicada de uma geração que não aceita mais tanta desgraça. Se parassem de perseguir e assassinar nossos jovens... Aqui quem luta por amor e por igualdade é convidado a se retirar do planeta. Muito mais vai acontecer; essa resposta é só o começo. Subestimaram os jovens e agora eles recebem uma resposta de paixão e afeto numa posição firme na luta contra as desigualdades.”
 
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Saiba como assistir ao show gratuitamente neste vídeo:



MÁRCIO BASTOS
 é jornalista.

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