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O silêncio como inspiração musical

Cinema Silencioso reúne instrumentistas na execução de trilhas contemporâneas para filmes do antigo Ciclo do Recife

TEXTO Diogo Guedes

01 de Setembro de 2011

Alex Mono é o idealizador da mostra, e tomou como parâmetro eventos semelhantes

Alex Mono é o idealizador da mostra, e tomou como parâmetro eventos semelhantes

Foto Nando Chiappetta/Divulgação

Algumas das mais belas ideias de Walter Benjamin estão em suas reflexões como historiador. No exercício da atividade, ele teceu seu conceito de melancolia, próprio do homem moderno, que precisa lidar com objetos que ainda existem fisicamente, mas cujo contexto histórico se perdeu para sempre. Na cultura, esse sentimento ainda é agravado: algo da sensação original perdura nos quadros medievais, mas nunca será possível revivê-los em sua essência. A melancolia, então, surge quando o crítico sabe que, mesmo com a presença do objeto, a obra nunca vai estar aqui, no presente, inteira.

O que é mais interessante na definição de Benjamin, é o fato de que, ainda que reconheça essa perda, ele avalia que o historiador moderno precisa tentar desvendar essas obras. É um exercício inútil, mas absolutamente necessário. De certa forma, a pós-modernidade continua esse processo, mas talvez aceitando a recontextualização – irônica ou não – como uma forma de tentar combater essa melancolia. A Mostra de Cinema Silencioso, que realiza sua primeira edição de 29 de setembro a 2 de outubro, no Cinema São Luiz, trabalha um pouco com essa mistura de resgate e reconstrução de um bem histórico.

Exibindo cinco longas e três curtas do cinema mudo (ou silencioso, como preferem os especialistas) do Ciclo do Recife (1923-1931), a intenção do evento é trazer um acompanhamento musical inédito para essas obras. Originalmente, elas eram exibidas ao mesmo tempo em que uma peça era executada por um pianista ou uma orquestra - quem costumava se apresentar assim era o pernambucano Nelson Ferreira.

Ainda que não existam registros das músicas, esses filmes são acessíveis, principalmente, por conta do trabalho recente de restauração promovido pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Segundo o idealizador do evento, Alex Mono, o projeto é uma tentativa de se apropriar dessas películas. “Essas produções estão atualmente guardadas, poucas pessoas têm acesso”, aponta. A mostra, então, ao mesmo tempo em que recupera a união entre criação musical e imagem, busca renovar esses filmes, trazendo-os para serem vistos pelos cinéfilos de hoje, junto a uma trilha contemporânea.

Assim, além de Alex Mono, que vai tocar em duas ocasiões, vêm ao Recife para o evento Lívio Tragtenberg, Arrigo Barnabé, Pedro Osmar e Paulo Ró. De Pernambuco, quem também vai se apresentar é o maestro Ademir Araújo, trabalhando em cima da projeção de três filmes.

O organizador conta que a ideia surgiu depois do convite de Lívio Tragtenberg para que ele participasse, em 2007, da Jornada Brasileira de Cinema Silencioso, em São Paulo. Misturando apresentações eruditas e música contemporânea, o festival serviu de referência para o pernambucano. “A cena de tocar ao vivo, junto a filmes, é mundial e, em outras edições, a ideia é que dialoguemos com filmes de fora de Pernambuco”, planeja Alex Mono.

Em 2007, o Recife já havia recebido um projeto parecido, a Jornada do Cinema Silencioso, no Cinema da Fundação, mas que não teve continuidade. Com a mostra, Alex Mono quer fazer do evento parte do calendário da cidade. “Nesta edição, queremos provocar um choque na relação entre música e filme”, explica. “Escolhemos chamar nomes que trabalhassem com a ideia de música de invenção, criadores de vanguarda. No entanto, pretendemos, em outras edições, trazer pianistas clássicos”.

CRIAÇÃO
Em geral, as apresentações são pensadas com antecedência. Uma parte delas, no entanto, sempre tende a ser influenciada pelo momento de execução. “É uma relação meio jazzística, tem uma porcentagem de improvisação. Acho que também era um pouco assim, antigamente, mesmo com um formato mais clássico”, sugere Alex Mono.

O organizador já trabalhou outras vezes com um dos filmes da mostra, Veneza Americana, de J. Cambieri e Ugo Falangola. Sobre esse filme, ele conta que buscou dialogar com a narrativa, mas sem traçar uma relação muito óbvia com as cenas, ou seja, sem fazer “sonoplastia”. “Eu trabalho com diversos elementos, de clichês de época, por exemplo, como um choro meio nazarethiano, até elementos de computadores, da música eletrônica”, descreve. “Eu me apeguei às cenas largas e ao tempo lento da película.”

Outra apresentação elogiada é a de Tragtenberg, que encerra a mostra. O compositor paulista convida os sanfoneiros pernambucanos Muniz do Arrasta-Pé e Josildo, deficientes auditivos, para participarem da exibição de Aitaré da praia, de Gentil Roiz. “Os dois ficam intervindo na frente da tela, com o filme os atravessando. Com um ponto eletrônico, Lívio os ‘dirige’, também tocando clarone”, conta Alex Mono.

Arrigo Barnabé, um dos principais nomes da vanguarda paulista, já é experiente no exercício, tendo participado do festival ocorrido na sua cidade. No Recife, ele faz uma apresentação inédita, baseada em A filha do advogado, de Jota Soares. Já os paraibanos Pedro Osmar e Paulo Ró, do coletivo de intervenções Jaguaribe Carne, são uma exceção na escolha dos filmes: preferiram trazer uma película silenciosa do seu Estado, Sob o céu nordestino, de Walfredo Rodriguez.

Ademir Araújo completa a programação trabalhando em cima de três curtas: Grandezas de Pernambuco, de Chagas Ribeiro, Recife no centenário da Confederação do Equador, de Ugo Falangola e J. Cambieri, e Carnaval de 1926, de Edson Chagas. Alex Mono explica a escolha do músico: “Ele é muito inventivo. As composições de Ademir Araújo não são normais”, elogia. 

DIOGO GUEDES, repórter da Continente Online.

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