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Arthur Azevedo: Os méritos de um autor sem vaidades

Nova coletânea reúne contos consagrados e inéditos do jornalista, escritor e dramaturgo que retratou o Rio de Janeiro do início da República

TEXTO Eduardo Cesar Maia

01 de Novembro de 2009

Arthur Azevedo

Arthur Azevedo

Foto Reprodução

O escritor é um animal vaidoso. É raro que um sujeito pertencente a essa categoria profissional consiga avaliar com realismo a verdadeira dimensão e pertinência de sua própria obra. Não passa pela cabeça da grande maioria das pessoas que escrevem, seja em prosa ou verso, que 99% de todos aqueles que se arriscam nesse métier ficarão relegados ao (merecido ou não) esquecimento. Surpreende, portanto, encontrar um depoimento como este, publicado há mais de um século, do jornalista, escritor e dramaturgo Arthur Azevedo: “(...) não solicito a glória nem a imortalidade, mas tenho a consciência de não ser um colaborador inútil. Escrevo, não para os cafés da rua do Ouvidor, mas para a cidade inteira”. Impressiona, mesmo hoje, a postura pública de “abrir mão da imortalidade” em troca da satisfação imediata dos leitores de seus contos e espectadores de suas peças. Essa atitude representa a antítese da imagem romântica que ainda guardamos do escritor-eremita, nefelibata, a quem os problemas mundanos não atingem, exclusivamente preocupado com sua arte, pura e superior.

Os leitores de hoje podem encontrar exemplos da arte desse importante (e peculiar) autor nacional no livro Contos de Arthur Azevedo: Os efêmeros e os inéditos, publicado numa parceria entre a Editora PUC–Rio e a Edições Loyola, com organização de Mauro Rosso (leia entrevista na página ao lado), professor e pesquisador de literatura brasileira, que também assina o texto introdutório e as notas de rodapé. Além do conjunto dos Contos efêmeros, coletânea publicada originalmente em 1897, a nova edição traz sete contos inéditos em livros (só tinham circulado em revistas da época).

FAMÍLIA LITERÁRIA
Irmão do maior escritor naturalista brasileiro – Aluísio Azevedo, autor de O cortiço –, Arthur Nabantino Gonçalves de Azevedo nasceu no Maranhão, em 7 de julho de 1855. Conta-se que, com apenas oito anos, encantado pelo teatro, começou a escrever adaptações de peças românticas. Aos 16, escreveu alguns poemas satíricos sobre pessoas importantes e desimportantes de São Luís, sua cidade natal, e, perseguido, acabou perdendo o emprego de amanuense. Dois anos depois, mudou-se para o Rio de Janeiro, lugar em que exerceu diversas atividades artísticas e jornalísticas e onde terminou seus dias, em 22 de outubro de 1908. A cidade, à época capital federal, é o cenário onde se passa a grande maioria das histórias criadas por Arthur Azevedo.

A obra de Azevedo é marcada pela leveza, superficialidade, graça e simplicidade. Suas histórias – e aqui me refiro principalmente aos seus contos – são fechadas em si mesmas, com habilidade e precisão, mas não dão muito espaço para a capacidade imaginativa do leitor. Os desfechos muitas vezes se assemelham ao final de uma piada. Os diálogos são rápidos, verossímeis e ágeis; seus personagens, planos e previsíveis. Não há lugar para ambiguidades. Seu território é o do humor acessível a todos, e nisso ele foi um mestre. Seus textos prescindem de abstrações, de filosofia ou de qualquer forma de generalização idealista – ele buscava sempre o particular, o factual.

O que ele ganhou com essa ampla concessão ao gosto do público médio? Talvez não somente o êxito editorial e dramatúrgico e o aplauso de um público amplo e variado, mas também logrou desenvolver uma acentuada capacidade de comunicar suas ideias de uma maneira que faria inveja aos publicitários dos nossos dias. E isso, destaca o crítico Alfredo Bosi, é fundamental para quem escreve comédias, sejam teatrais ou em prosa. Sua escrita negava artifícios e era, em grande medida, instintiva.

IRONIA E CRÍTICA
Como bom jornalista, Azevedo buscava, também, em sua literatura, os fatos, o cotidiano do Rio de Janeiro de sua época, as relações pessoais, profissionais e hierárquicas numa sociedade em acelerado processo de transformação – viveu o período de transição da monarquia para a república –, tudo isso filtrado pela personalidade essencialmente crítica e irônica de um grande e bem-humorado observador de tudo quanto fosse corriqueiro, seja na política, na sociedade ou dentro das casas. Por trás de seu tom irônico, que muitas vezes se aproximava da gaiatice e da pilhéria, estava a sua verdadeira vocação: a de crítico que, conforme o adágio latino, ridendo castigat mores (rindo, castigas a moral).

Tratou a literatura e a vida literária de forma natural, sem as afetações tão comuns ao ofício. Em relação à qualidade de seus contos, acredito exagerada a afirmação do organizador da coletânea de que Azevedo é “dos melhores” contistas de toda a história da literatura brasileira – o que não invalida o entendimento de que ele teve influência importantíssima como pioneiro nesse gênero e, ainda mais importante, como um dos precursores do estilo fluente e direto que foi fundamental como contraposição ao floreio linguístico que predominava em nossas letras. Com essa nova edição de seus contos, o leitor atual poderá avaliar, na obra de Arthur Azevedo, o que envelheceu e o que ainda é capaz de surpreender. 

Leia também:
[Entrevista] Mauro Rosso

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