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'Breu': Um grito de dor e de libertação

Músico Geraldo Maia publica autobiografia em que são eixos a morte e a descoberta do sexo

TEXTO Pethrus Tibúrcio

01 de Outubro de 2014

Geraldo Maia

Geraldo Maia

Foto Teresa Maia/Divulgação

Em uma infância de domingos de igreja, colégio cristão e rezas antecedendo as refeições, conseguimos perceber o cristianismo de duas formas: no anestesiamento de nossos maiores medos e na fabricação de nossos mais íntimos temores. A morte, a descoberta do sexo e a percepção de uma sexualidade dissidente são passagens fortemente tocadas pelas noções de previsibilidade, destino e moral que a religião mantém.

Não é possível saber plenamente qual foi a rotina do músico Geraldo Maia na década de 1960, mas, certamente, os sintomas de algumas de suas vivências são comuns a um grande número de pessoas. Ele acaba de lançar Breu, autobiografia que perpassa essas questões, e fala especialmente da perda: a morte prematura de sua mãe, presenciada aos cinco anos, e a descoberta, violenta e também precoce, do sexo. “A minha maior crítica é ao modo como a religião participou da minha vida e como foi nociva ao meu processo”, conta.

Com formação acadêmica em Sociologia, o autor é mais conhecido pelo seu trabalho na música, em que já apresentou nove discos. Na noite de lançamento de Breu, que é a sua primeira experiência literária, ele uniu as duas potências, ao realizar um pocket show para a apresentação do livro. Já sendo compositor, também aproveitou essa experiência para verbalizar a própria história. Ele insere alguns trechos de suas canções no livro e a narrativa é construída como uma espécie de prosa poética, o que ele também atribui ao universo musical. O próprio Maia é responsável pelo financiamento do livro, uma edição do autor. Na impressão, destaca-se o projeto gráfico, que traz uma capa discreta, e o miolo ilustrado com reproduções de esboços do expressionista norueguês Edvard Munch, que parecem ter sido pensadas para o livro, tal a sintonia entre texto e imagens.

Escrita em primeira pessoa, é claro o caráter confessional da história. O período que separa a ocorrência dos fatos narrados da escrita do livro, além da linguagem intimista e por vezes crua, sugerem um resgate feito sem muito esforço, como geralmente acontece com nossas tragédias.

Para o autor, o livro sempre esteve no gatilho. “Acho que eu sempre soube, de alguma maneira, que ia escrever esse livro um dia. Só não sabia a forma que ele iria tomar”, diz. Ele fez análise e terapia por muitos anos, mas sentia que precisava canalizar sua história em alguma criação. Por essa razão, define Breu como “um grito”, que não é só de dor, mas também de libertação. A defesa da libertação está associada à ideia de culpa cristã, que, diz ele, controla e limita nossos comportamentos através de ideias de moral, que são sustentadas com o suporte da ameaça, ou o que Geraldo chama de “o pecado inventado”.

O uso da primeira pessoa foi, por um momento, um conflito para Maia. “Quando você tem uma interlocução, fica mais protegido, menos vulnerável. Esse texto me deixa muito exposto.” Isso porque tudo é relatado como Geraldo lembra, com exceção do nome do personagem Melquíades, que foi alterado. Por isso e pelo conteúdo das confissões que o livro escancara, ele não pode deixar de ser visto como uma obra corajosa.

A palavra breu é mais associada à escuridão total, e, metaforicamente, pode ganhar vários significados. Uma impressão é a de que, aqui, Breu funciona como uma multidão presa dentro de um apagão. O estabelecimento de liberdades momentâneas para fazer o que quer, com a segurança do sigilo. Mas a multidão inteira está ciente de que as coisas estão acontecendo. Funciona, portanto, como a confissão de uma história que não é confortável de ser contada, mas, quando é, pode ser compartilhada pela mesma multidão de luzes acesas.

É possível, assim, ver Breu como a iminência de iluminar contos do nosso passado. Como um esperneio contra a aleatoriedade e arbitrariedade da vida (e também da morte), sendo mais um passo no caminho do questionamento às instituições produtoras desse medo e que funcionam como carrascos, forçando-nos a colocar nossa humanidade dentro de uma caixa. É como o desconforto de uma lâmpada acesa nas pupilas dilatas de uma madrugada de sono. Sempre dói e existe resistência, mas é sempre necessário. 

PETHRUS TIBÚRCIO, estudante de Jornalismo e estagiário da Continente.

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