Curtas

Mostra Internacional de Teatro de São Paulo 2019

Mostra acontece de 14 a 24 de março em São Paulo, trazendo peças que discutem a violência

TEXTO Mateus Araújo

07 de Março de 2019

Dirigida pelo suiço Milo Rau, 'A repetição' abre a mostra paulista no dia 14

Dirigida pelo suiço Milo Rau, 'A repetição' abre a mostra paulista no dia 14

Foto Rubert Amiel/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 219 | março de 2019]

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Turbulentas discussões que contrapõem limites entre a verdade e a ficção e servem de dispositivo para a arte norteiam a curadoria de espetáculos apresentados na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), neste ano. Panorama das artes cênicas contemporâneas, o evento acontece de 14 a 24 de março na capital paulista com extensão, pela primeira vez, para o Rio de Janeiro.

As temáticas relacionadas à violência – seja física, mental ou emocional – estão presentes na maior parte das peças selecionadas. É o caso do destaque internacional da mostra, o diretor suíço Milo Rau, que traz três montagens para o Brasil e cuja obra será foco do evento.

“Milo é hoje, talvez, um dos artistas mais importantes ligados à vertente do teatro documentário. Tem marcado a cena não apenas europeia, mas mundial, com seus trabalhos. E também é um artista que se posiciona artisticamente de uma maneira muito forte”, antecipa o diretor artístico da mostra, Antonio Araújo.

O teatro de Rau explora o limiar entre as artes e a forma de sua construção, partindo, na maioria das vezes, de um acontecimento real para, segundo Araújo, desdobrar no palco questões como a violência. A repetição – História(s) do Teatro (I), que abre a MITsp, no dia 14, aborda um crime de homofobia na Bélgica, no qual um jovem foi torturado e morto por um grupo de garotos.

“Nesse caso específico de A repetição, o diretor parte de um fato concreto e vai desenvolvendo uma narrativa, ao mesmo tempo mesclando a forma teatral que faz um diálogo entre a imagem audiovisual e a presença viva da cena”, explica Antonio Araújo.

A relação entre narrativa e encenação também é base de Cinco peças fáceis, na qual Milo Rau parte de uma notícia de crime de pedofilia. “Ele trata esse crime de uma maneira bastante original. Convida um grupo de crianças e pré-adolescentes que vão encenar a história. E, em cena, você tem aquele grupo de crianças brincando de fazer teatro e assumindo os papéis de delegado, jornalista, investigador”, explica Araújo.

“É um espetáculo que faz denúncia contra esses crimes de violência contra menores, e não há nele nenhuma cena de violência sexual. Acho importante dizer isso pelo momento em que estamos vivendo, para ninguém distorcer os propósitos dos espetáculos”, frisa o diretor artístico, referindo-se a casos de censura que aconteceram no Brasil a artistas e obras acusados de pedofilia e pornografia, no ano passado.

Milo Rau ainda apresenta uma terceira peça, Compaixão – A história da metralhadora, em que a ideia de encenação se inverte. O foco – que nas duas primeiras peças estava na forma de se fazer o teatro e sua linguagem – agora se debruça sobre a palavra falada. “É outra vertente dele. Nos primeiros, você tem um jogo muito forte em relação à cena. Mas, em Compaixão, o foco é o texto, a presença da palavra ácida, em que ele faz uma crítica ao passado colonial da Europa em relação à África.” No espetáculo, criado a partir de entrevistas com trabalhadores de ONGs, clérigos e vítimas de guerra na África – como o genocídio de Ruanda – e na Europa, Rau discute as razões da compaixão e da falta de empatia no “humanismo” europeu.

BRASIL
As discussões sobre violência, pela perspectiva do limite entre verdade e mentira, também ecoam em montagens nacionais selecionadas para a MITsp. Censurada em 2018, inclusive no Festival de Inverno de Garanhuns, por interpretar Jesus travesti, a atriz Renata Carvalho vai apresentar sua nova peça: Manifesto transpofágico, a partir de sua vida e transformação de seu corpo transexual.

“É muito importante para a gente tê-la na mostra, por tudo que Renata vem sofrendo com relação à censura e ao boicote. Nesse trabalho, ela fala, por um lado, da questão dos direitos trans e, ao mesmo tempo, da transformação do seu corpo trans, a partir de sua trajetória”, destaca Antonio Araújo.

Outro artista censurado no Brasil e que estreia trabalho na MITsp deste ano é Wagner Schwartz, com A boba, inspirado no quadro homônimo de Anita Malfatti. “O quadro, depois que foi pintado, recebeu uma série de críticas negativas. E Wagner parte disso para falar do que ele viveu: uma situação violenta de calúnia e difamação. Esse trabalho é a possibilidade de ele fazer um solo com base nessa experiência traumática, aproximando-se da obra de Anita”, resume Araújo. Em 2017, Schwartz, foi acusado de pedofilia após apresentação da performance La Bête, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), quando foi filmado sendo tocado por uma criança. O performer estava nu.

Entre os espetáculos brasileiros que estão na programação, há também um pernambucano: Altíssimo, solo de Pedro Vilela, com texto de Alexandre Dal Farra, sobre os cultos neopentecostais brasileiros.

MATEUS ARAÚJO é jornalista, pesquisador, crítico de teatro e mestrando em Artes Cênicas pela Unesp.

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