Curtas

Diomedes Chinaski

'Ressentimentos II', segundo disco do rapper pernambucano

TEXTO Eduardo Montenegro

03 de Janeiro de 2018

 O rapper se inspira na relação de um jovem pobre e suas questões com o cotidiano

O rapper se inspira na relação de um jovem pobre e suas questões com o cotidiano

FOTO Rostand Costa

[conteúdo na íntegra (degustação) | ed. 205 | janeiro 2018] 

Existem músicas que mais parecem portas, ou janelas, para nos revelar mundos que, por diversos motivos, raramente são conhecidos. Canções que escancaram realidades e situações próprias do cotidiano, como o novo disco do rapper pernambucano Diomedes Chinaski, Ressentimentos II: a origem do sofrimento nas almas dos Compa$$as. Como é próprio do gênero, Diomedes dispensa qualquer pudor ou tabu social para tocar em assuntos que os “cidadãos de bem” preferem ignorar. Aliás, Diomedes Chinaski não é um artista feito para cidadãos de bem, tampouco seu novo álbum, embora isso não exclua a necessidade de ser escutado e propagado. “Cê ama Bolsonaro?/ Irmão, tu é retardado/ Retardado não, pois quem sofre retardo mental/ É maravilhoso, e Bolsonaro é um homem mal”, explicita o rapper, na música Cocada de sal, a teoria, mesma música em que reflete, em letra, a realidade das periferias, que parece ser a sua própria realidade. “Os cabras nunca leram nada, boy, nem Dom Casmurro/ Então, antes de questionar por que que assaltam vocês/ Lembra que mal sabem falar o português”, canta, na mesma faixa, O aprendiz, como é chamado também. Seu novo álbum foi lançado em novembro de 2017, e está disponível para ser escutado, na íntegra, nas plataformas digitais, como Youtube e Genius.

Há similaridades entre Ressentimentos – lançado em 2010, primeiro trabalho do artista – e este mais recente, principalmente no que se diz respeito ao acesso lírico e sonoro da periferia, não somente em questões políticas, mas igualmente nas memórias e emoções do rapper. No entanto, em seu segundo trabalho, todas essas questões surgem de forma mais explícita, como na música Herança emocional, feita em parceria com A Orquestra Imaginária, na qual Diomedes questiona: “Às vezes pergunto a Deus/ se a vida que Ele me deu/ é a vida que Ele quer respirar”. “No primeiro disco eu era adolescente; o primeiro é só uma junção de várias músicas, mais sentimentos do que técnica. O segundo já é timbre, produção, é bem mais pensado, mais estruturado, bem mais sentido de uma música para outra, os instrumentais também”, explica Diomedes, em conversa por telefone com a Continente.

A ideia de dar continuidade a Ressentimentos, sete anos depois, resulta da demanda dos fãs, que gostavam do modo visceral, cru e direto como o rapper cantava à época. “Eu quis fazer para homenagear meus fãs, que estavam na carência disso, mas depois eu tive cuidado com o que falar, você pode ver que eu não tenho papas na língua pra usar expressões mais duras. Eu coloquei o II para ser mais visceral, desprendido, o II é pessoal e não comercial”, comenta o rapper.

Não somente o rap é encontrado em abrangência no álbum, mas outros gêneros musicais relacionados à cultura negra, como o blues, jazz e o soul. Faixas como Nem tudo é só dor e Memórias póstumas de um liricista são exemplos disso. A produção do disco, no meio dessas influências, ficou sob a responsabilidade do DJ Caique. “Queria que soasse um disco antigo, um clássico”, explica Diomedes.

Ressentimento é quando temos uma mágoa, um rancor. Por diversas vezes, é dessa maneira que Diomedes Chinaski se porta: o modo como escreve e faz seu rap nos conduz a uma suposição de que ele estivesse verdadeiramente guardando tudo aquilo – memórias, afeições, experiências do cotidiano, decepções e afins – por muito tempo e, finalmente, as despejasse em forma de música. Na faixa Introdução de seu primeiro disco, ele diz: “porque é pelo ressentimento que a gente fixa a sensibilidade e fixa o pensamento no discurso”.

Para compor suas letras, Diomedes Chinaski conta que sempre leu autores que escreviam em primeira pessoa, citando Charles Bukowski como exemplo. É por isso que, inspirado e movido por essas referências, suas composições seguem também em primeira pessoa, até porque toda a temática de seus trabalhos, não só no seu novo álbum, é a sua vida em seus aspectos. “Faço música como um autotratamento psicológico, pra poder não enlouquecer. Faço para as pessoas em geral, mas existem pessoas que se identificam mais, existe um direcionamento para a periferia também. Me inspiro na relação de um jovem, pobre, com milhares de questionamentos internos, como ele se relaciona com o universo. Vem do desconforto. Não sei o que faria se não colocasse isso num local.” 

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