Curtas

Paterno

Novo filme de Marcelo Lordello trata de crise da meia-idade

TEXTO Luciana Veras

02 de Outubro de 2017

Trama gira em torno do personagem de Marco Ricca (dir.), que vive um dono de construtora

Trama gira em torno do personagem de Marco Ricca (dir.), que vive um dono de construtora

Foto Helder Tavares/Divulgação

[conteúdo na íntegra (degustação) | ed. 202 | outubro 2017]

Numa manhã de sexta-feira
de setembro, havia alguns operários com jaleco cinza em meio aos pedreiros, eletricistas e armadores circulando pelas obras de dois edifícios em construção numa rua em Boa Viagem, zona sul do Recife. No uniforme deles, aparecia a logomarca da Bittencourt Ramos, a empresa fictícia de Paterno, novo longa-metragem que o cineasta pernambucano Marcelo Lordello está a rodar. O fato de a construtora ter nome e sobrenome não é por acaso, como, aliás, não o é a presença de diversos profissionais que trabalharam em Eles voltam (2012), o primeiro longa desse diretor que é um dos vértices da produtora Trincheira Filmes.

Porque Paterno não surge de modo aleatório na carreira de Lordello. “Penso no filme como parte de uma tetralogia que olha um momento específico nas fases da vida. Eles voltam era sobre a adolescência, Paterno é sobre uma crise da meia-idade. Sempre fui fã de François Truffaut e de como ele criou um personagem, Antoine Doinel, e nos fez acompanhá-lo por todas as fases. Paterno tem a ver, também, com questões pertinentes que surgiram para mim depois que virei pai”, comenta.

No roteiro, escrito por ele e por Fábio Meira, diretor de As duas Irenes, Sérgio (Marco Ricca) é um arquiteto que chefia a empreiteira familiar fundada por seu pai. Quando o patriarca adoece, o filho passa a questionar as escolhas que o levaram até ali. Na filmagem acompanhada por jornalistas, a cena se dá na cobertura de mais um arranha-céu em edificação na ficção e na realidade do Recife, e Sérgio conversa com Eudes (o ator paraibano Beto Quirino), o mestre de obras da construtora. “São dois homens que se conhecem há muito tempo e entre eles há uma relação de amizade verdadeira”, observa Quirino, em sua primeira participação em produções pernambucanas.

Dois guinchos servem de elevador para os operários e equipe percorrerem a distância de 38 andares; entretanto, naquele dia, só um funcionava, de modo que as obras dos edifícios Jardim das Tulipas e Jardim das Acácias estavam atreladas aos movimentos de Paterno. Era a oitava diária de filmagem de um longa com cerca de 80 pessoas na equipe, entre técnica e elenco, e um orçamento “BO do BO”, nas palavras da produtora executiva Mannu Costa. “BO” é a corruptela para “baixo orçamento”, o conceito que define boa parte dos filmes rodados no Brasil. Há 10 anos, “BO” era um longa rodado com até R$ 1 milhão; hoje, o edital do Ministério da Cultura destina até R$ 1,25 milhão e “o orçamento total de cada um deles não pode ultrapassar R$ 1,8 milhão”, como explica o site do MinC.

Uma produção da Trincheira Filmes e da Plano 9, com coprodução da francesa Caravan Pass, Paterno está sendo feito com cerca de R$ 1,25 milhão, parte captada via edital do audiovisual do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura/Funcultura, e a outra parte justamente recebida através do edital do MinC. “O primeiro prêmio, o do Funcultura, saiu em 2013. Passamos dois anos burilando o roteiro, participando de laboratórios e de programas como o Ventana Sur, na Argentina, e, embora tenhamos ganhado o edital do MinC em janeiro de 2016, tivemos que esperar um ano para que os recursos fossem liberados”, detalha Costa, da Plano 9, que também produziu Eles voltam.

Termina a cena da cobertura e Marco Ricca e Marcelo Lordello chegam à sala de um apartamento no primeiro andar, o piso de porcelanato já devidamente instalado, para falar à imprensa. O diretor conta que a ideia de convidar Ricca veio de Fábio Meira, que escalara o ator para viver Tonico, o pai d’As duas Irenes: “Eu tinha uma lembrança forte daquela sessão memorável de O invasor no Cine PE de 2002, aquele filmaço de Beto Brant em que Ricca está excelente. Mas achava que ele era inacessível. Daí, Fábio sugeriu. Entrei em contato, enviei o roteiro e, logo, logo, estava ele me mandando uma mensagem do WhatsApp”. Mannu Costa emenda: “Quando eu soube de Marco Ricca, pensei logo: ‘Com esse orçamento?’”.

Ricca adorou o roteiro e se comprometeu com o papel de Sérgio. Chegou ao Recife poucos dias antes do início das filmagens, mas já havia começado seu trabalho de apropriação do personagem ainda no Rio. “Ele é compulsivo. Terminamos as filmagens de um dia e ainda vamos ensaiar as sequências do dia seguinte, o que nos dá liberdade para chegar ao set com as cenas já maturadas”, revela Lordello, sem esconder a satisfação com a aplicação do seu ator principal.

A atuação em As duas Irenes rendeu o prêmio de melhor ator no 45º Festival de Gramado a Marco Ricca, que compara a elaboração de seus dois personagens. “Sérgio é um cara da burguesia, herdeiro de uma empresa, enquanto Tonico vinha de uma cidade do interior. Eles são socialmente distantes e, portanto, possuem uma visão de mundo bem distinta. Sérgio está naquele momento de repensar a vida, de olhar para as escolhas que fez e que o levaram até aqui”, observa o ator, que brinca com o próprio sotaque. “Sou paulista, né? Mas, em vez de forçar um sotaque nordestino (imita a prosódia recorrente das telenovelas brasileiras que retratam personagens da região), optamos por atenuar um pouco o sotaque paulista e buscar a musicalidade local”, acrescenta.

Lordello defende que a presença de Ricca dá ainda mais credibilidade a essa jornada de Sérgio. “Ele não é um herói clássico, a empatia com ele vai se dar em outra esfera, inclusive a partir de tudo que sacrificou e que, com a iminência de morte do pai, passa em revisão. Vinte e cinco anos depois, o que pode ser reinventado?”, indaga o diretor.

Chega a hora de terminar a conversa com os jornalistas e Lordello e Rica seguem para o almoço. No refeitório improvisado, a diretora de fotografia, a uruguaia Barbara Alvarez, está sentada em uma mesa com a diretora de produção Dedete Parente Costa – sim, há muitas mulheres exercendo funções de chefia em Paterno. Reservada, Barbara não havia participado da pequena coletiva com a imprensa, porém, a sua presença vislumbra um apuro técnico e uma sofisticação na composição imagética, vide sua colaboração em produções nacionais recentes, como Que horas ela volta? (2015), de Anna Muylaert, e Boa sorte (2014), de Carolina Jabor, e o seu próprio currículo, em que figuram o uruguaio Whisky (2004), de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll, e A mulher sem cabeça (2008), de Lucrecia Martel.

“Ela tem uma dramaturgia própria, uma forma de se aproximar de personagens para criar uma autenticidade. A viagem dela é muito parecida com a minha: quando lemos juntos o roteiro, ela já foi pensando nos enquadramentos, no tipo de luz… Ela tem uma vontade de imersão e de elaboração antes, para todos nós nos sentirmos seguros no set, para termos uma estrutura de linguagem já assentada. É uma fotógrafa que decupa”, elogia Lordello.

Seu longa-metragem já tem distribuição assegurada, via Art House, de Marcello Ludwig Maia, a mesma que lançou A história da eternidade (2014), de Camilo Cavalcante, e Big Jato (2015), de Cláudio Assis. Estimar uma data de estreia é loteria, ainda mais quando se pensa no circuito de festivais (Eles voltam foi premiado em Brasília em 2012, mas só entrou em cartaz um ano e quatro meses depois). Porém, há um sentido de urgência palpável na atmosfera de Paterno. “Estamos rodando e Edu Serrano já está trabalhando na montagem do filme”, entrega o diretor.

LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente

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