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Picadeiro mais fácil de levar de cá pra lá

Em sua 12ª edição, o Festival de Circo do Brasil segue investindo em produções contemporâneas, porém mais minimalistas, facilitando sua circulação pela cidade

TEXTO Márcio Bastos

01 de Novembro de 2016

Espetáculo ‘Circo do só eu’ foi criado pelo grupo Barracão Teatro, herdeiro de família de circenses

Espetáculo ‘Circo do só eu’ foi criado pelo grupo Barracão Teatro, herdeiro de família de circenses

Foto divulgação

[conteúdo da ed. 191 | novembro de 2016]

No imaginário coletivo, o circo ativa memórias afetivas que remetem, em geral, à sua expressão mais tradicional, do picadeiro de lona montado por trupes familiares. A arte, no entanto, se apresenta como um organismo vivo, em constante mutação, dialogando, portanto, com outras linguagens e expandindo a própria concepção do que é o circo. Em Pernambuco, o Festival de Circo do Brasil (FCB) se firmou como o grande catalisador e expoente dessa multiplicidade do fazer circense, ao privilegiar uma programação que promove essa interseção entre a tradição e o contemporâneo. Sua 12ª edição acontece entre 4 e 13 de novembro em teatros e bairros da capital pernambucana.

O conceito “portátil” dá a tônica do evento este ano. Segundo a produtora do festival, Danielle Hoover, vários fatores influenciaram a escolha temática, entre eles a crise financeira nacional. Dessa forma, ao contrário do que aconteceu em anos anteriores, quando uma estrutura era montada na área externa do Parque Dona Lindu, o festival optou por apresentações de caráter volante, para serem apresentados em bairros e comunidades do Recife. “Procuramos na essência itinerante do circo uma forma de preservar e amplificar nossas ações. A ideia é que essas apresentações remetam quase a um circo de bolso, que reforce noções de leveza, da dinâmica do ir e vir”, explica.

Essa adequação, no entanto, não implica mudança na curadoria, que continua voltada para produções contemporâneas e grupos com trabalho contínuo de pesquisa de linguagem. A diferença, dessa vez, é que, em vez de espetáculos com equipes grandiosas, o FCB investe no minimalismo. Dessa forma, os teatros de Santa Isabel, Apolo, Hermilo Borba Filho e Luiz Mendonça recebem apresentações de grupos da Finlândia, França, Itália e Brasil, como o Gran Teatro Dentro e Rufino Clown (ITA), Circo Zanni (BR), fundado pelo ator Domingos Montagner, Cie Sôlta (FRA), Artinerant’s (BR), entre outros.

Conceituar o que é circo contemporâneo é, de certa forma, cair numa armadilha. Mais do que encaixotar, a ideia remete à flexibilização das possibilidades. A partir do diálogo com outras linguagens, a arte circense ativa potências que apontam para um caminho sempre em construção e aperfeiçoamento. Mais do que uma negação da tradição, essa característica reflete o caráter aglutinador da linguagem.

“O panorama do circo no Brasil é de crescimento. Hoje, temos escolas importantes, como a Escola Nacional de Circo, no Rio, e em outros polos, como São Paulo, Salvador e Londrina, que fomentam a arte. Essa retomada tem contribuído para que o circo se aprimore e cumpra uma fundação que lhe é inerente: buscar sempre uma atualização de seus temas, da técnica. É um desenvolvimento da linguagem, com a formação de artistas ligados também a outras artes, é muito enriquecedor. Hoje, estamos em uma fase de transição, com artistas que não vieram de famílias circenses investindo na formação”, situa Ésio Magalhães, do Barracão Teatro, que apresenta no festival o espetáculo Circo do Só Eu.

FORMAÇÃO
Outra característica fundamental desta edição é o destaque para artistas brasileiros e o intercâmbio entre os países. Hoover explica que o Festival de Circo do Brasil está conectado com outros quatro importantes eventos similares no mundo, com bases em Helsinki (FIN), Montreal (CAN), Toulouse (FR) e Estocolmo (SWE). Todos os espetáculos que integram a grade têm ao menos um artista brasileiro em sua composição. “O ambiente dos festivais tem o poder de acrescentar o intercâmbio entre linguagens, com vivências, cores diferentes. Não é intercâmbio propriamente técnico, e, sim, artístico e cultural”, reforça.

Com o projeto Circus Incubator, em parceria com a La Granieri (FRA) e a União Europeia, o festival espera também contribuir com o fomento do circo contemporâneo em Pernambuco. Do estado, selecionaram três artistas para participarem de trocas de experiências em solo internacional: Euler Kalebe, que esteve na Finlândia e Canadá, e João Lucas Cavalcanti e Vitor Lima, que vão à Suécia em fevereiro.

“No Recife, não tem nenhuma instituição profissionalizante que dê base realmente técnica para trabalhar com o circo. Então, a gente tem tentado assumir o compromisso de aperfeiçoar nossa técnica. Aqui ainda tem uma perspectiva mais tradicional e nós queremos nos adentrar mais na lógica do circo contemporâneo. Por minha formação no teatro e em dança, busco mesclar isso no meu trabalho para construir novas possibilidades como artista”, explica Vitor Lima, que atualmente se aperfeiçoa, junto a João Lucas Cavalcanti, na Escola de Circo de Londrina.

Para Danielle Hoover, possibilitar a apresentação de trabalhos que ampliam a percepção do que é a arte circense é uma contribuição não só para a área, mas também para outras linguagens.“Antes de tudo, estamos falando de arte, e creio que o festival tem conseguido imprimir essa ideia. Temos conseguido extrapolar barreiras, atingindo artistas de dança, teatro, música, que, tocados pelas possibilidades demonstradas nos espetáculos, passam a refletir sobre seus próprios fazeres. Pernambuco não é um polo circense, mas temos conseguido esse envolvimento com as outras artes, que o circo contemporâneo possibilita”, acredita.

 

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