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Malika Favre

Em busca do essencial

TEXTO Laís Araújo

01 de Agosto de 2014

Imagem Divulgação

Aos 18 anos, um desenho rasgado por um professor fez a francesa Malika Favre mudar drasticamente sua visão sobre a própria arte: após partir ao meio o rascunho da aluna, ele falou que a culpa do trabalho ter se estragado era exclusivamente dela, por adicionar detalhes demais. Treze anos depois, as ilustrações de Malika são reconhecidas pelo enfoque minimalista, utilizando poucas cores e linhas, substituindo a quantidade pela força. “Ele me disse que há beleza em espaços vazios, que adicionar linhas demais acaba sufocando o desenho. Foi algo que teve grande influência no meu trabalho.” Dentro de casa, houve a influência materna, que apontava erros recorrentes de balanço e proporção (e que plantou nela o amor por cores e padrões). Buscando o espaço criativo necessário para se construir como artista, migrou de Paris para Londres, onde, apesar de manter uma estética que define como “bastante francesa”, sentiu a energia que precisava para produzir.


O belo e o sensual marcam suas ilustrações. Imagem: Divulgação

Descascar os desenhos, tirar camadas das ilustrações até que o que esteja ali seja essencial: esse é o conceito-chave de Malika, que explica ter um ritual de criação antropofágico (antes de começar a desenhar, alimenta-se de milhares de imagens – menos as de páginas de design, para não criar interferências perigosas – e espera uns dias para o cérebro computar todas elas). O processo segue ao adicionar cores e formas mais grosseiras e ir controlando e limpando o material até que nada pareça sobrar, que todas as linhas estejam no lugar correto, sem excessos. “Eu diria que meu trabalho é ousado e minimalista, sensual e atrevido, e que sempre carrega uma narrativa, por menor que ela seja. Amo sugerir linhas que não estão lá, para que quem veja possa interpretar e imaginar uma história em torno disso. Meus assuntos são, em geral, simples, partem de um pensamento coletivo – acho clichês muito interessantes e penso que eles transmitem alguma verdade, falam para a consciência coletiva. Clichês são muitas vezes negligenciados e eu prefiro reinterpretá-los, fazê-los atuais e visualmente interessantes do que abordar assuntos mais complexos.”


Característica do seu trabalho também é o equilíbrio na composição e no uso de cores e apdrões gráficos. Imagem: Divulgação

O Alfabeto kama sutra, feito para a editora Penguin Books, sua obra de maior repercussão, reflete seus métodos e teorias. Ao entregar os primeiros moldes, feitos com um erotismo mais tímido e domado, recebeu “não” como resposta; depois, com o design aprovado, foi tão longe, que precisou substituir a letra “M” por uma opção considerada publicável. O processo foi “longo, doloroso, mas valeu muito a pena”, de acordo com ela. Lidar com o ambiente comercial não é um problema – ela diz que adora trabalhar com briefings e achar soluções para clientes, além de ter certa dificuldade em se enxergar como artista e ser chamada como tal. “A primeira vez em que fui exposta a um público foi com o projeto Hide and seek e foi uma sensação muito boa. Eu nunca me senti de fato como uma artista e demorou um tempo para perceber que tinha coisas para dividir, para dizer. Criar para si mesmo é um processo muito prazeroso e que adiciona pressão extra. Senti que estava dividindo minha visão de mundo, que as pessoas iriam me julgar por ela, e não ia ter em quem pôr a culpa, se tudo desse errado. Hoje, penso que tanto o trabalho comercial como o pessoal podem coexistir, sem um ser mais valioso que o outro.”



As clássicas posturas sexuais do Kama Sutra ganharam uma roupagem contemporânea - e não menos erótica - com seu traço. Imagem: Divulgação

O projeto Hide and Seek, que expõe uma típica mulher de Favre viajando e se escondendo entre um padrão gráfico e outro, foi exposto na Kemistry Gallery, uma das poucas galerias londrinas que juntam o design com outras artes visuais. Entre outras obras de destaque de Malika - que conta ser influenciada por artistas como a ilustradora Aurore de la Morinerie, os escritores surrealistas Boris Vian e Alessandro Baricco, e as bandas The Black Keys e Herman Dune - está a belíssima Zodiac, com representações dos signos; as séries tipográficas Wallpaper pin-ups e The mind business; além de peças únicas como Esquisses e SHOP, realizadas sob encomenda de empresas e publicações. “Sempre tento não comprometer meu trabalho comercial, mesmo que o cliente tenha, ali, um dedo nele. Quando crio obras comerciais com o mesmo padrão que o trabalho pessoal, a sensação é maravilhosa.” O resultado também. 

LAÍS ARAÚJO, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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