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“Havia uma missão pra mim”

O bandolinista pernambucano Marco César, um dos ícones do instrumento hoje, critica a ideia de “dom”, defende a formação musical para aspirantes a músicos e analisa os entraves do mercado

TEXTO Débora Nascimento

01 de Julho de 2014

Marco César

Marco César

Foto Divulgação

Numa pequena sala de parede branca, com alguns poucos móveis, o professor Marco César recebeu a Continente para uma entrevista que se estenderia por quase três horas. Nessa conversa, realizada em um dos seus locais de trabalho, o Conservatório Pernambucano de Música, o mestre e músico resgatou a trajetória que o levou a se tornar um dos heróis do bandolim no Brasil. Herói não somente por seu rigor técnico, mas por sua contribuição para o surgimento de novos instrumentistas e para a manutenção do choro em Pernambuco, terra que originou um dos maiores ícones do instrumento e do gênero, Luperce Miranda, que completaria 110 anos neste mês.

Marco César nasceu e cresceu num ambiente musical. Seu pai, Manoel Xavier de Brito, mais conhecido como Tozinho, tocava violão de sete cordas como um hobby levado muito a sério, que o fazia ser tratado como profissional e participar de um grupo com Rossini Ferreira, Bebé e Henrique Annes. O violonista acordava e dormia à base de música. E, nos finais de semana, enchia a casa de convidados, como o amigo Canhoto da Paraíba, que o homenageou em Valsa a Tozinho. Esse cenário despertou o ouvido musical do menino, que, com pouco mais de 10 anos, começou a tocar violão de seis cordas e depois bandolim, sendo ladeado pelo irmão Múcio Fernando e posteriormente pelo pai. Um dia antes de falecer, em 1976, Tozinho fez um pedido ao filho: “Nunca mais deixe de tocar o seu bandolinzinho”.

“Senti nas palavras dele que havia um futuro pra mim na música e uma missão, formar.” O adolescente passou, então, a ser orientado pelo tio, Tonhé, do Conjunto Pernambucano de Choro, que o aconselhou a largar a outra paixão, o futebol – Marco treinava no infantojuvenil do Sport Club do Recife. O ex-presidente do clube, Jarbas Guimarães, ao vê-lo, ainda garoto, executar com perfeição Brasileirinho, disse: “Se você jogar futebol como toca bandolim, o Sport tem um craque”. O jovem também recebeu elogios e apoio de figuras marcantes que apareceram em seu caminho, como os músicos Cussy de Almeida e Henrique Gregory, ambos ex-diretores do Conservatório Pernambucano de Música. Diante do talento prodigioso, a instituição concedeu uma rara bolsa de estudo, para que ele aperfeiçoasse sua técnica.

A retribuição veio quando atendeu ao convite de Gregory para dar aula de violão, cavaquinho e bandolim, no Conservatório, iniciando o ensino de música popular no local, que até então era voltado a instrumentos eruditos, tais como violino e piano. Nesse período, o CPM multiplicou consideravelmente a quantidade de alunos e ajudou a manter o Recife no mapa das cidades chorísticas do Brasil.

O currículo do artista ainda inclui diversas gravações e shows com o Conjunto Pernambucano de Choro, Marco César Trio, Orquestra de Cordas Dedilhadas, Coral Edgar Moraes, Oficina de Cordas, Orquestra Armorial de Câmara, Antônio Nóbrega, entre outros, e aulas na Escola João Pernambuco, Centro de Educação Musical de Olinda (Cemo), Funeso, Aeso, UFRPE, sem contar com as lições particulares. O bandolinista entendeu o recado do pai e vem cumprindo, com solidez, sua missão.

CONTINENTE Você acha que o mercado melhorou nesses últimos 40 anos? Ou as dificuldades mudaram?
MARCO CÉSAR Antigamente, você podia alugar um teatro, fazer a sua bilheteria e ter o seu retorno. Hoje em dia, não pode fazer isso, porque, se faz, tem uma despesa muito grande e vai concorrer com cinco, seis shows em outros teatros, já patrocinados, com bilheteria de graça. E, aí, ou entra no esquema dos projetos e tem também uma relação próxima com a curadoria ou não aprova. São várias ideias, projetos que a gente tem que não são aprovados. E por quê? Porque não presta? A gente não sabe. Porque foi mal-escrito? Às vezes. Porque não é interessante? Porque não dá mídia? Já tive projetos aprovados que não consegui captar porque talvez não fosse um grande artista nacional que dava mídia. Aí, você fica naquela, e tem também uma linha de trabalho, que, de repente, lá dentro da concorrência dos projetos, não é muito bem-esclarecida, não é clara, não é colocada no edital. Então, isso depende muito da comissão e da disponibilidade do artista de estar junto dos órgãos pleiteando, conversando.

Jacob do Bandolim. Foto: Divulgação

CONTINENTE Qual seria a alternativa para os projetos de financiamento?
MARCO CÉSAR Você já ter o patrocinador, principalmente. Isso é importante. Pra você não ficar correndo atrás de algo que não sabe se vai conseguir. Há pessoas que estão à frente dessas empresas, que cobram pra aprovar. Então, isso é um desgaste muito grande. Por isso, as regras precisam ser bem claras.

CONTINENTE  Como funciona esse “cobram pra aprovar”?
MARCO CÉSAR  Normalmente, se você tem projeto aprovado, está com a carta, vai pra empresa, ela diz “Apoio. Mas só se você me retornar tanto. Me dê 20%, ou 30%. Já pra garantir”. Aí, eles querem isso dentro de um projeto que já está difícil. Muitas vezes, o captador pede o valor dele, que é além do que deveria solicitar. Vamos dizer que a regra do projeto é 10% para o captador, aí, por fora, ele pede mais. E esse “mais” já vai prejudicar o nosso produto final, que é aquele “mais” que a gente já está tirando de algo, de uma foto, de uma mixagem, de uma masterização, e a qualidade do produto cai um pouco. Então, acho que as regras, e também as justificativas, precisavam ser bem-definidas e claras. Você não deve ter um projeto negado lá, “Não deu”. “Não deu” por quê? Qual é a razão? Uns alegam itens, às vezes é uma assinatura, às vezes é uma gravação que você deixa de levar, uns aprovam, outros não. E por que é que uns têm 2, 3, 4, 5, 6 projetos aprovados e outros, nenhum? Outra coisa importantíssima é que as curadorias de música deveriam ter músicos reconhecidamente capacitados para fazer essas avaliações. Muitas vezes são tantos projetos, 400, 500, que o cara não tem paciência ou tempo de ouvir direito. Essas avaliações, muitas vezes, não são justas.

CONTINENTE Quais são os outros problemas do mercado? Como está o ensino?
MARCO CÉSAR Bom, o ensino já é outra coisa. A gente sabe que agora existe uma obrigatoriedade da música na escola. Então, o Brasil está formando 30 mil e vai precisar de 200 mil professores. Vejo que existe um preconceito muito grande com relação à profissão. Alguns dizem: “Vocês escolheram as piores profissões da vida, professor e músico”. Ambos ganham pouco, ou não ganham. Mas eu digo que não, porque o professor de música pode chegar a ser um doutor ou pós-doutor, tanto quanto um médico. Agora, com o vestibular, a gente teve aí uns dois anos de primeiro lugar para o curso de música. Mas existe um preconceito muito grande na sociedade, de incentivar o membro da família de se formar em música. Existe até uma brincadeira: – “Você trabalha em quê?” – “Sou músico.” –“Sim, mas você trabalha em quê?”

CONTINENTE Você nota que hoje há uma geração mais preocupada em gravar e tocar do que estudar música?
MARCO CÉSAR Também. É outra coisa que me preocupa. Porque as pessoas fazem música sem conhecer o ofício. A minha parte aqui, pelo menos, no Conservatório, é pegar aqueles que já iniciaram, mostrar o que já foi feito e o que se pode fazer. E direcionar ou orientar. Costumo dizer que não quero que nenhum aluno acredite no que falo. Quero que eles pensem no que eu falo. Se pensarem, acho que estarão se ajudando. Tenho alunos que são professores, tive alunos que hoje são professores. Conheço praticamente quase todas as famílias deles. Porque existe sempre a dúvida: se vale a pena. A família entende como se fosse um problema aquele talento que o filho tem para a música. Muitas vezes atrelam à questão da malandragem e da droga.

CONTINENTE Os pais continuam preocupados com essas questões?
MARCO CÉSAR  Sim. Então digo: “Tenho 40 anos de música e nunca usei droga, nunca precisei de droga pra tocar. Entro num palco, como entrei no Free Jazz Festival, no Rio, onde a plateia era Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Francis Hime, Turíbio Santos. Toco aqui no Conservatório, em qualquer lugar que seja, até na rua, e nunca precisei me drogar”. Então, acho que o medo das famílias é exatamente esse, o preconceito que já existe. Se um pai chega pra mim com a dúvida, se vale a pena realmente investir, nunca fico contra. Porque sempre acreditei que a gente pode sobreviver de música. Vejo muitas pessoas que deixaram de trabalhar com ela e hoje não estão felizes em outras profissões. Agora, qual é o problema do mercado musical? É que, pra você ter retorno financeiro, o prazo é longo. É uma vida inteira, porque é uma filosofia de vida ser músico. É toda uma vida. Não é menos do que cinco anos de investimento pra se começar a entrar no mercado. “Ah, mas Fulano nunca estudou, um Djavan da vida, um Dominguinhos, um Luiz Gonzaga.” Aí é outro departamento. Não é que a pessoa não possa chegar. Pode.

CONTINENTE Mas até pra isso também é preciso tempo, não é? É preciso prática.
MARCO CÉSAR O exemplo que dou é o de Michael Jackson. Quando ele morreu, soube que o grande maestro americano Quincy Jones o orientou. Então, até o próprio Michael Jackson precisou estudar música, afinação, expressão... E por que é que a gente não tem que estudar? Porque a gente é bandolim, cavaquinho, violão, rabeca, zabumba ou pandeiro? Não. Você tem que conhecer a linguagem musical e a partir dela fazer o que quiser.


Luperce Miranda. Foto: Divulgação

CONTINENTE Há uma evasão muito grande nos cursos de música?
MARCO CÉSAR Eu me lembro de que, aqui no conservatório, fui estudar com um dos maiores professores que conheci, Severino Correia. Minha turma tinha uns 40 alunos, terminamos com quatro. Os adolescentes que chegam aqui são meninos que têm um excesso de atividades no colégio, o que faz com que não priorizem a música. Eles têm que priorizar, talvez, o inglês, em detrimento da música. E a dificuldade é grande para se organizarem e se dedicarem à música, porque precisam de mais tempo do que qualquer outra matéria. Por isso é muito difícil convencer as famílias de que deve haver paciência pra dar o tempo certo, a fim de que a pessoa comece a ter o retorno financeiro. Costumo dizer aos alunos que eles precisam ouvir, ler, pesquisar bastante e começar a fazer o ofício mesmo, pra ter a tranquilidade de fazer consciente. O problema é que muitos fazem e não sabem por que estão fazendo.

CONTINENTE Você acha que a música pop e tudo o que a envolve, principalmente a fama, é, de alguma forma, um entrave para a evolução da música de uma forma geral? Percebo uma preocupação muito grande dos músicos com o sucesso, mais do que com a qualidade da música, que é o que vai ficar. Você percebe isso?
MARCO CÉSAR  Percebo. Alguns até perguntam: “Você não gosta de pagode? Você não gosta de rock?” Gosto, não gosto é da qualidade do que escuto. Tive a oportunidade de fazer a curadoria de 40 ou 50 grupos de rock, e eu sentia dores. De raiva. Porque é rock, tem que ser malfeito, ruim? A minha crítica é essa. Por que é que não pode ter uma linha melódica, uma harmonia, uma ideia diferente? Uma vez, um amigo disse: “Mas música não mata...”. Depende de quem está ouvindo, porque já recebi um telefonema de outro amigo: “Marco César, tem uma flauta tão desafinada perto da minha casa! Não aguento mais! Eu vou dar um tiro nesses caras aqui!”

CONTINENTE São poucas as pessoas interessadas em tocar bandolim?
MARCO CÉSAR  Não vou ser tão pessimista, como o Jacob, que dizia que, quando morresse, o bandolim ia acabar e não ia ter mais choro. Mas tenho a impressão de que a gente garante aí uns 40 anos de bandolim, cavaquinho e violão, porque tem esses meninos que saíram daqui, não é? Eles entenderam a escola, já se profissionalizaram, estão no mercado, preparam outros, e eu já tenho alunos de meus alunos. Acho que poderíamos ter muito mais gente tocando bandolim, e esse “muito mais” seria a partir da formação de orquestras, que é o meu projeto maior, que penso mais na frente, no método de orquestra. Mas já tenho um projeto na Escola Técnica: quero montar uma orquestra com mais de 50 alunos. Tem menos gente interessada em bandolim do que em cavaquinho. Por causa dos pagodes e dos sambas, que é o que está na televisão. Mas o pouco que a gente tem, possui qualidade. Agora, a crítica que faço à escola de samba é: por que não é escola? Por que é só o nome? Por que é que ela não forma os músicos também? Por que não contrata profissionais pra ensinar música?

CONTINENTE Qual é a importância de uma formação musical que se inicia mais cedo?
MARCO CÉSAR  Ela é disciplinadora, tanto é que tenho depoimentos de mães que dizem: “Feliz da hora que meu filho começou a estudar com o senhor”. A música traz elementos que são importantes pra vida dum cidadão. Não é simplesmente fazer o cara tocar como uma maquinazinha ou um computador. Mas é o lado humano e social. Quando você coloca um aluno dentro de um grupo, ele vai aprender a respeitar o momento de cada um na música. Isso faz com que ele exercite a humildade também.

CONTINENTE Houve um boom do choro aqui, e agora? Como está o movimento de choro na cidade?
MARCO CÉSAR Está tendo uma renovação. Uma vez, Sivuca foi muito criticado porque disse que a melhor escola de música brasileira é o choro. Aí, alguns reclamaram: “E os outros estilos?” Vejo o choro como um ponto de partida para outros gêneros. A gente tem aqui, ainda em atividade, o Choro Brasil (com Maíra e Moema), Choro Miúdo (Bozó, João Paulo, João Victor, Alexandre), Grupo de Danda, um clarinetista que já tem outros meninos tocando com ele; o Conjunto Pernambucano de Choro, depois da morte de quatro, só tem a mim, Valéria e Geraldo, mas quando a gente precisa se apresentar, reúne-se com aqueles que foram meus alunos e possuem uma certa experiência.

CONTINENTE E os espaços diminuíram?
MARCO CÉSAR O que rege isso é exatamente o produtor. Se a gente tivesse os produtores, teria mais. Até programa de rádio de choro já tivemos. Acho que só o Retalhos; o Nosso Quintal, que fica na Chesf, onde quem toca é o Chocho, que é daquela geração antiga. Os espaços são pouquíssimos. Agora, a gente está com uma ideia de fazer um projeto nacional de choro. Serão nomes de outros estados com os locais. É importante esse intercâmbio.


Orquestra Retratos. Foto: Divulgação

CONTINENTE  Ainda permanecem as mesmas cidades ligadas ao choro?
MARCO CÉSAR Uma cidade que não é muito falada, mas que tem um movimento bastante interessante, é Salvador; lá, tem gente muito boa tocando choro. Minas agora tem. Rio Grande do Sul também. A gente recebeu recentemente um grupo de alunos, no Santander Cultural, que tocou música de Rossini (Ferreira). Foi emocionante vê-los tocando a música daqui. Tem o Maranhão. Há a questão de o músico de choro estar atrelado ao samba. Então, quando ele não está no choro, está no samba, e muito mais neste, por causa da oportunidade de mídia. Acho que poderia haver mais espaços. Aqui, no Conservatório, também tem; o Sesc abriu um espaço. Foi muito importante Hamilton de Holanda ter conversado com Artur da Távola, que era senador, e que instituiu o Dia Nacional do Choro, 23 de abril, que é aniversário de Pixinguinha. Isso fez com que o Brasil inteiro tocasse choro, pelo menos, uma vez por ano.

CONTINENTE O evento em homenagem ao músico pernambucano Moacir Santos, no ano passado, e do qual você participou, veio do Rio, partiu da flautista carioca Andrea Ernest Dias. Você acha que isso é sintomático de uma possível falta de reconhecimento local dos nossos talentos?
MARCO CÉSAR Acho. Inclusive, queria agradecer a Andrea, em nome de Pernambuco, por ter escolhido o Recife. Mas ela não teve a acolhida que merecia. O projeto era formado por músicos maravilhosos, de primeiro naipe mundial e a repercussão não foi a que eles mereciam. Infelizmente, não somente Moacir Santos, mas tantos outros músicos só são reconhecidos depois que morrem. E é preciso que os de fora reconheçam, para que você seja lembrado na sua terra. Eu me lembro do centenário de Luperce Miranda, quis trazer os dois filhos dele ao Recife e não consegui. E foi homenageado no Rio. Fui o único pernambucano convidado, participei do lançamento do livro O Paganini do bandolim. Tentei trazer para cá a autora Marília Barboza, mas não sei por que não houve interesse. O Recife tem essa história. Eu não diria o Recife, o Brasil não sabe reconhecer os seus talentos. O próprio Tom Jobim dizia que a saída do músico brasileiro é o aeroporto. Quando toquei a suíte Retratos, entreguei o LP ao maestro Radamés (Gnattali). E ele, um dos maiores músicos que o Brasil já teve, de todas as épocas, chegou pra mim e disse: “Muito obrigado, garoto, por você gravar minha música”. Eu disse que eu é quem deveria agradecer. Ele respondeu: “É porque não divulgam”. A gente recebeu os venezuelanos aqui tocando bandolim, bandola. Toquei pra eles. Falaram de Jacob do Bandolim como quem fala do maior ídolo, como quem fala de Mozart. Então, acho que nós não somos reconhecidos como deveríamos. Agora, eu me sentiria muito realizado, se conseguisse convencer o poder público a criar, pelo menos, um conjunto oficial de choro em cada cidade do país.

CONTINENTE Ainda se tem a ideia de dom?
MARCO CÉSAR Aí, entra aquela frase que não sei quem falou: “95% é trabalho e 5% é dom”. O cara nasce com o dom. E você trabalha esse dom. Agora, uns têm uma tendência, outros menos. Aqueles que têm uma tendência maior, melhor, são mais fáceis de a gente trabalhar, porque têm certa facilidade. Mas, às vezes, atrapalha, porque o cara confia na beleza. Tem uma frase que digo muito no curso de Produção Fonográfica da Aeso: “Não confie na beleza”. O cara acha que tem facilidade, mas na hora fica nervoso. É por isso que digo que sou chato. Chato para que as coisas sejam cada vez melhores. E tenho lutado para que a gente forme grupos que sejam referências nacionais. Não estou pensando aqui, estou pensando em termos nacionais e internacionais. Por que sou convidado pra dar aula em Paris? Pra me apresentar em Londres, em Portugal? Porque sou referência. E por que eu sou referência? Porque busco a qualidade. Então, a sua qualidade faz você ser o seu próprio marketing. Se você for ruim, a reputação será ruim; se for bom, vai ser sempre requisitado para estar entre os melhores.

CONTINENTE A biografia de Baden Powell revelou que ele chegava a passar um dia inteiro treinando uma só troca de acordes.
MARCO CÉSAR E o jazzista faz isso. Estuda 12 horas por dia. Talvez até mais do que um músico erudito. Mas as pessoas dizem: “É livre, é jazz, é improviso. É na hora”. Não! Existe toda uma sistematização de escala, de acorde, de progressão harmônica, de sentido musical, de linguagens, e o cara precisa estudar pra não fazer besteira. Costumo dizer isso: Por que o jazz está aí? Porque foi sistematizado.

CONTINENTE E a música brasileira ainda precisa dessa sistematização, não é?
MARCO CÉSAR Muito. A nossa literatura ainda é muito escassa. Principalmente na formação de instrumentistas. A gente tem que buscar coisas de fora.

CONTINENTE O frevo, nesse quesito, está ao deus-dará?
MARCO CÉSAR Está. Eu havia participado do curso de capacitação de pau e corda, na época do governo de Miguel Arraes. A assessoria era de Leda Alves, que hoje é secretária de cultura. Ela me convidou, pediu que eu me afastasse dos empregos que tinha para poder assumir esse trabalho. Conseguimos formar sete orquestras de 15 músicos, que muniram as agremiações do estado, que estavam se acabando. Então, a partir daí, nós criamos o livro em que o músico passou a ter as melodias escritas, no qual ele ia pra casa pra decorar, chegava no bloco e tocava, pelo menos, as introduções, que nem isso sabiam. O Carnaval também deixou de ser de rua, pra ser de palco e com a influência de outros gêneros, que são importantes, se olharmos pelo lado da mídia, porque traz a atenção pra cá, mas ofusca os gêneros locais. Costumo dizer o que o professor Sérgio Barza diz: “Não somos contra outros gêneros, somos a favor dos nossos”. A gente deveria valorizar mais e incentivar a criação de novos produtos e que estes cheguem aos ouvidos. 

DÉBORA NASCIMENTO, editora-assistente da revista Continente.

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