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Jalisco: Uma síntese mexicana

Menos famoso que cidades como a própria capital do país, Cancún, Acapulco e Oaxaca, o estado se impõe por sua riqueza natural e itens de cultura

TEXTO Luciana Veras

01 de Julho de 2014

A presença hispânica na arquitetura colonial da Catedral de Guadalajara e no Palácio do Governo

A presença hispânica na arquitetura colonial da Catedral de Guadalajara e no Palácio do Governo

Foto Divulgação

O México é um continente. Não tão vasto em dimensão territorial quanto o Brasil ou os Estados Unidos da América, porém, de tal riqueza e diversidade cultural, que um viajante pode achar que são vários países num só. Um tabuleiro que parte das três cores da bandeira nacional (o verde da esperança, o branco da unidade e o vermelho do sangue dos heróis que fundaram a pátria) e se divide em paisagens tão convidativas quanto estranhas entre si. Cidade do México, Cancún, Cozumel, San Jose del Cabo, Acapulco e Oaxaca são algumas áreas nas quais o fluxo turístico já é intenso. Mas é possível ir além delas e conhecer uma faceta mexicana que simboliza boa parte de suas tradições, e dos seus orgulhos nacionais, no estado de Jalisco.

É o sexto maior dos 31 estados que compõem a nação (formada, ainda, pelo Distrito Federal, onde fica a Cidade do México), com 7,3 milhões de habitantes. O que o torna distinto é uma combinação que inclui seu litoral no Oceano Pacífico, a chamada Costa Alegre e a confluência Puerto Vallarta/Riviera Nayarit; a tequila, a bebida que tomou emprestado o nome da cidade natal para se tornar item de consumo universal; Guadalajara, a alegre capital fundada em 1513, e sua gastronomia; os mariachis e os charros, os vaqueiros cujas vestes inspiram as roupas dos tradicionais cantadores; os pueblos mágicos, que são os municípios agraciados com tal classificação concedida pelo governo federal, por aliar vocação turística à preservação da memória e dos costumes locais.

“Jalisco é o estado que tem toda oferta turística que o país exibe, as melhores praias, destinos de natureza, a rota da tequila, atrativos de turismo religioso e viagens a povoados que traduzem a história da nação”, enaltece Enrique Ramos, secretário estadual de Turismo, ex-jornalista e ex-presidente do Atlas, popular time de futebol da região – como os brasileiros, os mexicanos são alucinados por todo e qualquer pormenor futebolístico. O exagero talvez se justifique por outra característica que une mexicanos e brasileiros: são todos expansivos, comunicativos, ansiosos por ajudar. “A maior experiência termina sendo o povo mexicano”, opina Diana Pomar, do Conselho de Promoção Turística do México, órgão encarregado de difundir o país no resto do mundo. A sedução, ao menos no Brasil, tem funcionado: em 2013, cerca de 260 mil brasileiros foram ao México.

E Guadalajara, cujo nome significa “rio que corre entre pedras”, possui diversos charmes para cativar ainda mais os brasileños. É nela que estão, por exemplo, os mais impressionantes murais assinados por José Clemente Orozco (1883-1949), “o único muralista que teve a coragem de pintar o que o povo mexicano viveu”, adverte Ernesto Gonzáles, um guia no Instituto Cultural Cabañas, prédio construído no século 18 para sediar um orfanato que hoje é o centro de promoção da capital, com a maior coleção de Orozco. “Coleção” é subtração, pois não se trata de quadros expostos em paredes, e, sim, de pinturas que ocupam lados inteiros do edifício, incluindo as abóbadas. Para quem é de Jalisco, Orozco chega a ser maior do que Diego Rivera (1886-1957). “Ele é um dos patrimônios da humanidade que Jalisco tem. Os outros são a tequila e os mariachis”, complementa Gonzáles.


Palácio do Governo. Foto: Divulgação

Quem sabe Orozco não foi a inspiração para o escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003) idealizar Edwin Johns, personagem de 2666, o mais caudaloso de seus romances? Na narrativa, o autor, que morou na Cidade do México, apaixonou-se pelo país e demonstra isso em seus livros, descreve um pintor que decepou uma das mãos e encontra-se em um hospício. Orozco perdeu a mão direita aos 14 anos, ao soltar fogos de artifício, mas não enlouqueceu como o personagem de Bolaño. Mesmo com menos de 1,60 m, foi engenheiro agrônomo e arquiteto e sacramentou sua entrada no índex histórico, afetivo e cultural dos mexicanos com suas vívidas e intensas representações dos 300 anos de dominação espanhola, escravidão, guerras pela independência, alianças entre os militares e a igreja, que chega com máquinas e sangue. O Palácio do Governo de Guadalajara e o Museu Orozco também conservam parte significativa da sua obra.

Para os aficionados por futebol, Guadalajara reserva doces recordações. Foi lá que a Seleção Brasileira jogou todas as suas partidas na Copa do Mundo de 1970 – excetuando a final contra a Itália, realizada no Estádio Azteca, na Cidade do México. Também foi lá que a Canarinho atuou no Mundial de 1986. Ou seja, o estádio de Jalisco é obrigatório para quem quer se lembrar dos gols de Jairzinho na estreia contra a Tchecoslováquia, da incrível defesa que o arqueiro inglês Gordon Banks fez ante uma cabeçada de Pelé e de dois momentos sublimes (ou os mais lindos gols nunca feitos): o chute do meio de campo de Pelé contra a seleção tcheca e o drible de corpo que o camisa 10 deu em Mazurkiewicz na semifinal contra o Uruguai, chutando em seguida apenas para que a bola, caprichosa, passasse raspando na trave direita. De 1986, para não se engasgar com a lembrança da derrota nos pênaltis contra a França, vale rememorar os gols do lateral-direito Josimar, em petardos híbridos, meio chutes, meio cruzamentos, contra a Irlanda do Norte e a Polônia.

TLAQUEPAQUE
A região metropolitana de Guadalajara aguarda o visitante com dois passeios bem diferentes. No município de San Pedro Tlaquepaque, imperam o artesanato e a culinária. Curioso perceber que existem lojas sofisticadas que comercializam roupas, louças e joias por preços exorbitantes (em pesos e mesmo em real), e também quiosques de ambulantes de rua ou mesmo um prédio de estacionamento transformado em mercado informal. Ali, no contato com o vendedor, que tem mais interesse em conhecer o interlocutor do que abordá-lo com alguma oferta superfaturada, estão as melhores possibilidades de aquisições.


Descrita como local de excelente clima, a Ribeira de Chapala tem atraído aposentados dos EUA e Canadá. Foto: Divulgação

No El Parian, no centro de Tlaquepaque, 18 restaurantes oferecem os quitutes regionais. Há chilaquiles (tortillas fritas servidas com molhos picantes), enchiladas, sopas, a tradicional torta ahogada, um sanduíche de pão francês com tiras de carne de porco fritas, cujo nome, o espanhol equivalente a “afogada”, deriva-se do fato de que o pão vem ensopado de chili. Outra preciosidade de Jalisco é a birria, feita com cabrito ou cordeiro e servida cozida e desfiada para ser consumida com tortillas ou afins. Não é de se estranhar que mariachis apareçam entoando canções típicas.

A 40 km de distância, a região de Ribeira de Chapala parece outro planeta. O lago homônimo, com 80 km x 20 km de área, é rodeado por pequenos montes. O clima é descrito pelos habitantes como o “segundo melhor do mundo, de acordo com a National Geographic”. Seu diminuto centro histórico é percorrido a pé, sem pressa, indo até o fim do dique que adentra o lago ou percorrendo o que se pode chamar de “orla”. No entanto, o que distingue a localidade é a maciça presença de aposentados canadenses e norte-americanos. O comandante Zane Pumiglia, que lutou na Guerra do Vietnã pela marinha americana, mora lá há nove anos. “Quando cheguei aqui, estava em uma cadeira de rodas. Hoje, gosto de explorar a cultura mexicana. As pessoas vêm para cá porque se trata de um local próximo, como boa infraestrutura e a possibilidade de conhecer todo o México”, comenta, na sede da American Legion, fundada em 1962.

Todos, sem exceção, atribuem a tranquilidade e o estilo de vida saudável às propriedades medicinais e curativas da água e do clima de Chapala. Dizem os locais que Ernest Hemingway (1899-1961) e T.S. Elliot (1888-1965) foram os primeiros a saudar tais atributos. Terry Vidal, da The Lake Chapala Foundation, estima que entre 10 e 12 mil canadenses e norte-americanos tenham emigrado para lá, criando uma situação diametralmente oposta ao recorrente panorama de mexicanos tentando invadir os Estados Unidos.

“Nossa fundação mantém uma biblioteca pública, tem fortes laços com a comunidade e prega a integração com a cultura local. As pessoas vêm para cá por tudo isso e porque é mais barato envelhecer aqui do que nos Estados Unidos”, afirma Vidal. Não seria um paradoxo, então, existir um lugar que para os vizinhos mais ricos é um Eldorado, enquanto mexicanos continuam sendo presos na fronteira? “Sim, é”, responde o presidente da The Lake Chapala Foundation. “Todos nós que aqui estamos torcemos para uma relação de duas vias entre os Estados Unidos e o México. Uma relação de livres fronteiras para ambos os lados”, emenda.

PUERTO VALLARTA
Os norte-americanos constituem o maior mercado emissor de turistas para o México. O Brasil aparece em quinto lugar, atrás deles, do Canadá, do Reino Unido e da Argentina. Sinais da constante e contínua presença dos EUA se avolumam também em Puerto Vallarta, a 300 km de Guadalajara. Povoado fundado em 1851, tornou-se cidade em 1908 e, até 1970, permaneceu sem energia elétrica, ou seja, o balneário ideal para aqueles atrás de natureza e sossego. São 115 km de extensão de uma baía que faz jus à calmaria do Pacífico.


Resorts ocupam boa parte da orla de Puerto Vallarta onde foi filmado A noite do iguana. Foto: Divulgação

Foi em Vallarta que John Huston rodou A noite do iguana (The night of the iguana, 1964). “Huston foi fundamental para o desenvolvimento turístico de Vallarta”, situa Juan Mendez, um senhor que leva grupos de visitantes para um breve, porém interessante, tour a pé. Foi a partir do filme que a cidade cresceu, agigantando-se também sob a perspectiva de resorts e cadeias hoteleiras com seus pedaços particulares do Pacífico. Uma das ruas leva à Casa Kimberley, construída por Richard Burton para Elizabeth Taylor, que vinha visitá-lo durante as filmagens e assim ofuscava a protagonista Ava Gardner. Parcialmente em ruínas, a mansão evoca o fervor da história de amor entre Burton e Liz (que se casaram duas vezes), e se tornou um símbolo de Puerto Vallarta.

A convivência entre história e contemporaneidade marca o destino turístico que os estados de Jalisco e Nayarit formam e divulgam como Nuevo Vallarta ou Riviera Nayarit. O aconchego de Puerto Vallarta dá lugar a praias mais selvagens, a hospedagens luxuosas e a restaurantes chiques e caros. É um trecho do litoral que suplanta Acapulco em beleza e talvez se equipare ao glamour e à sofisticação hoteleira de Cancún. A diferença é que a exploração turística ainda é em menor escala; contudo, isso também vem mudando. “Nossas praias são as mais hermosas, de longe”, garante o secretário de Turismo Enrique Ramos. Pode ser que sim, pode ser que não: o que importa em Jalisco não é a certeza, mas, sim, o caminho percorrido e tudo aquilo que se experimenta em busca dele. 

LUCIANA VERAS, repórter especial da revista Continente.

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