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Identidade latino-americana: Redesenhando tradições

TEXTO Isabel Meunier

01 de Junho de 2012

Foto Beatriz Meunier/Divulgação

Embora seja um lugar-comum falar em identidade latino-americana, uma primeira reflexão sobre o conceito suscita determinados questionamentos. Em uma região de vasta extensão e descontinuidades geográficas caracterizada por uma pluralidade de idiomas, de culturas e, principalmente, por acentuadas assimetrias socioeconômicas, a ideia de uma identidade transnacional ligando cidadãos de variadas nações se contrapõe à constatação de que diversas Américas Latinas coexistem, por vezes, conflituosamente.

No entanto, acontecimentos históricos convergentes e uma base cultural de influência europeia, indígena e africana unem os países latino-americanos. De fato, seus habitantes vivenciaram histórias semelhantes de colonizações, dependências e esforços direcionados ao objetivo comum de autonomia. Particularmente, observa-se que, na América Latina, a consciência regional precedeu as próprias construções nacionais, como consequência dos movimentos de independência que, no século 19, conceberam a união das partes como amparo às suas emancipações.

No contexto da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), iniciativa de integração criada em 2008 pela Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Suriname e Guiana, percebe-se uma tendência geral nos líderes nacionais relacionados à política exterior a referirem-se, em seus pronunciamentos, à identidade sul-americana e a seus símbolos históricos como meio de legitimação da organização regional. Tal identidade sul-americana vem substituindo, nesses discursos, a latino-americana, em um movimento estratégico de delimitação de novos quadros geográficos prioritários para a política externa dos países membros.

Mas esses argumentos identitários corresponderiam efetivamente ao esforço de construção de um projeto político comum ou, ao contrário, tratar-se-ia apenas de uma tendência dos políticos latino-americanos ao “realismo mágico”? Os próximos anos de desenvolvimento institucional e atuação da Unasul fornecerão uma resposta. De antemão, observa-se que os argumentos identitários ecoam apenas na parcela das populações sul-americanas com acesso à educação, à informação e à cultura – minoritária nesses países. Se a consolidação de uma identidade regional sul-americana é, realmente, um projeto político de seus líderes nacionais, sua efetivação deve passar necessariamente pela concepção de políticas públicas culturais que levem em conta as desigualdades da região. 

ISABEL MEUNIER, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco.

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