Arquivo

Paris: Um passeio de bicicleta

Com quase 400 quilômetros de ciclovias e um eficiente sistema de aluguel do veículo, a capital francesa revela um jeito próprio de circular sobre duas rodas

TEXTO E  FOTOS AUGUSTO PESSOA

01 de Janeiro de 2012

Prefeitura vai aumentar em 30% a já extensa rede de ciclovias e criar mil novas vagas de estacionamento

Prefeitura vai aumentar em 30% a já extensa rede de ciclovias e criar mil novas vagas de estacionamento

Foto Augusto Pessoa

O outono europeu transforma a paisagem e avisa que o inverno está chegando. Pelas calçadas da capital francesa, milhares de folhas denunciam o final da estação e conferem um colorido especial aos já consagrados cartões-postais da cidade: Torre Eiffel, Catedral de Notre-Dame, Obelisco de Luxor, Arco do Triunfo, Museu do Louvre. Numa cidade com tantos ícones, a escolha da forma de se locomover pode fazer toda a diferença.

Com uma rede de metrô fantástica, mas quase que inteiramente subterrânea, uma alternativa interessante é a boa e velha magrela. Mas, se você pensa que pedalar pelas ruas de Paris é um programa reservado apenas para os franceses, a boa notícia é que a prática está cada vez mais consolidada entre os visitantes também. E o detalhe mais interessante é que não será preciso levar sua bicicleta na bagagem. Graças a um sistema de aluguel – o Vélib –, extremamente eficiente, conhecer a cidade sobre duas rodas não é privilégio dos seus moradores. Arregace a barra da calça e se aventure.

Já faz algum tempo que os parisienses descobriram que essa é uma das melhores maneiras de curtir o que a cidade tem de mais bonito. Em cada calçada, as bicicletas se multiplicam. Se, antes, predominava as de estilo Ceci, sempre na cor cinza, hoje elas estão mais coloridas e diversificadas. O que não muda, mesmo nas mais modernas, é a onipresença da cestinha, uma espécie de marca registrada e acessório indispensável na hora de levar para casa a tradicional baguete, flores ou qualquer outra coisa.

Paris parece ter sido construída para as bikes, já que conta com ciclovias que contabilizam mais de 400 quilômetros – um recorde em áreas urbanas. A sedução do pedal é tanta, que, em 2011, a prefeitura local anunciou um plano que será executado até 2014 e que visa transformr a cidade na metrópole mundial das bicicletas. Além de aumentar em 30% a já extensa malha de ciclovias, o projeto pretende criar mil novas vagas de estacionamento e investir pesado nas vias de sentido duplo, zonas especiais em que os carros não podem ultrapassar 30 quilômetros por hora.


Antes reservado aos franceses, veículo consolida-se entre turistas 

Imagine o prazer de subir até a última torre da Notre-Dame, a mais famosa catedral gótica da Europa, erguida em 1163 e, depois, voltar para o hotel pedalando por uma das pontes que conecta a Île de la Cité ao centro de Paris. Ou, que tal, iniciar a pedalada no Arco do Triunfo, construído para comemorar as vitórias de Napoleão e, em seguida, descer a badalada Champs-Élysées até encontrar o Obelisco de Luxor, uma obra de arte egípcia de mais de três mil anos?

PEDALADAS
São tantas as possíveis rotas dentro da área urbana de Paris, que muitos preferem pedalar sem mapas, um jeito ainda mais “local” de conhecer os atrativos. Se você alugar uma bike, por exemplo, numa das dezenas de estações que circundam o Museu do Louvre, pode atingir a Torre Eiffel em aproximadamente 40 minutos, margeando o Rio Sena e passando por alguns dos mais visitados pontos turísticos da cidade. Ao chegar à Praça do Trocadero, é só devolvê-la em alguma estação e aproveitar uma das melhores vistas da torre construída para a Exposição Universal de 1889 e carro-chefe do diversificado circuito de atrações turísticas da cidade.

Criado em 2007, o sistema Vélib é uma parceria entre a iniciativa pública e privada, e opera 24 horas por dia, durante os sete dias da semana. Usar o sistema também não é difícil, basta ter um cartão de crédito. Depois de encontrar uma das mais de 1.500 estações, é preciso cadastrar-se e criar uma senha de quatro dígitos, que será usada sempre que retirar uma bike. Um débito de 150 euros é pré-autorizado pelo cartão, mas só será cobrado, se o ciclista não a devolver ao final do passeio.

O slogan do sistema é “A cidade é mais bonita de bicicleta”. A primeira vantagem de percorrê-la sobre duas rodas é não ser obrigado à escuridão de um túnel de metrô. Depois, como existem estações de Vélib a cada 300 metros, faz-se o percurso em várias fases, uma estratégia usada por visitantes e moradores.

Como a primeira meia hora é gratuita, executivos e estudantes usam o transporte para deslocamentos curtos e, assim, conseguem circular pagando apenas 1,70 euros, que corresponde à assinatura de um dia. Essa prática incentiva a rotatividade das bikes nas estações e ajuda no desafogamento do trânsito nas áreas centrais da cidade.

VEÍCULO CORRETO
Além de ser agradável e saudável, pedalar pelas ruas de Paris também resulta numa atitude de “sustentabilidade”, a demanda contemporânea. Calcula-se que o sistema Vélib é capaz de gerar reduções de até 30 mil toneladas de CO2 na atmosfera a cada ano. Isso sem contar com os milhares de parisienses que não abrem mão da bicicleta na hora de sair de casa. O fato mais recente em relação a isso é o aumento do subsídio dado pelo governo para a compra de bicicletas elétricas, numa clara política de incentivo ao uso de transportes alternativos.

Metade da população parisiense não possui carro próprio e os espaços destinados aos pedestres e às bicicletas só têm aumentado a cada ano. Um bom exemplo são as vias ciclísticas de sentido duplo, onde as bikes podem circular na mesma pista que os carros. Nesses trechos, os automóveis são obrigados a obedecer uma velocidade tão baixa, que facilmente podem ser ultrapassados pelas bicicletas. Claro que um sistema desse nível exige, antes de tudo, educação por parte dos ciclistas e, principalmente, dos motoristas.


Uma das vantagens de percorrer a cidade de bicicleta é usufruí-la completamente

O mais curioso é que a capital francesa – com população de quase 2 milhões de habitantes – tem conseguido equacionar os problemas relativos à mobilidade, enfrentando a difícil realidade de ser uma cidade densamente populosa. Para se ter uma ideia, existe mais gente querendo se deslocar ao mesmo tempo em Paris que em São Paulo. Sem uma rede de transportes eficiente, educação e consciência por parte da população, locomover-se ali seria uma tarefa penosa. Nesse contexto, uma das decisões mais acertadas do poder público local foi apostar no uso da bicicleta.

Considerada a mais arborizada cidade da Europa, Paris agrega ainda a fama de ser a capital mundial dos parques e áreas de lazer. Em cada bairro, dezenas deles servem como oásis em meio ao burburinho urbano. Qualidade de vida e mobilidade são faces de uma mesma realidade nessa cidade que ensina ao resto do mundo como aliar desenvolvimento urbano e respeito ao ser humano.

Barata, sustentável e inesquecível. Essas são as três palavras que refletem a escolha de uma visita às ruas de Paris sobre uma bicicleta. A brisa do Rio Sena, acariciando o seu rosto, será apenas mais uma das recompensas. 

AUGUSTO PESSOA, jornalista e fotógrafo.

Publicidade

veja também

Cortejos: Sob as bênçãos de Rosário e Benedito

Um astrônomo no telhado de casa

Encontro entre oralidade e memória de uma nação