Cobertura

Uma humanidade que caminha para a extinção

Festival Trema! começa neste sábado (26/5) reforçando seu perfil de discutir questões como distopia, negritude, feminismo e pautas LGBTQ+

TEXTO Erika Muniz

25 de Maio de 2018

Espetáculo 'Mata teu pai' abre os trabalhos do Trema! com texto da mineira Grace Passô

Espetáculo 'Mata teu pai' abre os trabalhos do Trema! com texto da mineira Grace Passô

Foto Elisa Mendes/Divulgação

 

A circulação da frota de ônibus está reduzida em 50%, alguns mantimentos começam a ficar escassos nas prateleiras do supermercado; numa cidade como o Recife de engarrafamentos diários, os “poucos” carros que ainda circulam, se enfileiram nas entradas dos postos que ainda têm gasolina. Nesse clima bastante oportuno, a programação de um dos principais festivais de teatro da cidade, o Trema! tem início neste sábado (26/5) e vai até o dia 3 de junho, sob o conceito Narrativas para uma humanidade em extinção.

Neste ano, as temáticas das obras selecionadas, como o próprio curador, Pedro Vilela, afirma, dialogam com a curadoria do ano passado, que dizia E se o mundo for o inferno de outro planeta? Questão orientada pelo autor inglês Aldous Huxley da obra literária Admirável Mundo Novo. “Se a gente for ver o festival dos últimos anos, há uma recorrência em abordar questões como negritude, feminismo, as pautas LGBTQ+…. Antes que nos acusem de uma repetição, prefiro que digam que é uma recorrência e por ser muito distante de estarem resolvidas, acho que isso de alguma maneira permanece”, defende Vilela, que é ator e diretor em Altíssimo, um dos solos da programação

"Desde do ano passado, com a montagem do Altíssimo e viagens que realizamos para festivais como Santiago a Mil (Chile) e MITsp (São Paulo) em 2018; esse tema, que reflete muito do colapso do nosso país e do mundo alucicrazy que vivemos, vem sendo uma certa continuidade do tema anterior distopias e realidades (2017). Então, dentro da nossa convivência diária com ideias, eis que Pedro nos chega com essa frase-tema belissíma! Ela acabou por se coadunar muito bem com a conjuntura atual e com o recorte curatorial que traremos este ano", revela o produtor Thiago Liberdade, que é responsável por toda identidade visual do festival.

Na edição anterior, os investimentos financeiros foram bem maiores. Este ano, o Trema! não conta com o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura, tampouco com o aporte de patrocinadores diretos através da Lei Rouanet. Em 2017, foram 15 espetáculos distribuídos em 12 dias de festival, enquanto na edição de 2018 são apenas 9 dias com 9 obras distintas. Cinco nacionais inéditos na cidade e quatro produções pernambucanas. Outros pontos fortes da programação são o Encontro Tremático (debate em parceria com a Revista Continente), o lançamento de livros e o debate sobre as alternativas de publicação dos conteúdos oferecidos pela revista Trema! Revista de Teatro, tendo como base as duas últimas edições impressas, cujo trabalho gráfico é bastante autoral, primoroso e costurado por temáticas urgentes na conteporaneidade. "A criação da arte do festival é muito própria. O design está na base nuclear da TREMA! Plataforma, então tudo é muito livre e é nessa liberdade que minha criação não tem limites, não tem freios assim como a de um artista. Enquanto criador, sensível ao mundo, não posso permitir um festival que está ancorado na cidade do Recife não dialogue com as conjunturas e com a própria contemporaneidade", afirma Thiago.

A abertura da grade, neste sábado, fica a cargo do espetáculo Mata teu pai, um solo que celebra os 20 anos de carreira da atriz Débora Lamm. Numa retomada do mito da Medea em livre adaptação, mas que reflete sobre o ser mulher nos dias de hoje, o texto é da talentosíssima mineira Grace Passô e a direção de Inez Viana. Depois de ter conquistado o público pernambucano, no Trema! de 2015, com Jacy, o grupo potiguar Teatro Carmim apresenta A Invenção do Nordeste, que provoca os esteriótipos alimentados pelas diversas linguagens artísticas há décadas.

Maikon K apresenta a performance DNA de DAN. 
Foto: Victor Nomoto/Divulgação

Outros destaques da sexta edição são os espetáculos de dois dos artistas que vêm sofrendo censura no Brasil, o paranaense Maikon K e Renata Carvalho, com seus respectivos DNA de DAN e O evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu. DNA de DAN, que acontece dentro de um ambiente inflável e transparente, acabou fazendo com que Maikon fosse detido por apresentar sua performance nu, em Brasília. Enquanto, a obra apresentada por Renata foi alvo de ataques transfóbicos, mesmo com toda a importante reflexão trazida na obra.

Para o este ano, a equipe formada por Pedro Vilela, Thiago Liberdade e Mariana Russu tentou conciliar a situação orçamentária com as temáticas propostas pelo festival, foi daí que a ideia conceitual chegou. “Começamos a pesquisar e chegamos a umas informações de que o mundo passou por cinco extinções, até agora, a última delas foi a que destruiu os dinossauros. Normalmente, essas extinções foram de ordem externa e agora, na contemporaneidade, estamos próximos da sexta extinção, mas essa será diferente das outras porque nós mesmos seremos responsáveis por ela. Sexta extinção, sexta edição e então, as obras dialogam com essa ideia. Narrativas que são meio tristes por si só, mas que precisam ser estabelecidas. Se é que a gente tem interesse de ir para algum lugar”,afirma Pedro Vilela. Diante da vivência da máxima “A vida imita a arte”, a única coisa a fazer é ir ao teatro e tocar um frevo pernambucano. 

 

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